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A continuidade de práticas institucionalizantes: a produção de relações de invalidação e objetificação do outro

2 F.31.2 Transtorno afetivo bipolar, episódio

7. O complexo cenário dos motivos de internação de crianças e adolescentes em instituição psiquiátrica de caráter asilar: da definição

7.3 A continuidade de práticas institucionalizantes: a produção de relações de invalidação e objetificação do outro

A instituição psiquiátrica cenário de estudo pode ser considerada uma instituição de caráter asilar dado um conjunto de características que produzem situações de objetificação do outro, de violência, de institucionalização, entre outras. Primeiramente, a instituição tem um claro esquema institucionalizante, baseado em um princípio autoritário-hierárquico e determinado pelo regramento do cotidiano, com a função de manter a organização da própria instituição, a partir do qual a vida se organiza; em um esquema como esse, os sujeitos internados e institucionalizados estão “à mercê dos outros, sem a mínima iniciativa pessoal, com seus dias fracionados e organizados segundo horários ditados unicamente por exigências organizacionais”, não levando em conta as singularidades dos sujeitos (BASAGLIA, 2010, p. 24).

Os entrevistados expressaram isso com clareza, quando, por exemplo, Francisco relatou que ficou impactado ao perceber que o espaço era trancado e “que não ia poder fazer mais nada” porque na instituição “ia ter horário para fazer tudo”, ou seja, Francisco concluiu que ali perderia sua liberdade, devendo transformar-se no próprio ritmo da instituição. Juliano encontrou um bom termo para definir as regras impostas pela instituição, denominando-as de “leis”, uma vez que entendia que se a criança ou o adolescente internado não acatasse as normas institucionais – nas palavras dele, “tem que entrar nesta lei, nesta concordância deles” – poderia haver sanções, como a contenção física.

Considerando o discutido até aqui, tal constatação parece óbvia, já que o objetivo mesmo da instituição não é o de produzir cuidado. Conforme afirmam Basaglia e Ongaro Basaglia (2010, p. 49), “se o doente, antes de ser visto como tal, vem a ser considerado perigoso para si e para os outros, as regras sobre as quais o asilo se edifica só podem ser instituídas em função dessa periculosidade”. Afirmado isso, é preciso reconhecer e explicitar as formas pelas quais a instituição assegura o estabelecimento dessas regras, desenvolvendo um tipo específico de relações com os sujeitos internados de maneira que esses sujeitos objetifiquem-se nas próprias regras e modos de relação que os determinam.

Nessa linha, as crianças e os adolescentes indicaram nas entrevistas – ora refratando a lógica institucional, e ora refletindo-a – o quanto esse esquema captura o sujeito, de modo a, passado certo período de tempo, o sujeito próprio reconhecer-se nas regras e na rotina da instituição. Um exemplo refere-se à ocasião em que Leandro utilizou os mesmos termos que a equipe usa para relatar a sua chegada à instituição – em referência ao procedimento de que todos no primeiro dia ficam em observação – e para contar que foi contido com medicações porque descumpriu uma regra da instituição: “eu ficava em observação comecei a ver esta vista aqui em cima. Tomei injeção porque falei que queria fugir, não queria ficar aqui não, tomei injeção, dormi que é uma beleza”. Importante notar que Leandro não tratava disso do lugar de um questionamento, unicamente afirmando que era assim que acontecia e, com isso, Leandro parecia assumir que é justificável conter quimicamente alguém quando esse sujeito deseja sair da instituição; justamente, essa é uma forma pela qual a instituição cumpre o papel de garantir a organização da própria instituição, bem como o controle e a manutenção da segregação. Já Antônio, em sua entrevista, o tempo todo permanecia em uma posição ambivalente, já que, se de um lado, assinalava o quão era difícil estar ali, parecia, por outro, buscava afirmar para si mesmo que ele precisava passar por isso para poder sair. Incialmente assinalou: “é um sufoco ficar aqui. Estranhei, estranhei, estava assustado por isso. Eu fiquei assustado, eu achava que era para bater em nós. Eu estava meio perturbado, por isso que eu vou sair daqui calmo, fazendo tudo certo” e, em outro momento da entrevista, quando questionado especificamente acerca das regras institucionais, comentou: “demorou um pouco, mas depois eu me adaptei às regras. [...] Eu não questionei”.

