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Quem são os entrevistados no contexto de uma internação em uma instituição psiquiátrica de caráter asilar

2 F.31.2 Transtorno afetivo bipolar, episódio

6.2 As entrevistas com as crianças e os adolescentes e a vivência no campo: refratar, refletir e expressar a lógica asilar

6.2.1 Quem são os entrevistados no contexto de uma internação em uma instituição psiquiátrica de caráter asilar

6.2.1.1 Leandro

Leandro, 15 anos, à época da pesquisa, era um garoto bastante magro, de altura média e com um sotaque forte, sendo habitante de uma pequena cidade do interior de São Paulo. Ainda, contava com Ensino Fundamental completo, mas já havia abandonado a escolarização.

A sua internação era do tipo compulsória, tendo sido encaminhado pela Prefeitura de sua cidade para a instituição psiquiátrica na qual se encontrava, perfazendo até o final do estudo 161 dias de internação. Ele já havia sido internado nessa mesma instituição em outras três ocasiões. Em seu prontuário, estava registrado o diagnóstico psiquiátrico de F.92 (transtornos mistos de conduta e das emoções). Antes de sua internação, morava com a sua avó e com o companheiro dela.

Durante o período do estudo, Leandro sempre se mostrou disponível para conversar. O seu quarto era o seu território: lá, gostava de ficar só, de arrumar a sua cama, e de organizar os seus poucos pertences em uma pasta que guardava embaixo da cama. Deixava uma toalha pendurada na porta do quarto, como um aviso para ninguém entrar. Nas frestas da janela do quarto, deixava escondido alguns cigarros, que conseguia com os moradores da instituição psiquiátrica. Nas ocasiões em que precisava dividir o quarto, dado o aumento do número de sujeitos internados, ficava mais irritado.

Na sala comum, escolhia qual programa da televisão todos iriam assistir e, vez ou outra, mudava os poucos móveis de disposição. Leandro tinha interesse em ir ao NOTP e à cantina. No NOTP, ganhava algum dinheiro fazendo cachecóis e cabeças de Papai Noel, que depois seriam vendidos em um bazar. E, quando algum profissional dispunha-se a acompanhá-lo, ia à cantina e lá comprava um café, uma Coca-Cola e um misto quente; às vezes, dois de cada, em uma só ida. Durante todo o período do estudo, apenas uma vez a sua avó foi visitá-lo. Leandro parecia ter dificuldade em fazer amizade com as demais crianças e adolescentes, preferindo a companhia dos profissionais.

Nas reuniões de equipe, a sua situação de internação era usualmente discutida em meio a tensões: um conjunto de profissionais afirmava que sua situação era diferente da dos demais sujeitos e, por isso, poderia ser concedida a ele a possibilidade de ir à cantina; a outra parte da equipe dizia que “o que é para um, é para todos” (Diário de Campo), e buscava maneiras de

enquadrá-lo às regras da instituição.

Durante o período de estudo, um adolescente, da mesma cidade do Leandro, foi internado na instituição psiquiátrica. Esse adolescente estava acompanhado de um profissional, porque morava em uma Casa Abrigo. Nessa ocasião, referindo-se ao Leandro, esse profissional relatou para o serviço que “a cidade reza todo dia para ele não voltar”

(Diário de Campo).

Cléber, que tinha 15 anos durante o período do estudo, era um adolescente alto e largo, com um rosto arredondado. Parecia ser bastante forte. Quando caminhava pela instituição, seus passos eram pesados e, quando ele ia se sentar no sofá, a sensação, para quem observava a cena, era a de que ele estava despencando. Cléber era habitante de uma cidade do interior de São Paulo, onde morava com a mãe e com a avó. Cléber contava com Ensino Fundamental incompleto e tinha muita dificuldade para escrever o próprio nome. Ele foi internado na instituição cenário de estudo a partir de uma decisão judicial; porém, para a instituição psiquiátrica, a internação era do tipo involuntária. Cléber ficou internado por 48 dias, tendo sido a ele atribuídos, no momento da internação, dois diagnósticos: F.71 (retardo mental moderado) e F.68 (outros transtornos da personalidade e do comportamento adulto).

Na instituição, ora gostava de ficar na janela, esperando o trem metropolitano passar para poder escutar o barulho que fazia, ora ficava no sofá da sala comum, com a sua cabeça recostada no colo de algum dos técnicos. A mãe de Cléber, que também apresenta um diagnóstico de deficiência mental, visitava-o semanalmente, trazendo para ele os lanches feitos por ela. Mas, apesar de a mãe de Cléber, nessas ocasiões, permanecer o dia inteiro na sala de visitas, Cléber, por vezes, retornava aos aposentos da instituição, para lá ficar. Quem solicitou a realização da entrevista foi o próprio Cléber, dizendo que queria conversar.

