• Nenhum resultado encontrado

4. Método do estudo

4.3 Análise do material

Com documentos institucionais selecionados e com as entrevistas realizadas, foi feita a análise do material. Para Minayo (2007, p. 300), a análise do material recolhido no campo tem como intenção atingir três objetivos principais, a saber: a “ultrapassagem da incerteza”, o “enriquecimento da leitura”, e a “integração das descobertas”, devendo-se assinalar que, no processo de interação, o pesquisador deve ter clareza que o conhecimento obtido é um conhecimento aproximado e situado em um contexto histórico-social.

Para a realização das análises das entrevistas, dos documentos institucionais e dos registros em Diário de Campo, foi utilizada a modalidade de Análise Hermenêutica Dialética, na mesma linha do norteador metodológico do estudo (MINAYO, 2007). A escolha por esse modelo de análise justifica-se pela possibilidade de essa via abordar o objeto em suas mais variadas dinâmicas e dimensões.

A Hermenêutica implicou na compreensão dos textos (entrevistas transcritas, documentos institucionais e registros em diário de campo), sendo que compreender “significa entender-se uns com os outros” (MINAYO, 2007, p. 329). Uma das ideias centrais da Hermenêutica é a de que os seres humanos fundamentalmente se entendem, e a compreensão se faz necessária quando há algum estranhamento no entendimento, não sendo possível compreender uma questão – como os motivos de internação de crianças e adolescentes em instituições psiquiátricas de caráter asilar – por si mesmo. Nesse percurso, foi preciso buscar o que havia de comum entre os textos, por meio de comparação, e, também, qual era “a contribuição peculiar de cada autor” (MINAYO, 2007, p. 330), sendo essencial perceber o sentido do que era peculiar em um contexto geral. Conforme Minayo (2007, p. 337) conclui, “em síntese, compreender implica a possibilidade de interpretar, de estabelecer relações e extrair conclusões de todas as direções”.

Já a Dialética, enquanto análise, garantiu o estranhamento e a crítica às questões colocadas pela Hermenêutica, constituindo-se em uma maneira dinâmica de interpretar os dados enquanto “estudo da oposição das coisas entre si” (MINAYO, 2007, p. 340). Pela Dialética estabeleceu-se uma atitude de crítica, considerando como “fundamento da comunicação, as relações sociais historicamente dinâmicas, antagônicas e contraditórias entre classes, grupos e culturas” (MINAYO, 2007, p. 347). Ao articular-se com a Hermenêutica, possibilitou a reflexão compreensiva e crítica de uma realidade social.

Assim, pela Hermenêutica foi possível compreender o sentido da comunicação, na qual a linguagem é o plano da realização da intersubjetividade. Nessa ótica, entender o que estava expresso em um texto significou, também, entender o outro. Não obstante, essa compreensão só foi possível pelo estranhamento, pela Dialética, pois a necessidade de entendimento surge de uma impossibilidade de decifrar certa questão. Em suma, pela Hermenêutica se realizou o entendimento dos textos e da cotidianidade experimentada no local de estudo, e pela Dialética se evidenciou o dissenso e as mudanças.

Ora, uma análise compreensiva com base na Hermenêutica Dialética busca “apreender a prática social empírica dos indivíduos em sociedade em seu movimento contraditório”, pois, pertencendo a realidades diferentes, pode haver interesses coletivos que os unem e interesses

particulares que os contrapõem (MINAYO, 2007, p. 347). Em uma compreensão mais ampla, Stein (1983, p. 42) assinala que:

Dialética e hermenêutica são a afirmação extrema do significado prático da razão humana, no seu sentido mais forte. Não simplesmente porque esses dois métodos têm a práxis como objeto, mas porque não há práxis no seu sentido pleno sem que pressuponha os horizontes do pensamento dialético e hermenêutico. Filtra-se, portanto, na controvérsia entre dialética e hermenêutica, a afirmação do sentido ético-político do pensamento.

Nesse horizonte de análise, foi preciso adotar uma postura de apreender “as diferenças e semelhanças entre o contexto do autor do texto e o contexto do investigador”, de explorar o texto no contexto da cotidianidade que se produziu, de entender “as coisas e os textos neles mesmo”, e de apoiar a reflexão sobre os textos em um contexto histórico (MINAYO, 2007, p. 344). Assim, foi necessário compreender os sentidos do texto (o que o entrevistado quis expressar, o que os documentos institucionais indicavam) e foi preciso atinar-se “às razões do autor” daquele texto sem buscar uma verdade (MINAYO, 2007, p. 344).

Nesse processo de análise, em um primeiro momento deve ser feito um mapeamento das determinações fundamentais para compreensão do problema em questão, entendendo o contexto sociohistórico da produção dos textos. Em um segundo momento, denominado de “interpretativo”, é preciso buscar nos textos “o sentido, a lógica interna, as projeções e as interpretações”, captando nos escritos as significações culturais próprias e as comunicáveis com o contexto sociohistórico (MINAYO, 2007, p. 355). Para tanto, devem ser criadas “Categorias Analíticas” que tratam de “desvendar as relações mais abstratas e mediadoras para a parte contextual” e “Categorias Empíricas e Operacionais”, que são formuladas a partir do material de campo (MINAYO, 2007, p. 355).