Outro exemplo, advindo do trabalho de campo, que indica mais uma maneira pela qual esse esquema institucionalizante captura os sujeitos, refere-se a quando Vinícius descobriu onde o Leandro escondia os seus cigarros – nos vãos da janela do quarto em que ficava – e, em razão de ser proibido qualquer sujeito fumar na instituição, contou para um determinado profissional o que Leandro guardava. Em um processo de identificação com as regras, Vinícius acabou exercendo o papel de servente, tal como definido por Foucault (2006), reportando o ocorrido para os profissionais da instituição, que têm, por seu mandato social, o papel de vigilantes. Nessa situação, Vinícius, para além de ser objetificado nas regras da instituição, identificou-se com essas, prestando-se ao papel de garantir a manutenção da ordem da instituição psiquiátrica.

Para se ter clareza de como a objetificação do sujeito está para além da assimilação de regras, vale retomar as entrevistas de Francisco, Danilo e Leandro; o primeiro passou a se referir àquilo que lhe era parte da vida como sendo besteiras, enquanto o segundo e o terceiro

assumiram o discurso da instituição e passaram a reproduzir oralmente que certos tipos de ações e de sujeitos representam um perigo para a sociedade. Assim, Francisco, ao contar de sua vida fora da instituição, afirmou que muitas das suas ações cotidianas, que eram a sua própria vida e que faziam parte dos códigos e símbolos de seu território, eram uma bobagem: “passeava, é antigamente quando eu usava droga, fazia uns ‘rolês’ meus, aqueles famosos ‘rolês’. Coisas que não tem nada a ver”. Danilo, por sua vez, relatou que a instituição era ameaçadora, pois tinha em seu interior pessoas ditas perigosas: “porque aqui tem gente que, tipo assim, usa droga, que já roubou, usa maconha, por exemplo, o Francisco que usa”, reforçando a ideia do próprio Francisco. Leandro fez algo semelhante, ao afirmar que na instituição havia “meliantes de alta periculosidade”, referindo-se, em particular, aos adolescentes com passagem pela Fundação CASA.

Não obstante muitas situações de internação terem a dimensão da objetificação do sujeito nas próprias regras e práticas de instituição, aquela de Leandro parecia ser particularmente grave, já que muitas crianças e adolescentes ainda mantinham um grau maior de projetualidade, enquanto Leandro, mesmo que por vezes se permitia sonhar em sair da instituição, em tantos outros momentos relatou que precisava conhecer os moradores da instituição e ter com eles um bom relacionamento; nas suas palavras: “sei que vou morar aqui um dia”. Leandro, como todas as outras crianças e adolescentes internados, estava à mercê das regras e ordenamentos da instituição, estava despido de sua singularidade e em uma relação de opressão; entretanto, no caso dele, parecia ser mais forte o impacto pela possível perda de um futuro fora de um circuito institucional. Tratava-se de uma significativa situação de institucionalização em curso.

Acerca disso, vale retomar que a institucionalização do sujeito ocorre pela vivência de um esquema institucionalizante, sendo que esse esquema ocasiona o próprio aniquilamento do sujeito, de suas singularidades e de seus projetos. De acordo com Basaglia e Ongaro Basaglia (2010, p. 52), um sujeito que vivenciou um processo de institucionalização, no qual foi a tal ponto nulificado de sua singularidade e destituído de possibilidades de vida, se ocorrer de sair da instituição psiquiátrica, “deixará uma comunidade onde, em troca da tutela, teve de renunciar a si mesmo, e será lançado em um mundo onde não encontrará lugar. Habituado a não contar consigo mesmo, será imediatamente derrotado”. Esse é o risco aberto por qualquer internação em uma instituição psiquiátrica de caráter asilar. Assim, é significativa e é motivo de preocupação a presença dos sinais de institucionalização que as crianças e os adolescentes demonstravam.

