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Sandra Cureau 1

4. O PANTANAL MATO-GROSSENSE

4.5. Queimadas e incêndios

O Ministério do Meio Ambiente, em parceria com instituições de pesquisa e apoio à pesquisa, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pesquisadores de diversas instituições criou, no âmbito da Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO), grupos de pesquisa para levantar dados sobre as mudanças climáticas.

Tais grupos de pesquisa, desde 2003, trabalharam em três linhas básicas:

avaliação das mudanças climáticas nos biomas brasileiros, análise dos efeitos da elevação do nível do mar e identificação de bioindicadores para a avaliação da evolução dos impactos causados pelas mudanças climáticas sobre a biodiversidade.

Em 27 de fevereiro de 2007, reuniram-se a então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o então Secretário de Biodiversidade, João Paulo Capobianco, os Deputados Federais Nilson Pinto e Mendes Thame, os conselheiros da CONABIO e pesquisadores, para divulgar os resultados das pesquisas realizadas e traçar políticas para o futuro. Compareceram, ainda, a convite, os analistas periciais da 4ª CCR – Ministério Público Federal (COSTA et al, 2007).

Na ocasião, foi observado que a pirâmide populacional do Pantanal já havia sido interrompida nos 14 anos de seca, ocorridos na década de 1960, que acarretaram grande número de incêndios.

Na segunda quinzena de julho de 2005, vários focos de incêndios foram observados em diferentes áreas do Pantanal, tendo sido constatado, pela Embrapa Pantanal, através de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, que, de julho a setembro daquele ano, ocorreram 5.568 focos de queimadas, espalhados por toda a região (ECOA, 2007).

140 A causa mais comum desses incêndios tem sido a ação humana: o uso das queimadas é, para seus adeptos, a forma mais simples e barata de limpeza e renovação dos pastos. Nem sempre os incêndios são criminosos, já que existe uma cultura do uso do fogo na região.

Atualmente, o Pantanal passa pela fase mais crítica das últimas décadas. O incêndio que o consome já destruiu 20% de sua área total, conforme dados recentes.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, os sete primeiros meses deste ano foram os que registraram maior número de queimadas, em comparação com o mesmo período desde 1990. Em julho, por exemplo, foram identificados 1.684 focos de queimadas, contra 494 focos, no mesmo mês, em 2019, conforme dados colhidos pela reportagem “Por que o Pantanal vive maior tragédia ambiental em décadas”, da BBC News Brasil, de 5 de agosto de 2020.

Muitos fatores contribuíram para isso: durante os primeiros sete meses do ano de 2020, as chuvas foram escassas, tendo o rio Paraguai atingido o menor nível em quase cinco décadas. De forma atípica, não transbordou entre junho e julho.

De acordo com o INPE, até 2019 foram desmatados 24.915 km2 do Pantanal, correspondentes a 16,5% do bioma e equivalentes a pouco mais de quatro vezes a área de Brasília (BBC News, reportagem já citada).

Neste ano, o incêndio já destruiu uma área equivalente à do estado de Sergipe.

Além da estiagem, devem ser considerados dois outros fatores importantes: a expansão do desmatamento no bioma e seu entorno, decorrente da expansão do agronegócio na região, com o aumento significativo da plantação de grãos (soja) e o desmonte dos órgãos de fiscalização, realizado pelo atual Governo Federal, que prejudicou o combate às queimadas em todo o país.

Levantamento realizado pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul aponta que cerca de 40% do desmatamento no Pantanal podem ter ocorrido de forma ilegal:

“Para as áreas desmatadas e consideradas 'possivelmente ilegais', nas quais não encontramos autorização de desmate, é emitido um relatório e encaminhado para a Polícia Ambiental, para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e para o

141 Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). Conforme o caso, vão a campo (para apurar)” (LOUBET, 2020).

5. CONCLUSÃO

Como buscou-se demonstrar, o Pantanal Matogrossense vem sofrendo, há décadas, com as pressões decorrentes das atividades econômicas e antrópicas que impactam significativamente o bioma pantaneiro.

A falta de uma legislação específica, baseada em conhecimentos científicos, que regule a proteção das áreas úmidas, somada ao desmatamento, à drenagem (e formação de diques) para uso de água na agropecuária, a construção de hidroelétricas, que alteram o pulso de inundação rio abaixo, os incêndios frequentes são alguns dos motivos que vêm colocando em risco o bioma pantaneiro.

A revista Isto É, que circulou na semana de 23 de setembro de 2020, estampou como manchete de capa o colapso do Pantanal, sob o título “Tragédia Brasileira.” Na reportagem, o engenheiro florestal Vinícius Silgueiro, coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida, declarou que “não há dúvidas de que as chamas nasceram da ação humana.” Silgueiro informou que tudo começou com nove pontos de incêndio, “cinco deles na chamada área de cadastro rural (com legalidade de atuação reconhecida pelo Estado), três focos em territórios não cadastrados e um dentro de uma área indígena.” O Instituto Centro de Vida detectou que o Parque Estadual Encontro das Águas sofreu destruição de 85% pelo fogo.

Porém, é possível visualizar alternativas econômicas que tornem viável o desenvolvimento sustentável no Pantanal. Para tanto, os aspectos naturais, humanos e econômicos precisam colaborar, como dimensões interligadas entre si, e o manejo das pastagens deve observar a legislação ambiental que protege as reservas legais e as áreas de preservação permanente, situadas ao longo dos rios e de outros cursos d’água.

Por fim, é fundamental que haja reestruturação dos órgãos ambientais, que, a partir de janeiro de 2019, foram sendo sistematicamente desaparelhados e desautorizados. Ao número pequeno de servidores, tanto no Ibama como no ICMBio, somou-se o desincentivo à aplicação de multas ambientais. Como, acertadamente,

142 observa a reportagem acima citada, “o governo [federal] preserva os fazendeiros e coloca as queimadas na conta da ‘cultura do caboclo’.”

Ações educativas, de fiscalização e punição, poderão servir para romper com a situação de anonimato e impunidade que ora prevalece. Uma política de desenvolvimento sustentável, até agora inexistente, irá proporcionar a diminuição gradativa da pressão das atividades humanas sobre uma das paisagens mais exuberantes do planeta, que corre o risco de desaparecer.

REFERÊNCIAS

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SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE