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Com o passar do tempo, os processos psicológicos se tornam fossilizados, ou seja, rígidos e mecanizados e perdem sua aparência original. Por isso, a atenção deve ser concentrada no processo de desenvolvimento das formas superiores e não no produto do desenvolvimento. Cabe ao pesquisador retornar à sua origem através do experimento para conseguir alterar o automatismo mecânico e fossilizado das formas superiores de comportamento. Em uma perspectiva histórica, os

experimentos psicológicos têm como base o estudo das funções rudimentares, onde passado e presente se encontram. “Aquele que é e aquele que foi. A forma fossilizada é o final de uma linha que une o presente ao passado, os estágios superiores do desenvolvimento aos estágios primários.” (VIGOTSKI, 2003, p. 85). O ponto chave do método dialético é estudar um evento historicamente, em seu processo de mudança.

O método de estimulação dupla tem caráter funcional e foi criado justamente para analisar e descobrir as características fossilizadas, rígidas, automatizadas e mecanizadas dos processos superiores do comportamento.

A nossa abordagem que torna objetivos os processos psicológicos interiores, é muito mais adequada do que os métodos que estudam as respostas objetivas pré-existentes. Somente a objetivação dos processos interiores garante o acesso às formas especificas do comportamento superior em contraposição as forma subordinadas. (VIGOTSKI, 2003, p. 99)

Então, para estudar as funções psicológicas superiores, entre elas a constituição de conceitos, o foco principal está em analisar o processo de como ocorre o comportamento fossilizado; além de realizar uma análise explicativa da relação dinâmico-causal ao investigá-lo incluindo a sua origem. Isso porque ao encontrar um comportamento fossilizado tem-se a voltá-lo a sua forma original. Todo processo de fossilização diz respeito, antes, à relação existente entre desenvolvimento e aprendizagem e sua natureza social.

Na análise da relação entre aprendizagem e desenvolvimento em crianças na

idade pré-escolar, Vigotski (2003) identificou três concepções teóricas. A primeira afirma que os processos de desenvolvimento da criança são separados do aprendizado, e devem obedecer as etapas do desenvolvimento, numa tentativa de eliminar qualquer influência da experiência e do conhecimento adquirido anteriormente. Admite que o desenvolvimento seria pré-requisito para o aprendizado, e ainda, que a criança não seria capaz de aprender um determinado assunto se suas funções mentais não estivessem suficientemente amadurecidas. Nesse sentido, a maturação precederia o aprendizado e a instrução deveria seguir o crescimento mental (VIGOTSKI, 2003).

A segunda concepção afirma que a aprendizagem é desenvolvimento e este é abordado como o domínio de reflexos condicionados. O processo de aprendizagem e do desenvolvimento estaria imbricado um no outro, não se separariam. Thorndike

(1914 apud VIGOTSKI, 2003) e outros teóricos sustentam esses postulados e assumem que o desenvolvimento abrevia à acumulação das respostas possíveis. Aprendizado e desenvolvimento caminham juntos e se encontram em todos os pontos.

A terceira posição representada por Koffka (1921 apud VIGOTSKI, 2003) explica aprendizagem e desenvolvimento como dois processos separados, mas relacionados e um influencia o outro. “De um lado a maturação, que depende diretamente do desenvolvimento do sistema nervoso; do outro o aprendizado, que é, em si mesmo, também um processo de desenvolvimento.” (VIGOTSKI, 2003 p. 106). Para Koffka, o processo de aprendizagem não pode ser considerado como simples formação de habilidades e hábitos. Contudo, admite a transferência de conhecimentos descobertos na solução de uma tarefa para várias outras tarefas. O desenvolvimento e aprendizado nunca se encontrariam (VIGOTSKI, 2003).

Vigotski (2003) se opôs as três concepções e propôs duas indagações distintas. A primeira interroga a relação geral entre aprendizado e desenvolvimento e a segunda, os aspectos específicos dessa relação quando a criança atinge a idade escolar. Sustenta, então, que o aprendizado e desenvolvimento estão inter- relacionados desde o nascimento da criança e que a aprendizagem se inicia antes mesmo da criança começar a freqüentar a escola, no seu percurso histórico e cultural.