Há que se afirmar, por outro lado, que as crianças e os adolescentes entrevistados também davam sinais de resistência a esse esquema institucionalizante, ou mesmo o denunciavam, refratando em suas entrevistas a lógica da instituição. Em relação a esse ponto, são importantes os gestos das crianças e dos adolescentes internados sobre de que maneira, frente a um vazio institucional e a uma instituição que não respondia às suas necessidades reais, eles criavam novos sentidos para certas atividades. Um exemplo claro disso refere-se à participação nas atividades do NOTP, por meio da qual, por exemplo, Francisco projetava ganhar dinheiro para levar sua mãe para fazer uma refeição em um restaurante quando ele saísse mesmo frente a uma clara lógica de entretenimento realizada pela instituição por meio desse serviço (SARACENO, 2001; BASAGLIA, BASAGLIA, O., 1979b). Outro exemplo é a ação de Mário, que brincava de fazer o papel dos profissionais, anotando em uma folha onde estava cada profissional, quais eram os seus movimentos, o que estavam fazendo e como havia sido o dia na instituição, em quase uma paródia daquele cotidiano institucional. Ou mesmo, vale arriscar, o gesto de Danilo, ao informar a pesquisadora que era muito importante que os seus pais soubessem o que ele contaria em entrevista, em uma possível tentativa de criar uma abertura de diálogo para se apresentar de um modo diferente, considerando o que a instituição afirmava sobre ele.

Ainda, se as crianças e os adolescentes não chegavam a resistir e a denunciar, davam indícios claros de que percebiam que algumas daquelas práticas institucionais não estavam no âmbito da produção de cuidado. Esse aspecto é notório nas situações em que as crianças e os adolescentes entrevistados falaram explicitamente sobre o cenário de contenções físicas e químicas da instituição. Havia aqueles, como Rafael, Cléber e Mário, que reconheciam que as contenções ocorriam na forma de punições por maus comportamentos, mas não as questionavam enfaticamente; Rafael, quando perguntado se havia algo de que ele não gostasse na instituição, respondeu que se incomodava em ser “amarrado”; e ao ser questionado sobre o que havia acontecido para isso ocorrer, respondeu que havia batido em um outro sujeito internado. Já Cléber, assinalou que era contido “por mau hábito” dele. Mário, amedrontado de receber uma nova sanção apenas por falar sobre o assunto, evitou a conversa, afirmando: “vai que vão ouvir...”. Contudo, havia aqueles sujeitos que, de fato, questionavam a prática de contenções, como Juliano, que afirmou que era uma prática “desumana” e que assinalou claramente que, se os internados na instituição não respeitassem as “leis” impostas pelos profissionais, eram contidos.

A respeito desse assunto, é espantoso o modo como ainda hoje, em um cenário de avanços significativos da reforma psiquiátrica, a contenção física e a química são práticas

recorrentes de instituições psiquiátricas de caráter asilar. Para além disso, é preciso prestar atenção nos raciocínios e nos argumentos utilizados pelos defensores dessa ação; por exemplo, a diretoria técnica da instituição cenário de estudo afirmou em reunião de equipe que estava sendo estudada a possibilidade de criação e instalação de um “quarto almofadado” – destinado às ditas situações de crise – e do uso de “eletroconvulsoterapia”, com vistas a enfrentar a suposta agressividade das crianças e dos adolescentes internados, em um discurso pautado na ideia de periculosidade da pessoa com sofrimento psíquico.

Como já afirmado anteriormente, apenas a ideia de uso dessas estratégias já é sinal do quanto nessa instituição o conceito de periculosidade social, do âmbito jurídico, em seu par com a agressividade, é avizinhado à prática da psiquiatria. Ainda, dado o grau de simplificação de uma situação de crise – definida na instituição por meio de um esquema que reduz a complexidade de vida para delimitar um conjunto de sintomas e diagnósticos, sobrepondo uma expressão de agressividade de uma determinada relação, enquanto periculosidade, a esse esquema generalizável –, tem-se que a resposta da instituição de criação de um “quarto almofadado” é mais um indicativo do modelo de relação em que se baseia a prática institucional. Mais uma vez, enfatiza-se aqui que essa objetificação da expressão de uma relação em um sujeito, com a consequente elaboração dessas práticas violentas, aniquila as contradições, nulifica o sujeito enquanto um dos polos da relação, e está a serviço de garantir a organização e a eficiência da instituição, reforçando ainda mais o mandato social dos profissionais.

