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FORTALECIMENTO DA PESCA ARTESANAL PARA A SUSTENTABILIDADE DO SETOR PESQUEIRO E A

Carla Mariana Aires Oliveira 1 Tarin Cristino Frota Mont'Alverne 2

3. FORTALECIMENTO DA PESCA ARTESANAL PARA A SUSTENTABILIDADE DO SETOR PESQUEIRO E A

DÉCADA DOS OCEANOS

Concebe-se que garantir a sustentabilidade da pesca artesanal faz parte da agenda do desenvolvimento sustentável global emergente. A partir do crescente reconhecimento da importância da pesca artesanal para segurança alimentar, o crescimento econômico local e global, a conservação da biodiversidade, além de outros objetivos do desenvolvimento em todo o mundo, os Estados membros da FAO desenvolveram as Diretrizes voluntárias para a Segurança da Pesca em Pequena Escala Sustentável, levando-se em conta a segurança alimentar e a erradicação da pobreza (COURTNEY; POMEROY; BROOKS, 2019).

Algumas diretrizes foram destacadas como ferramentas essenciais para que as metas do ODS 14 sejam alcançadas, visto que há uma ligação estreita entre as Diretrizes Voluntárias para a Segurança da Pesca em Pequena Escala Sustentável (SSF) e os ODS. Assim, se por um lado, os ODS são amplos, visto que servem para abordar os principais temas e, portanto, deixam um amplo espaço de flexibilidade e possibilidade de interpretação. Por outro lado, as diretrizes da SSF são explícitas no que tange às melhorias com relação aos mecanismos de governança existentes e, também, indicativos de como os ODS podem ser alcançados e como eles podem contribuir para a promoção de uma reforma e transformação da governança da gestão pesqueira (SAID; CHUENPAGDEE, 2019).

As Diretrizes da SSF oferecem algumas orientações no sentido de reduzir a vulnerabilidade e a insegurança dos pescadores, ao reconhecer os seus direitos humanos básicos, de modo a incluir os direitos à alimentação, ambiente saudável, recursos pesqueiros, capacitação e educação, assim como os meios de subsistência e trabalho.

De uma forma geral, as Diretrizes apoiam a pesca responsável, o desenvolvimento econômico e social sustentável em prol das gerações presentes e futuras, com ênfase nos pescadores artesanais e nos trabalhadores da pesca e de atividades conexas, em especial as pessoas vulneráveis e marginalizadas. Promove-se assim uma abordagem baseada nos direitos humanos (FAO, 2017).

186 Nesse viés, são cerca de 90 diretrizes, que são organizadas sob 10 temas (Governança responsável da posse e gestão sustentável dos recursos; desenvolvimento social, emprego e trabalho digno; cadeia de valor, atividades posteriores à captura e comércio; igualdade de gênero; riscos de desastre e alterações climáticas; garantir um ambiente propício e apoiar a implementação; coerência das políticas, coordenação institucional e colaboração; informação, pesquisa e comunicação; desenvolvimento de capacidades e, por fim, apoio à implementação e monitoramento).

Um princípio orientador importante das Diretrizes da SSF é a referência à abordagem ecossistêmica à pesca (EAF). O EAF, nesse contexto, procura promover de maneira participativa e integrada o uso sustentável dos ecossistemas, a partir dos esforços entre o setor da SSF e outras partes interessadas. Nessa perspectiva, tal abordagem é uma estratégia holística e inclusiva, visto que tem o intuito de gerenciar de maneira sustentável a pesca.

Para isso, a abordagem baseada nos direitos humanos juntamente com a EAF é fundamental para a pesca artesanal, na medida em que orienta a transparência nos processos de gestão e participação de todas as partes interessadas, inclusive as autoridades a nível nacional, estadual e municipal, além das próprias comunidades pesqueiras para a tomada de decisão relacionada à pesca. Ou seja, o elemento da EAF orienta a mudança da rígida administração centralizada, visto que dá guarida a integração de forma adequada dos pescadores e de todas as partes interessadas, ao permitir que eles sejam informados e incluídos nas discussões (NAKAMURA;

HAZIN, 2020). Além disso, as comunidades pesqueiras podem contribuir por meio de seus conhecimentos, opiniões e experiência prática.

Nota-se que a vinculação entre o Objetivo 14 e os outros ODS é categórica e imperativa, pois o que importa à pesca artesanal vai além das questões do acesso aos recursos pesqueiros, em que pese ser algo essencial. Nesse âmbito, por ser um setor que retira o seu sustento do ecossistema marinho, possui uma profunda conexão com a terra e o mar, assim como se encontra social e culturalmente incorporado junto às comunidades.