6.2.1.3 Juliano

Juliano, que contava à época com 17 anos, era magro e tinha os cabelos bem pretos e um tanto bagunçados. Ainda, era habitante de uma cidade do litoral de São Paulo, onde morava com a sua mãe, com o seu pai e com a sua irmã. De todas as crianças internadas no período do estudo, Juliano era o único adolescente que já havia concluído o Ensino Médio. Ele foi encaminhado à instituição psiquiátrica cenário do estudo por uma UPA de sua cidade e ficou internado por 35 dias, na modalidade de internação do tipo involuntária, sob os diagnósticos F.29 (psicose não-orgânica não especificada) e F.12.1 (transtornos mentais ou comportamentais devido ao uso de canabinóides/síndrome de dependência).

Juliano tinha grande interesse por música, por tecnologia e pelo mundo digital. Em sua casa, gostava de compor músicas e, depois, publicá-las em mídias sociais. Na instituição, conversava com qualquer pessoa que demonstrasse interesse em sua história, narrando aspectos de sua vida cotidiana, seus gostos e os dias que antecederam a sua internação; contudo, poucos eram os profissionais que demonstravam tal interesse. Assim, preferia ficar no quarto e, deitado em sua cama, por vezes fingia dormir para não precisar responder a

algum chamado do âmbito normativo de um profissional. Juliano apenas se animava para sair do quarto quando era o momento da atividade AcessaSP. Certa vez, um profissional levou um violão para a instituição, porém, este estava sem as cordas. Juliano ficou por alguns dias com o violão, sempre comentando como seria bom se o violão tivesse cordas. Dizia constantemente que queria voltar para a sua casa junto à sua família. A família de Juliano visitava-o sempre que permitido pela instituição, ou seja, uma vez por semana; no período de sua internação, foram visitá-lo o seu pai, a sua mãe, alguns tios, além de amigos dos seus pais.

6.2.1.4 Antônio

Antônio, de 16 anos, durante a internação, tinha o cabelo raspado. Os seus lábios deixavam usualmente a boca entreaberta. Ainda, tinha um olhar assustado e seus ombros estavam sempre caídos, em uma postura curvada. Ele morava em um bairro do Munícipio de São Paulo com o seu pai e com a sua mãe, sendo filho único. Até aquele momento, não havia completado o Ensino Médio. Estava na instituição cenário de estudo pela primeira vez, já tendo passado, antes, por UPAs e por um outro serviço psiquiátrico fora da RAPS. Nessa internação, esteve na instituição por 21 dias na modalidade de internação involuntária, tendo recebido o diagnóstico de F.29 (psicose não-orgânica não especificada).

O seu pai e a sua mãe sempre iam à instituição às quartas-feiras para visitá-lo e participar do grupo de família. A sua mãe trabalhava e precisava faltar em seu trabalho nesses dias, e o seu pai estava, à época, desempregado e enfrentando alguns problemas de saúde decorrentes de obesidade. Durante o período de internação, Antônio aguardava ansiosamente pelas quartas-feiras, e permanecia com seus pais pelo maior tempo possível. Quando não estava com eles, Antônio ficava bastante só.

Na instituição, preferia permanecer em seu quarto e, quando lhe diziam para ir à sala comum, assim o fazia, apenas para ficar sentado no sofá. Nesse período de tempo, passou a folhear uma Bíblia, que lhe era emprestada por um outro adolescente que estava internado. Quando havia oportunidade, Antônio fazia questão de afirmar para qualquer profissional da equipe que estava se “comportando bem” (Diário de Campo), o que, para ele, era um indicativo de que poderia sair da internação.

Danilo, de 14 anos à época da pesquisa, era um garoto franzino: bem magro, bem baixo, e um tanto desengonçado. Era um menino claro, com cabelos loiros. Ele morava com a sua mãe e uma de suas irmãs em uma cidade no interior de São Paulo; nessa cidade, estava cursando o Ensino Médio. Ele foi encaminhado à instituição por meio de uma determinação judicial para a internação e, ao chegar à instituição, recebeu o diagnóstico de F.23 (transtornos psicóticos agudos e polimorfos), ficando internado por 56 dias.

A sua mãe frequentava o grupo de família toda quarta-feira, ocasião em que solicitava à equipe a manutenção da internação de Danilo. Danilo encontrava-a após esse grupo, e ficava com ela por cerca de uma ou duas horas. Danilo era um garoto bastante falador e interessado por temas diversos. Ao mesmo tempo em que afirmava que era mais maduro que os seus colegas de escola, que ele tinha como foco passar em um vestibular e que adorava estudar, escondido, ele gostava de brincar. Nas ocasiões em que a instituição estava mais vazia e, por isso, ele não precisava dividir um quarto com outras crianças e adolescentes, Danilo guardava debaixo da cama em que dormia as dobraduras que fazia, além de recortes de brinquedos de papel, como foguetes e barcos. Nessas oportunidades, fechava a porta e montava o cenário para que a brincadeira pudesse ocorrer: colocava os foguetes em um canto e, em outro, alguns barcos em outro, formando um porto com barquinhos enfileirados para sair em direção ao mar.

Durante o período de internação, brigou diversas vezes com outras crianças e adolescentes internados. A relação com estes era muito difícil para Danilo, que parecia ter dificuldade de entender certo jogo que os outros adolescentes propunham: na frente da equipe, ficarem em silêncio e se comportarem, e, quando ninguém estava vigiando, brincarem de lutar e de se provocarem mutuamente.

Danilo afirmava sentir necessidade de ser escutado, e relatava que a experiência de internação na instituição era vivenciada por ele como algo terrível.

6.2.1.6 Francisco

Francisco, de 17 anos, mantinha, no período de internação, os seus cabelos cacheados. Dois de seus traços marcantes eram o maxilar definido, que criava um contorno para o seu rosto, e o sorriso largo. Ele estava prestes a concluir o Ensino Médio quando foi internado. Habitante do Munícipio de São Paulo, morava com a sua mãe e com o companheiro dela. Antes, morava também com o seu avô, já falecido, que era uma pessoa bastante presente na vida de Francisco. Após passar por uma breve experiência de internação em uma instituição

psiquiátrica para adultos, Francisco foi internado na instituição cenário de estudo com o diagnóstico de F.29 (psicose não-orgânica não especificada), permanecendo lá por 35 dias.

A sua mãe tentava comparecer a todos os grupos de família, e sempre trazia algo diferente para Francisco comer: uma Coca-Cola, um sanduíche feito em casa, uma bolacha. A mãe afirmava que o bairro em que moravam “não era bom” (Diário de Campo), e que, por

isso, estava buscando uma moradia em algum lugar mais seguro. Ainda, assinalava que as mudanças recentes de Francisco estavam relacionadas com as características de seu bairro e com o fato de que ele não gostava do companheiro dela.

Antes da internação, Francisco tinha uma vida social bastante ativa e exercia diferentes papéis em sua vida: trabalhava, estudava, saía com seus amigos e, eventualmente, namorava. Nos primeiros dias de sua internação, estava bastante assustado e, como muitos outros adolescentes, preferia ficar em seu quarto a permanecer nos espaços comuns, mesmo que seu quarto fosse compartilhado com outros garotos. Quando presenciava alguma cena de violência na instituição por parte de algum profissional, olhava para a pesquisadora, inclinando a cabeça de leve, como quem quer dizer: “é disso aí que eu estava falando”.

6.2.1.7 Rafael

Rafael tinha 16 anos, apesar de aparentar ter menos. À época do estudo, era um adolescente bem baixo, porém, de uma estrutura larga. A sua postura era, habitualmente, mais rígida, como se ele se deslocasse em blocos. Morava com sua mãe, seu pai, uma irmã e três irmãos em uma cidade de Minas Gerais. Rafael não frequentava mais a escola e, ainda que não tenha completado o processo de alfabetização, tinha como grau de escolarização o Ensino Fundamental incompleto. Rafael frequentou a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE) de sua cidade dos três aos 10 anos. Ele foi internado com o diagnóstico de F.72 (retardo mental grave), em uma internação do tipo involuntária-judicial para a instituição, permanecendo por 20 dias nesse serviço. Esta foi a sua primeira internação em uma instituição psiquiátrica.

Raras eram as ocasiões em que Rafael aproximava-se de alguém; parecia preferir esperar que as pessoas dele se aproximassem. Na instituição, costumava ficar sentado no sofá da sala comum, apenas observando atentamente o que ocorria ao redor, e respondia algo apenas quando era questionado. No entanto, ao escutar sobre a proposta da pesquisa, ele solicitou ser entrevistado.

6.2.1.8 Dênis

Dênis, de 14 anos, era alto e magro. Ficava na instituição sempre com uma postura mais curvada, como se quisesse se encolher para se tornar um menino menor, talvez, uma criança. O seu rosto, muito marcado pela acne, tinha um aspecto doce e costumava carregar um frágil sorriso de canto de boca. Ele morava com uma tia em uma cidade no interior de São Paulo e contava com Ensino Fundamental incompleto, mas relatava que tinha muita dificuldade para ler e para fazer contas. Foi internado com o diagnóstico de F.06.8 (outros transtornos mentais devidos a uma lesão e disfunção cerebral e a uma doença física), permanecendo na instituição por 21 dias.

Com uma história de vida já bastante difícil, para Dênis a instituição parecia ser um lugar seguro: podia comer em todos os horários de refeição e dormir em uma cama. Afirmava que tinha feito um amigo, um adolescente com quem dividia o quarto; ambos chegaram na instituição no mesmo dia.

Ficava a maior parte do tempo bastante calado, e só falava quando alguém o interpelava. Nessas ocasiões, na maioria das vezes respondia sustentando o seu leve sorriso, mas um sorriso que parecia que poderia desfazer-se a qualquer instante.