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A IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS À PESCA ARTESANAL: INEFICÁCIA E

Carla Mariana Aires Oliveira 1 Tarin Cristino Frota Mont'Alverne 2

2 A IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS À PESCA ARTESANAL: INEFICÁCIA E

A AUSÊNCIA DE DADOS ESTATÍSTICOS

A coleta de dados é uma ferramenta essencial para as possíveis tomadas de decisão, avaliação do desempenho com relação aos objetivos da gestão, bem como a possibilidade de cumprimento dos requisitos regionais. Ou seja, esse instrumento é de extrema importância para a definição da melhor política pública a ser aplicada e na gestão pesqueira. De forma que os Estados, de acordo com as Diretrizes Técnicas da FAO para a Pesca Responsável, devem garantir estatísticas completas e confiáveis no que se refere à captura e à pesca. Assim, os dados precisam ser atualizados regularmente e verificado por meio de um sistema apropriado (FAO, 1999).

Contudo, no Brasil, a política do setor pesqueiro é comumente identificada por sua instabilidade, visto que os órgãos responsáveis por sua gestão são alterados ao longo do tempo, impossibilitando, desta forma, o desenvolvimento institucional cumulativo acerca da atividade4 (SILVA, Ad., 2020). Assim, a crise institucional e ambiental possibilita que os elementos essenciais para uma gestão pesqueira sustentável, tais como a produção de informações científicas confiáveis, no que diz

4 Tendo por base o ano de 2011, observa-se uma descontinuidade das ações e avanços no que se refere à gestão pesqueira. A partir desse período, tem-se a interrupção total de alguns programas, a saber: Sistema Nacional de Informações da Pesca e Aquicultura (SINPESQ); Programa Nacional de Estatística Pesqueira; Política Territorial de Aquicultura e Pesca; Pescando letras, dentre outros programas.

182 respeito à captura, pescadores, recursos e ambientes pesqueiros, passem a ser produzidos de modo fragmentado e descontínuo. Como alternativa, diversos trabalhos de cunho científico têm procurado retratar, da melhor forma possível, as características pesqueiras regionais. Além disso, há iniciativas de levantamento de dados originadas da necessidade de se obter informações pesqueiras de grupos de pescadores e extrativistas (MENDONÇA et al., 2017).

Verifica-se, assim, que, ao se analisar a base de dados da atividade pesqueira no Brasil, há uma visível fragilidade e descontinuidade, principalmente, quanto à pesca artesanal (SILVA, Ad., 2014). Diante disso, tem-se que, desde 2011, o Programa Nacional de Estatística Pesqueira foi interrompido (WWF, 2016). Por outro lado, a obtenção de dados por intermédio de monitoramentos é um instrumento essencial para se obter um conhecimento do atual estado dos estoques dos recursos pesqueiros, para o planejamento e ordenamento da atividade e fulcral para as políticas públicas efetivas direcionadas aos pescadores artesanais5 (FAO, 1999).

O ordenamento do setor pesqueiro requer a construção de uma base de dados de modo contínuo e, principalmente, unificado da pesca artesanal. Para que esse ordenamento e as estatísticas sejam efetivos, é preciso considerar a diversidade cultural e, também, os saberes tradicionais das comunidades pesqueiras (FAO, 1999).

Em outras palavras, a participação das comunidades pesqueiras no processo.

Neste ponto, as Diretrizes voluntárias para Garantir a Pesca de Pequena Escala Sustentável estabelece que os Estados-membros precisam propiciar a criação de plataformas a nível nacional, a partir da representação intersetorial e das OSC para supervisionar a implementação das Diretrizes. Além disso, os legítimos representantes das comunidades de pescadores de pequena escala e/ou artesanais precisam ser envolvidos tanto no monitoramento quanto na elaboração e aplicação das estratégias de implementação das Diretrizes. Em outro ponto, reconhece que os Estados precisam promover sistemas de gestão participativa, a saber, gestão conjunta, em conformidade com a legislação nacional.

5 Quando se analisa a página da Secretaria da Pesca e da Aquicultura, o único estoque que se encontra, atualmente, é com relação à espécie Tainha. Por sua vez, os certificados de registro e autorizações de Embarcações Pesqueiras por estado, o único estado disponível é o de Santa Catarina, datado no dia 28 fev. 2020. (BRASIL, acesso em 22 jun. 2020).

183 Nesse aspecto, um importante mecanismo institucional para a representação dos pescadores artesanais e/ou de pequena escala era fornecido pelo Conselho Nacional dos Povos Tradicionais e Comunidades, estabelecido pelo Decreto Federal nº 8750/2016 (NAKAMURA; HAZIN, 2020), e também o Sistema de Gestão compartilhada para o uso sustentável dos recursos pesqueiros, que foi implementado pela Portaria Interministerial MPA/MMA nº 05/2005. O Sistema seria composto por Comitês Permanentes de Gestão (CGP), que, por sua vez, era definida como uma instância consultiva e de assessoramento que procurava definir as normas, critérios e padrões, no que se refere ao ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros.