A partir disso, a gestão pesqueira, por meio do modelo tradicional, vem, de forma contínua, sendo reavaliada e repensada. Neste sentido, tem-se procurado a

187 inclusão de novos conceitos de sustentabilidade, tanto ecológica quanto social da atividade pesqueira, já vislumbrados no Código da Pesca Responsável, proposto pela FAO em meados de 1995. Diante disso, há uma tendência mundial na gestão dos recursos pesqueiros para que se analise a pesca artesanal sob um enfoque mais integrado e amplo, no sentido de incluir os aspectos ecológicos, sociais, econômicos e, também, políticos. Isto é, esta perspectiva engloba um enfoque ecossistêmico, pois não considera apenas os recursos pesqueiros, mas também o ecossistema que os cerca e o próprio ser humano (COSTA; ASMUS, 2018).

Depreende-se que a sustentabilidade não é uma solução rápida, visto que requer longos caminhos, que envolvem a descompactação de toda a complexidade que cerca a pesca artesanal. Porém, para que seja alcançada, é preciso reconhecer as ligações entre a pesca – no caso, artesanal -, e os outros ODS, além de adotar uma abordagem holística e ecossistêmica que seja interativa e pragmática para solucionar os problemas inerentes à pesca artesanal - sistema social, econômica, ambiental, político, dentre outros fatores - (SAID; CHUENPAGDEE, 2019). .

Nesse prisma, no intuito de contribuir para a consecução do ODS 14, a ONU aprovou, durante a 72ª sessão da Assembleia Geral, a “Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável” - 2021-2030 – (BARBOSA, 2020). E nessa perspectiva, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2022 como o Ano Internacional da Pesca e Aquicultura Artesanal (IYAFA, 2022). Por sua vez, a IYAFA 2022 possui dois objetivos: visa focar a atenção mundial no papel que os pescadores artesanais têm na segurança e alimentação alimentar, erradicação da pobreza, assim como no uso sustentável dos recursos naturais (FAO, acesso em 27 mai. 2020).

A IYAFA 2022 também é fundamental para o aprimoramento do diálogo entre os diversos autores e, acima de tudo, o fortalecimento para que os trabalhadores que atuam na pesca artesanal se tornem vistos, ouvidos e incluídos na tomada de decisões e nas políticas que moldam a sua vida cotidiana e sua comunidade. Da mesma forma, a IYAFA 2022 pode atuar como uma das ferramentas para a consecução dos ODS até 2030, em particular o ODS 14 (FAO, acesso em 27 mai. 2020).

188 Por fim, cabe salientar que a integração e a coordenação dos dois instrumentos (SSF e ODS) em qualquer cenário depende de diversos mecanismos, que inclui as regras e os regulamentos vigentes, a capacidade do governo e das comunidades locais de mobilizarem esforços conjuntos em torno da implementação efetiva desses instrumentos.

É imperioso destacar que a Política Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, apesar de já ser considerada um avanço em comparação a lei anterior, contém lacunas e, portanto, não atende de forma efetiva a vários requisitos das Diretrizes que são fundamentais para a SSF. Apesar de no âmbito dessa lei e os outros dispositivos reconhecerem a pesca artesanal, há diversos assuntos que não possuem tratamento na Política Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, particularmente quanto à participação, igualdade e mudanças climáticas (NAKAMURA; HAZIN, 2020)

As lacunas presentes na Lei nº 11.959/2009 demonstram que não é possível se apoiar unicamente nesta lei no que tange a implementação das diretrizes no Estado brasileiro. Tais lacunas precisam de mais atenção e, portanto, podem ser melhor abordadas e contempladas a partir da interpretação e aplicação da Lei 11.959/2009 em combinação com outras leis e políticas públicas, principalmente na área ambiental e de direitos humanos (NAKAMURA; HAZIN, 2020).

Por fim, há uma ação por parte do Governo Federal no sentido de atualizar a Lei de nº 11.959/2009, contudo esta atividade ainda não foi iniciada até o presente momento (SAP/MAPA, 2019). Além disso, desenvolver uma nova lei para substituir e/ou alterar a Política Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca não parece ser realista, tendo em vista a instabilidade das estruturas públicas que regem a pesca, notadamente, a artesanal.

Assim, as questões que não são abordadas apropriadamente pela Lei de nº 11.959/2009, podem ser apoiadas por outras leis e/ou políticas públicas. Nessa perspectiva, há outros instrumentos legais que podem contribuir e apoiar a implementação, de forma integrada, das diretrizes da SSF e das metas do ODS 14 no Estado brasileiro, conforme será visto a seguir.

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4. O PAPEL DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO MARINHA