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ANÁLISE DA LEI DO SISTEMA DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO TOCANTE AOS CORREDORES

Hannah Torres Danciger 1 1. INTRODUÇÃO

4. ANÁLISE DA LEI DO SISTEMA DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO TOCANTE AOS CORREDORES

ECOLÓGICOS

Diante da importância da conservação da diversidade biológica pela Lei do SNUC, e o valor dos Corredores Ecológicos para o fortalecimento da legislação, a seguir se examina o tratamento que esta dá ao instrumento dos Corredores Ecológicos.

Artigo 2º, inciso XIX da Lei do SNUC

corredores ecológicos: porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais. (BRASIL, 2000, art. 2º, inciso XIX, grifo nosso)

A primeira menção aos Corredores na Lei do SNUC se dá no inciso XIX do art. 2º, ao trazer a conceituação. É a única conceituação no âmbito legal, embora a Resolução CONAMA nº 9/1996 traga a conceituação para “corredor de vegetação entre remanescente”7 (BRASIL, 1996), e haja menção aos Corredores na Lei da Mata Atlântica (BRASIL, 2006).

6 A conectividade estrutural refere-se ao modo que o corredor é construído na paisagem e a conectividade funcional refere-se à maneira que o corredor atende as perspectivas das espécies (Conservation Corridor, 2020).

7 “Art. 1o Corredor entre remanescentes caracteriza-se como sendo faixa de cobertura vegetal existente entre remanescentes de vegetação primária em estágio médio e avançado de regeneração, capaz de propiciar habitat ou servir de área de trânsito para a fauna residente nos remanescentes. Parágrafo único.

166 Contudo, ao ressaltar no conceito “ligando unidades de conservação”, causa uma restrição que implica em prejuízos práticos. A restrição da conceituação repercute juridicamente, visto que não haverá uma proteção legal em ligações de ecossistemas naturais ou seminaturais com áreas que não sejam unidades de conservação (BENSUSAN, 2006) - tais como os stepping stones, terras indígenas, reservas legais, áreas de preservação permanente ou, simplesmente, áreas que não sejam um espaço territorial especialmente protegido strictu sensu (MILARÉ, Édis., 2015). Ou seja, há um grande prejuízo prático na conceituação do SNUC ao não conceder o status de Corredor Ecológico para demais conexões (BENSUSAN, Nurit., 2006).

Artigo 5º, inciso XIII da Lei do SNUC

busquem proteger grandes áreas por meio de um conjunto integrado de unidades de conservação de diferentes categorias, próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de amortecimento e corredores ecológicos, integrando as diferentes atividades de preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação dos ecossistemas.(BRASIL, 2000, art. 5º, inciso XIII, grifo nosso)

O artigo 5º traz as diretrizes da Lei, de modo a orientar os critérios que deverão ser aspirados ao longo dos demais dispositivos legais. O dispositivo, em relação aos Corredores Ecológicos traz como diretriz a proteção destes, visando a sua integração para a preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais, restauração e recuperação dos ecossistemas. Tendo por objetivo conectar Unidades de Conservação, os Corredores fortalecem o cumprimento da diretriz do art. 5º, inciso XIII ao trazer benefícios tanto para a proteção das Unidades e da sua diversidade genética, como para os aspectos socioeconômicos, visto que aumenta a qualidade ambiental dos serviços ecossistêmicos da região em que é criado, tais como refúgio para população de espécies, polinização, ciclagem de nutrientes, regulação do fluxo de água, controle de erosão do solo (BENSUSAN, 2008), dentre outros.

Artigo 20, §6º da Lei do SNUC

Os corredores entre remanescentes constituem-se: a) pelas matas ciliares em toda sua extensão e pelas faixas marginais definidas por lei: b) pelas faixas de cobertura vegetal existentes nas quais seja possível a interligação de remanescentes, em especial, às unidades de conservação e áreas de preservação permanente.” (BRASIL, 1996)

167 O Plano de Manejo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável definirá as zonas de proteção integral, de uso sustentável e de amortecimento e corredores ecológicos, e será aprovado pelo Conselho Deliberativo da unidade. (BRASIL, 2000, art. 20, §6º, grifo nosso)

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável constitui uma das Unidades de Conservação do grupo das Unidades de Uso Sustentável, e possui o objetivo de

preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas populações. (BRASIL, 2000, Art. 20, caput e §1º).

Quanto à menção aos Corredores Ecológicos, o parágrafo 6º do artigo 20 estabelece que o Plano de Manejo os definirá. O parágrafo dialoga com o artigo 27,

§1º, do SNUC, o qual dispõe que “o Plano de Manejo deve abranger a área da Unidade de Conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas” (BRASIL, 2000).

Critica-se uma vez mais a restrição do conceito de corredores ecológicos, pois no dispositivo em análise, corredores que fizessem a conexão com fragmentos de vegetação não protegidos pelo SNUC não seriam definidos pelo Plano de Manejo com o status legal de Corredor Ecológico.