Infere-se que, nos últimos tempos, tendo em vista a crise em que se encontram os recursos pesqueiros, a nível global, bem como os meios de vida dos pescadores, procurou-se uma nova forma de gestão do uso dos recursos pesqueiros, ao se atestar a importância da participação dos pescadores na tomada de decisão de forma conjunta e compartilhada (THÉ; RUFFINO, 2009). Contudo, o governo brasileiro promulgou o Decreto Federal nº 9759/2019, que extinguiu colegiados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, tais como o Conselho Nacional dos Povos Tradicionais e Comunidades e o CGP6 (NAKAMURA; HAZIN, 2020). Assim, a mudança impõe um empecilho para que os pescadores da pequena escala e/ou artesanais sejam representados junto ao governo federal.

Outro gargalo diz respeito ao Registro Geral da Pesca (RGP), que é considerado o serviço mais básico, visto que é o documento essencial para o desempenho da atividade pesqueira7, em todos os seus campos, contudo, o presente trabalho se concentra na pesca artesanal.

6 Na página do Governo elenca que já foram iniciados os trâmites para a recriação dos Comitês, por intermédio de Decreto. Contudo, até a presente data, não foram recriados. Salienta-se que, pela sua natureza, os CGPs possuem um papel fundamental para uma gestão pesqueira qualificada, visto que os debates que existiam no espaço eram fundamentados pelos conhecimentos científicos, os saberes tradicionais, avaliação dos impactos ambientais, sociais e econômicos. Além disso, os comitês eram os únicos locais de espaços consultivos, onde participavam representantes do governo, da atividade pesqueira e sociedade civil.

7 De acordo com o artigo 24 da Lei nº 11.959/2009, para o exercício da atividade pesqueira, o pescador artesanal precisa ter inscrição prévia no RGP e no Cadastro Técnico Federal – CTF. Por sua vez, o referendado artigo é regulamentado pelos Decretos 8.425/2015 e 8.967/2017, que elencam e apresentam os pressupostos para a inscrição do Registro. Por sua vez, os procedimentos para a inscrição e a concessão da Licença se encontram na Instrução Normativa MPA nº 6/2012.

184 O RGP foi instituído por meio do Decreto nº 221/67 e ratificado, posteriormente, pela Lei nº 11.959/2009. Esse Registro contribui para a gestão e a compatibilização do desenvolvimento sustentável com a atividade pesqueira, assim como permite ao pescador o exercício da atividade pesqueira em toda a sua cadeia produtiva. Assim, o RGP, de uma forma geral, consiste em uma ferramenta do poder executivo que proporciona a legalização dos respectivos pescadores para o exercício da atividade pesqueira, a partir do credenciamento das pessoas físicas e/ou jurídicas e, também, das embarcações para exercerem tais atividades.

O RGP, todavia, encontra-se paralisado desde 2012. De forma que, ano após ano, diversos pescadores e pescadoras artesanais se encontram sem RGP (cerca de 600.000 trabalhadores), incluindo-se os que foram cancelados, suspensos e/ou não entregues. (CPP, acesso em 22 jun. 2020). Por conseguinte, a não entrega do Registro causa diversos problemas para o exercício da atividade pesqueira, em suas diversas faces, tais como o acesso aos direitos básicos -trabalhistas previdenciários e sociais- (CPP, acesso em 22 jun. 2020), assim como na busca de direitos durante as tragédias socioambientais.

Observa-se, assim, que as comunidades pesqueiras vêm sendo frequentemente negligenciadas, assim como os próprios pescadores sendo afastados do processo de tomada de decisão, que interfere na plena extensão de seus direitos humanos.

Neste sentido, é preciso haver um aprimoramento da cadeia de valor, operações pós-colheita e comércio para facilitar o acesso ao mercado para os pescadores, assim como o acesso aos recursos pesqueiros, de modo que não haja concorrência desleal com outros setores, tais como o turismo, indústria pesqueira, aquicultura, desenvolvimento de infraestrutura (FAO, 2017). Por conseguinte, o fortalecimento da pesca artesanal se configura como um elemento importante para a conservação dos ecossistemas marinhos.

Por fim, tais esforços contribuem para melhorar a segurança alimentar, a redução da pobreza nas comunidades pesqueiras e, de maneira geral, alcançar a implementação da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, no que diz respeito ao ODS 14 e a Década dos Oceanos.

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3. FORTALECIMENTO DA PESCA ARTESANAL PARA A