Tendo em vista o objeto de estudo desse projeto de pesquisa, as Categorias Analíticas definidas a priori referiram-se ao conjunto de conceitos e práticas da perspectiva da desinstitucionalização. Em relação às Categorias Empíricas e Operacionais do estudo, foram estabelecidas categorias distintas para a análise dos documentos institucionais, e para o conjunto das entrevistas realizadas e do Diário de Campo. Essas categorias foram definidas em duas fases distintas e consecutivas: na primeira, referente à operacionalização do material de campo, realizou-se a organização dos dados e dos textos em uma determinada ordem, em um início de classificação; na segunda, concernente à classificação dos dados, após a leitura horizontal e exaustiva dos textos, buscou-se a coerência interna entre as informações obtidas para a constituição de subconjuntos de temas aproximados (MINAYO, 2007).

Assim, em relação aos documentos institucionais, como parte dos documentos é padronizada, todos os prontuários continham: Folha de Rosto do Prontuário, Ficha de Admissão/Anamnese e Laudo para Autorização de Internação Hospitalar emitido pela própria instituição. Na construção das categorias a partir do material de campo, primeiramente, optou- se por selecionar apenas os dados gerais que constavam em todos os prontuários. A seguir, após a ordenação dos dados e da leitura horizontal, foram determinadas como Categorias Empíricas e Operacionais: caracterização dos sujeitos internados (idade, local de moradia e escolaridade); caracterização das internações (tempo de internação, tipo de internação, documentos jurídicos que fundamentavam as internações compulsórias, relação entre o tipo de internação e o tempo de internação, número de internações anteriores, quem foram os acompanhantes no ato de internação e instituição de procedência). Ainda, para a investigação dos motivos para a internação definidos pela instituição, tendo em vista o conjunto das informações nos prontuários, foram selecionadas aquelas que diziam respeito às premissas e justificativas para a internação. Ademais, considerando que primeiramente é feita a anamnese para, apenas depois, ser solicitada a internação, optou-se por acompanhar o trajeto do raciocínio médico feito para efetivar a internação. Dessa forma, foi, também, construída como Categoria Empírica e Operacional dos documentos institucionais a categoria: os motivos alegados pela instituição psiquiátrica para a internação de crianças e adolescentes (composta pelos registros referentes aos seguintes itens dos prontuários: “queixa principal e duração”, “história atual da doença”, “principais sinais e sintomas clínicos”, “diagnóstico médico”, e “condições que justificam a internação”, transcritos na íntegra). Destaca-se que o item denominado de “principais sinais e sintomas clínicos” é registrado nos documentos institucionais a partir dos exames físico e psíquico realizados, sendo essa a razão da escolha desse item, e não apenas do item “exame psíquico”. Ainda, é relevante assinalar que o item referente aos “antecedentes patológicos familiares”, apesar de, a princípio, conter informações importantes para a elaboração de um raciocínio médico, foi desconsiderado como Categoria Empírica e Operacional porque, no exame desses dados, foi identificada uma pobreza na qualidade desses registro.

Já em relação ao conjunto das oito entrevistas realizadas e do Diário de Campo, buscou-se compreender as circunstâncias da situação de internação a partir da perspectiva das crianças e dos adolescentes, sob um duplo aspecto: pelas dinâmicas que produziram as internações, e pelas configurações das situações de internação em curso. Assim, por um lado, buscou-se abordar nas entrevistas quais foram as dinâmicas, os acontecimentos e os conflitos, de diversas ordens, que implicaram nas internações; e, por outro, considerando que no

momento das entrevistas e do trabalho de campo as crianças e os adolescentes ainda estavam internados, tratou-se da própria situação de internação. Considerando isso, a partir de uma predisposição para a ordenação das informações, em decorrência do roteiro geral para a entrevista aberta, e após a leitura horizontal das narrativas das crianças e dos adolescentes e dos registros em Diário de Campo, foram constituídas as unidades de sentido, aproximando temas relevantes para o estudo. Assim, foram construídas como Categorias Empíricas e Operacionais: as redes sociais; a multiplicidade de suspeitas dos motivos de internação; as rememorações do cotidiano e da vida; as narrativas e afetos na experiência de ser internado; a vivência das regras de uma instituição; e os sonhos e a projetualidade.

Após a construção dessas Categorias Empíricas e Operacionais, esses elementos foram confrontados com as Categorias Analíticas definidas a priori. Assim, depois da leitura transversal de cada subconjunto e da totalidade dos conjuntos, concatenando lógicas unificadoras, foram criados os temas de discussão, a saber: o velho-novo personagem da internação em instituição psiquiátrica de caráter asilar: insocio-latas; o problema das determinações e das justificativas inventadas para a internação de crianças e adolescentes em instituições psiquiátricas de caráter asilar: uma prática ideológica; a continuidade de práticas institucionalizantes: a produção de relações de invalidação e objetificação do outro; e o circuito do controle: uma lógica vigente.