A relação entre instrução escolar e desenvolvimento cognitivo foram estudadas por Vigotski (apud VAN DER VEER e VALSINER, 1996, p. 362) para verificar o “grau de maturidade das funções sobre as quais deve se desenvolver o ensino do conhecimento escolar”, principalmente as diferenças psicológicas entre fala e escrita. As crianças, ao ingressarem na vida escolar, ainda não estão em processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores e, por isso, a instrução escolar é construída sobre as funções que não amadureceram. Assim, a instrução escolar precede o desenvolvimento cognitivo e a criança pode executar uma função antes mesmo de compreendê-la e controlá-la. Também verificou a utilidade potencial do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal.

Van der Veer e Valsiner (1996) esclarecem que o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal foi encontrado, na obra de Vigotski, em estenogramas, por volta de 1932, e não é conhecido com precisão o inicio do uso desse conceito. Em 17 de março de 1933 encontra-se a primeira referência ao constructo, nos

apontamentos de uma conferência intitulada “A análise paedológica de processos pedagógicos”.

Vigotski investigou o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal usando testes de inteligência, aplicados por ocasião da entrada da criança no ambiente escolar e buscou fazer uma “regressão para a média”. Avaliava as crianças, enquandrando-as em quatro grupos distintos, antes de serem conduzidas a diferentes escolas. Aquelas que obtinham um quociente de inteligência (QI) alto (escore de 110 pontos ou mais), QI médio (entre 100 e 90) e baixo (entre 70 e 90) eram conduzidas à escola regular. Crianças com um QI abaixo de 70 eram encaminhadas às escolas especiais (VAN DER VEER e VALSINER, 1996). Vigotski pontuou que para se prever o desenvolvimento intelectual, considerar a Zona de Desenvolvimento Proximal era mais importante e mais adequada do que a categorização de QI, diferenciando do desenvolvimento real.

O nível de desenvolvimento real se caracteriza pela capacidade que a criança apresenta de resolver problemas independentemente e com autonomia. Já o nível de desenvolvimento potencial é caracterizado pela resolução de problemas com auxílio de um outro mais experiente. O caminho compreendido entre os dois níveis é denominado de Zona de desenvolvimento Proximal. Vigotski a define como “a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.” (VIGOTSKI, 2003 p. 112).

Na zona de desenvolvimento proximal há funções que estão em amadurecimento e Vigotski (2003) as chama de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento que permitem observar como ocorre o desenvolvimento mental prospectivamente. Ou seja, a zona de desenvolvimento proximal “permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação.” (VIGOTSKI, 2003, p. 113).

O estado de desenvolvimento mental, portanto, somente poderá ser determinado revelando-se o nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal. Em outros termos, representa a diferença entre a capacidade da criança de resolver problemas sozinhos e a capacidade de resolvê-

los com ajuda de alguém. Assim, o que a criança pode fazer hoje com ajuda, no nível potencial, amanhã, conseguirá fazer sozinha no nível real. O processo abrange todas as funções e atividades que a criança consegue realizar com ajuda de alguém, de uma pessoa que media e intervém ensinando a criança. É através do aprendizado que cria-se a zona de desenvolvimento proximal, nível que a faz ascender os processos internos do desenvolvimento. Assim, aprendizado não é desenvolvimento. O aprendizado leva ao desenvolvimento que ativa seus os vários processos: “o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.” (VIGOTSKI, 2003, p. 118).

O ensino consiste, nessa perspectiva, no acompanhamento do desempenho através da Zona de Desenvolvimento Proximal. É possível afirmar que o ensino ocorre quando o acompanhamento é oferecido em pontos da ZDP nos quais o desempenho requer acompanhamento (GALLIMORE e THARP, 2002).

A criança, no contexto escolar recebe informações necessárias de pessoas mais capazes, no caso do professor, para construírem um significado. Com essas informações as crianças poderão desenvolver novas funções, testar novos conhecimentos, agregando-os aos já existentes.

Seguindo essa linha de raciocínio, o processo desenvolvimental, no que se refere à aprendizagem, tem como principal objetivo que a criança internalize conteúdos e modos de funcionamento psicológicos mediados pelo outro social; aprenda a operar com eles e os automatize ou fossilize. Logo, a fossilização torna- se uma etapa necessária da relação entre desenvolvimento e aprendizagem. A assistência a ser oferecida à criança pode ser realizada através de seis meios distintos: Modelagem, Gerenciamento das Contingências, Realimentação (feedback), Instrução, Questionamento e Estruturação Cognitiva (GALLIMORE e THARP, 2002).

I- Modelagem consiste no processo que disponibiliza comportamentos a serem