Ademais, essa colocação feita em reunião por um membro da diretoria da instituição, além de ser um claro exemplo acerca do grau de violência institucional e da assunção, pela instituição, da impossibilidade de relação com um sujeito internado, aponta para o fato de a instituição não lidar com as necessidades reais apresentadas pelas crianças e pelos adolescentes, de modo a apenas construir necessidades artificiais pautadas na objetificação do sujeito, desconsiderando que o sujeito com sofrimento psíquico é “uma realidade que sofre com muitas necessidades” (BASAGLIA; BASAGLIA, O., 1979, p. 53). Uma dessas necessidades refere-se, justamente, à compreensão, no caso de situações de crise, de que a própria “condição de crise corresponde a uma complexa situação existencial”, sendo necessários “complexos instrumentos e recursos para afrontá-la” (DELL’ACQUA; MEZZINA, 1991, p. 55).

As situações de crise e os conflitos que se manifestam nessa conjuntura estão relacionados não apenas a uma serie de contingências da vida, mas, também, às dinâmicas relacionais e sociais com as quais o sujeito está envolvido. Nesse sentido, coloca-se a

importância de um serviço compreender a configuração do território de vida de um sujeito, responsabilizando-se pela sua situação global e complexa de modo que, na atenção à crise, possa realizar a “reconstrução da história” do sujeito em “seus locais de vida, com a sua rede das suas relações, com os seus problemas materiais e concretos”, inserindo a própria experiência de crise “no interior de uma série de nexos que são capazes de torná-la compreensível (não de explicá-la!), de dar um senso à crise e, enfim, de recuperar a relação entre as valências de saúde, os valores de vida e a própria crise” (DELL’ACQUA; MEZZINA, 1991, p. 56).

Ora, considerando as portas fechadas, o esquema institucionalizante e o modo de relação estabelecido com os sujeitos, a resposta da instituição às situações de crise está baseada no modelo geral de funcionamento institucional e a proposta de criação de um “quarto almofadado” está inserida dentro dessa estrutura simplificadora; trata-se, assim, de mais uma resposta pré-formatada às necessidades artificiais produzidas pela própria instituição, na busca pela construção de modos de controle que sustentem exclusivamente a sua organização. Tal como afirma Basaglia e Ongaro Basaglia (1979, p. 7), as necessidades artificiais, “por serem estranhas à realidade concreta [...], servem para desviar a atenção dos problemas e necessidades reais” e, dessa forma, “a distância entre a necessidade real e a necessidade artificial é o que serve como instrumento de dominação”; nesse lugar parece estar inscrito o argumento da instituição tanto para a criação de um “quarto almofadado”, bem como para o uso de instrumentos de contenção.

Ainda, há que se considerar que, além da atenção às situações de sofrimento psíquico e crise, as necessidades reais dessas crianças e adolescentes dizem respeito, entre tantas outras, a fazer escolhas, a ter suas singularidades preservadas, a se comunicar, a se relacionar em um grau de reciprocidade com os profissionais, a ser escutados por esses profissionais e pela diretoria da instituição. Dentre essas necessidades reais sufocadas pelo esquema institucionalizante, a impossibilidade de comunicação era nítida na instituição, a começar pelo pesado silêncio existente em boa parte do dia. Ademais, as breves frases das crianças e dos adolescentes internados indicam que a comunicação não estava no campo do possível na instituição, seja na ocasião em que Mário ficou receoso de falar sobre alguns assuntos, seja na vez em que Lúcio aguardou o momento preciso para relatar, em relação a uma cena de violência institucional, “nunca vi isso nem na Fundação”, seja em todas as ocasiões em que as crianças e os adolescentes solicitavam ser entrevistadas, vendo nesse espaço uma possibilidade mínima de escuta. Não à toa, as crianças e os adolescentes costumavam ficar em suas camas, ainda que acordados. Essa é mais uma faceta da instituição psiquiátrica de caráter

asilar enquanto uma instituição da violência, dado que reafirma a diferença de poder entre dois polos da relação (BASAGLIA, 1985).

