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A GOVERNANÇA AMBIENTAL COMO SOLUÇÃO

Régia Brasil Marques da Costa 1

4. A GOVERNANÇA AMBIENTAL COMO SOLUÇÃO

De imediato, antes de apresentar um conceito para governança ambiental, cumpre ressalvar que o termo governança possui muitas definições, de genéricas a específicas (CÂMARA, 2011).

Segundo a Comissão sobre Governança Global (1996), pode-se definir governança como "a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns. É um processo contínuo pelo qual é possível acomodar interesses conflitantes ou diferentes e realizar ações cooperativas." Já Bursztyn e Fonseca (2009) elucidam governança como um processo a englobar múltiplas categorias de atores, instituições, inter-relações e temas, cada um dos quais a expressar arranjos específicos entre interesses em jogo e possibilidades de negociação.

Mas o que é governança ambiental? Ainda de acordo com Bursztyn (2009), governança ambiental é uma delimitação temática do conceito governança, é a aplicação deste à esfera do desenvolvimento sustentável e das políticas ambientais.

O tema governança ambiental logrou importância, consoante Soares (2015), à proporção que responsabilidades políticas foram agregadas ao desenvolvimento sustentável, com o fim de solucionar problemas a partir de parcerias entre atores públicos e privados. Esse esclarecimento se coaduna com a concepção existente de que: “governança ambiental diz respeito à participação de todos e de cada um nas decisões que envolvem o meio ambiente, por intermédio de organizações civis e governamentais, a fim de obter ampla e irrestrita adesão ao projeto de manter a integridade do planeta” (ESTY, 2005).

A governança ambiental está presente no parque nacional, assim se assevera, em virtude de o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000) ter estabelecido uma gestão participativa visualizada na determinação de que cada

153 unidade de conservação (situação do parque nacional) tenha conselho consultivo7, além de plano de manejo8.

Os conselhos gestores são regulamentados pelo Decreto 4.340, de 2002 (BRASIL, 2002), constituem mecanismos de participação popular (PALMIERI, R.;

VERÍSSIMO, 2009) e visam estimular uma gestão compartilhada da unidade de conservação, com ampla participação da sociedade (ICMBIO, 2020). Sinalizam governança ambiental, porque tanto funcionam como espaço no qual os conflitos e as divergências de uma unidade de conservação podem ser expostos quanto engendram diálogo e cooperação entre órgãos gestores, comunidades, órgãos não governamentais, proprietários rurais, entre outros. DRUMMOND et al. (2006) classificam-nos como um: um “espaço de construção de governança por excelência”.

Há mais um detalhe digno de nota, qual seja, a exigência legal, via Decreto 4.340/02 (BRASIL, 2002), de que as condições de permanência das populações tradicionais sejam reguladas por termo de compromisso negociado entre o órgão executor e essas, ouvido o conselho da unidade de conservação.

Quanto ao plano de manejo, este é um: “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” (BRASIL, 2000). É documento crucial para a legitimação do espaço de domínio público, assim como para a implantação e gestão de unidades de conservação (INEA, 2010), e que se relaciona com a governança ambiental porque, a partir das

7 A Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei 9.985, de 18 de julho de 2000) estabelece que todas as UCs devem dispor de um conselho gestor, com caráter consultivo ou deliberativo, dependendo da categoria da UC. No caso do Parque Nacional, o conselho será consultivo, consoante art.

29, que assim dispõe: “Cada unidade de conservação do grupo de Proteção Integral disporá de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil, por proprietários de terras localizadas em Refúgio de Vida Silvestre ou Monumento Natural, quando for o caso, e, na hipótese prevista no § 2º do art. 42, das populações tradicionais residentes, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade.”

8 Lei 9.985/2000 - Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo.

154 diretrizes contidas nos incisos III e V do artigo 5º9, da Lei nº. 9.985/00 ((BRASIL, 2000), deve incluir a participação de atores sociais, no caso, as populações locais.

Ainda quanto ao plano de manejo, frisa-se a seguinte finalidade: estabelecer, quando couber, normas e ações específicas visando compatibilizar a presença das populações residentes com os objetivos da unidade, até que seja possível sua indenização ou compensação e sua realocação (BENSUSAN, 2015).

Leuzinger e Silva (2017) afirmam que a efetividade de uma área protegida (situação do parque nacional) depende da participação dos grupos afetados, em particular de populações tradicionais. A governança ambiental é, pois, solução para os conflitos que envolvem a relação parque nacional e populações residentes, justamente porque recepciona essas populações como sujeitos ativos que podem influenciar nas tomadas de decisões e não apenas sofrerem as consequências destas.

Essa recepção faz-se, como exposto acima, mediante conselho gestor e plano de manejo e tem tudo para se efetivar, tendo em conta que 21 dos parques nacionais existentes não possuem conselho e 41% não possuem plano de manejo (BABY, 2020).

5. CONCLUSÃO

O SNUC ainda se mantém atrelado ao juízo conservacionista de que a estadia humana em área de parque nacional é um percalço à proteção ambiental, o que acarreta um posicionamento excludente quanto às populações residentes, sobretudo as classificadas como tradicionais. Nesse cenário, o histórico das populações residentes quanto ao espaço que ocupam, bem como seus direitos, são ignorados. A consequência, como arrazoado no texto, são conflitos, os quais comprometem a própria proteção e manutenção da biodiversidade, finalidades precípuas de um Parque Nacional.

Constata-se, pois, a necessidade de mudança de visão acerca das populações residentes, de conciliação de interesses, da busca por soluções consensuais e a

9 Lei 9.985/2000 - Art. 5.” O SNUC será regido por diretrizes que: III - assegurem a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação; V - incentivem as populações locais e as organizações privadas a estabelecerem e administrarem unidades de conservação dentro do sistema nacional.”

155 governança ambiental é o mecanismo para tanto, afinal, parte da premissa de uma atuação conjunta e integrada de todos.

A governança ambiental é meio para que as populações residentes no interior de parques nacionais não se sintam excluídas, prejudicadas, em virtude da implementação da área ambiental protetiva. Obter a partição dessas populações, via conselho gestor e plano de manejo, é torná-las aliadas e comprometidas com a preservação e proteção ambiental, além de reconhecer que elas não estão dissociadas da biodiversidade, mas a integram tanto quanto os demais seres vivos.

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