Artigo 25, caput, §1º e §2º da Lei do SNUC

Art. 25. As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos.

§ 1o O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação.

§ 2o Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que trata o § 1o poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente.

(BRASIL, 2000, art. 25, caput, §§1º e 2º, grifo nosso)

Os Corredores Ecológicos são mencionados três vezes no artigo 25. No caput, é estabelecida a obrigatoriedade para as Unidades de Conservação - exceto Área de

168 Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural - de possuírem uma zona de amortecimento8. A primeira menção estabelece que as Unidades de Conservação possuirão Corredores Ecológicos quando for conveniente.

O dispositivo utiliza o termo “quando conveniente” para o dever das Unidades de Conservação possuírem Corredores Ecológicos. Por conveniente, entende-se oportuno e adequado (DICIO, 2020). O que é acertado, tendo em vista que são possíveis situações em que não há como conectar Unidades de Conservação - devido a diversos fatores, como espaciais, sociais, políticos e econômicos.

Contudo, a redação, ao restringir a obrigatoriedade para os corredores ecológicos, concede a discricionariedade para a gestão da unidade determinar quando seria conveniente a implementação de corredores. Isso é um grande prejuízo para a biodiversidade e para os serviços ecossistêmicos produzidos pela Unidade de Conservação, visto que a limitação orçamentária e os desafios enfrentados pelas unidades afastariam oportunas criações de conexões de corredores que não possuem previsão legal.

A segunda menção, no parágrafo primeiro, se refere ao estabelecimento de normas específicas para a regulamentação da ocupação e uso de zonas de amortecimento e corredores ecológicos pelo órgão gestor da unidade. É imprescindível a regulamentação de normas específicas para conservação dos recursos naturais, sociais e econômicos de cada unidade. Entretanto, a aplicação do dispositivo é um desafio para muitas unidades, visto a dificuldade real de gestão e falta de recursos para o planejamento, criação e manejo das atividades na unidade.

A terceira menção é no parágrafo segundo quando este dispõe que a definição de zona de amortecimento e corredores pode ser feita em ato posterior da criação da unidade. Isso está em acordo com a realidade do Sistema de Unidades de Conservação no Brasil, pois dentre os diversos desafios que surgem a partir da criação, um é a ausência de Planos de Manejos (apesar de obrigatório até 5 anos após a criação da unidade): 1.946 Unidades de Conservação (81,9% do total das Unidades de

8 “zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade” (BRASIL, 2000, art. 2º, inciso XVIII).

169 Conservação) sequer possuem plano de manejo (MMA, 2020a). Ressalte-se que a porcentagem ainda é maior quando se observa às Unidades de Conservação Federais, eis que são 874 (87,05% de 1.004 Unidades de Conservação) que não possuem plano de manejo (MMA, 2020a).

Artigo 27, §1º da Lei do SNUC

O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas.

(BRASIL, 2000, art. 27, §1º, grifo nosso)

O caput do art. 27 impõe a obrigatoriedade das Unidades de Conservação possuírem um plano de manejo (BRASIL, 2000), que tem por fim ser um “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” (BRASIL, 2000, art. 2º, inciso XVII). Ou seja, o Plano de Manejo está para a Unidade de Conservação, assim como o Plano Diretor está para a cidade (LIMA, André, 2008).

O parágrafo primeiro dispõe o que o Plano de Manejo deve conter: a área da unidade, a sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos. É o plano de manejo que formaliza a área da unidade de conservação e determinará normas destinadas a concretizar os objetivos da unidade e salvaguardar a integridade dos seus recursos que a unidade se propõe a conservar.

Artigo 38, da Lei do SNUC

A ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importem inobservância aos preceitos desta Lei e a seus regulamentos ou resultem em dano à flora, à fauna e aos demais atributos naturais das unidades de conservação, bem como às suas instalações e às zonas de amortecimento e corredores ecológicos, sujeitam os infratores às sanções previstas em lei.

(BRASIL, 2000, art. 38, grifo nosso)

A Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil, penal e administrativa para infratores ambientais quando dispõe que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou

170 jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (BRASIL, 1988, artigo 225, §3º)

Em consonância com o dispositivo constitucional, a Lei do SNUC, em seu Capítulo V, trata sobre incentivos, isenções e penalidades nos artigos 38 a 40 (BRASIL, 2000). Embora possua muitos vetos e poucas aplicações específicas, o artigo 38 é claro ao sujeitar aqueles que danificarem os corredores ecológicos às sanções previstas na Lei de Crimes e Infrações Ambientais (BRASIL, 1998), mas também em outras urbanísticas ou administrativas. Além disso, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981) determina em seu artigo 14 a sujeição de outras penalidades além das definidas por legislação federal, estadual e municipal para o caso concreto (BRASIL, 1981).

5. A NECESSÁRIA CONSTRUÇÃO DE UM REGIME SUI