Ora, esse modo de relação de diferença de poder e de necessidade de controle transcende a instituição psiquiátrica, sendo a ação profissional inter-relacionada a um contexto sociopolítico. De acordo com Basaglia e Ongaro Basaglia (2013), há uma relação direta entre a classe dominante, os profissionais (tanto os intelectuais que produzem a ideologia psiquiátrica, quanto os técnicos que a traduzem na prática), e a finalidade de uso dessa ideologia; é articulada a essa dimensão que se estabelece o mandato social dos profissionais da instituição. Por meio desse mandato, os profissionais são delegados a eliminar as contradições e os conflitos sociais, acobertando-os por meio da justificativa de um tratamento; ou seja, o profissional tem um duplo papel por meio de seu mandato social, o de, ao mesmo tempo, segregar essas crianças e esses adolescentes e prover tratamento. Isso, segundo Basaglia e Ongaro Basaglia (2013), evidencia a enorme distância entre o que um Hospital Psiquiátrico afirma que é (uma instituição para cuidado e tratamento) e o que ocorre na prática (ser um lugar de segregação e violência).

Ainda nessa linha, ao aceitar essa situação, objetificando um sujeito, esses profissionais irão confirmar para a sociedade a segregação desse sujeito; esse aspecto do mandato social dos técnicos e da função da instituição fica ainda mais evidente quando, nesse estudo, verifica-se que as determinações judiciais para a internação são descritas como queixa principal em quatro prontuários, ou seja, apenas é acatada a demanda de outra instituição. Com efeito, com posse de seus mandatos sociais, os profissionais acobertam as necessidades reais das crianças e dos adolescentes e sobrepõem a elas um conjunto de necessidades artificiais (BASAGLIA; BASAGLIA, O., 1979) Aqui cabe destacar que, apesar de haver uma centralização de poder em torno do profissional psiquiatra, todos os demais profissionais incumbidos pela atenção à população internada e institucionalizada em instituições psiquiátricas de caráter asilar têm um mandato social para, com diferentes funções, garantir a manutenção da ordem pública; com efeito, o psiquiatra não é o único profissional vinculado a uma prática de defesa dos limites da norma.

Segundo Basaglia e Ongaro Basglia (2013), esses profissionais vivem uma condição de alienação, enquanto opressores, ao identificarem-se em seus mandatos sociais e ao exercerem seus papeis de funcionários de certo consenso social, sendo garantidores da ordem pública; assim, a serviço da ideologia psiquiátrica, pode-se afirmar que esses profissionais cometem crimes de paz. Ora, para superar esse papel profissional de segregação de um sujeito e garantia de controle social é preciso, antes de tudo, recusar esse mandato social; mais ainda,

tal como afirmam Basaglia e Ongaro Basglia (2013), é preciso que o próprio profissional rompa com a sua condição de alienação.

A partir dessa recusa, as contradições e conflitos podem aparecer, relações de reciprocidade podem ser estabelecidas e as próprias diferenças de contratualidade podem ser confrontadas no cotidiano da instituição. Faz-se necessário ressalvar que essas transformações acontecem em um campo de tensões e de lutas; na instituição cenário de estudo, enquanto parte da equipe enfatizava o poder psiquiátrico, alguns poucos profissionais buscavam resistir a isso com tentativas de recusa de seus mandatos sociais. Ainda, tendo em vista a função da instituição psiquiátrica de caráter asilar em um determinado contexto social e a sua relação com a norma vigente, a superação do que é delegado aos profissionais realizarem passa necessariamente por uma transformação das relações entre a própria instituição, com as pessoas envolvidas nessa, e a sociedade. Aliás, a necessidade de modificação das formas de relações, com a abolição do princípio autoritário-hierárquico da instituição e a recusa do mandato social por parte dos profissionais, atravessa todo o processo de transformação institucional; nesse sentido, levar a sério a desinstitucionalização enquanto perspectiva significa, para todos, a necessidade de rever os modos de relação e os papeis sociais, e de criar relações de reciprocidade.

Nesse cenário, um aspecto fundamental é compreender os diferentes graus de poder contratual das relações, sendo a brutal diferença entre esses graus um dos aspectos de uma prática institucionalizante. Segundo Basaglia e Ongaro Basaglia (2010, p. 214) as pessoas segregadas em instituições psiquiátricas de caráter asilar, dentre outras, estão fora das forças