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Multiplicidade de suspeitas dos motivos de internação

2 F.31.2 Transtorno afetivo bipolar, episódio

6.2 As entrevistas com as crianças e os adolescentes e a vivência no campo: refratar, refletir e expressar a lógica asilar

6.2.3 Multiplicidade de suspeitas dos motivos de internação

Os motivos para a internação, vistos da perspectiva dos entrevistados, são muitos e diversos. As crianças e os adolescentes internados formulavam hipóteses e teorias variadas, buscando construir respostas que explicassem o porquê de estarem ali. Enquanto alguns entrevistados colocaram-se como responsáveis diretos pela própria internação, no sentido de se sentirem culpados por alguma ação que realizaram – brigar, desrespeitar alguém, usar

drogas –, outros acrescentaram atores e instituições sociais nas razões que levaram à sua internação: um juiz, o tráfico de drogas, os próprios parentes.

Ainda, no decorrer da entrevista e do período de internação de cada um dos sujeitos essas próprias hipóteses foram se alterando, como se essas crianças e adolescentes fossem coletando novas pistas e formulando novos pensamentos, no sentido de compor uma cartografia das razões de suas internações. Importante notar que foram poucos os entrevistados que assinalaram que foram internados por experimentarem um sofrimento psíquico; precisamente, dentre os oito entrevistados, apenas três mencionaram isso expressamente, mas, mesmo nessas três ocasiões, do ponto de vista dos entrevistados, esse não era o motivo único ou a razão principal para a internação.

Antônio, primeiramente, afirmou que entendia que estava internado porque havia desrespeitado os seus pais, para em seguida acrescentar que não havia tomado as medicações receitadas por outro serviço; depois, relatou que sentia que estava “com a mente confusa”. Ainda, acrescentou como razão de sua internação o fato de que fez uso de drogas, possivelmente fazendo uma relação entre esta ação e a sua sensação de confusão. Por fim, afirmou que, quando contou isso para sua mãe, foi internado:

“Antônio: Não tomava café, não respeitava minha mãe, que ela pedia para mim levantar e tomar café, e eu não ia.

Entrevistadora: E aí?

Antônio: E aí que eu estou melhor agora, eu vou respeitar isso quando eu sair da internação. Que antes só o remédio que eu não tomei. Eu estava com a mente confusa.

Entrevistadora: Como é que é isso, ficar com a mente confusa?

Antônio: Tipo assim, você pensar que vão te pegar, que os outros iam me bater, estava com a mente perturbada. Eu usei droga primeiro. Aí eu estava confuso, não estava falando coisa com coisa, não estava falando coisa certa. Eu estava pensando que tinha alguém querendo me matar. Eu só falei para minha mãe, aí ela me colocou aqui. Contei para ela para eu ficar mais aliviado, porque eu queria dividir com ela onde eu estava.”

Vale destacar que Antônio falava de um lugar de culpa, de se sentir também responsável pela sua situação de internação. Isso no sentido de considerar que a desobediência a algo ou a alguém, combinado com o uso de drogas, estaria atrelado, em parte, ao seu sofrimento psíquico e, em parte, à internação. Ademais, parecia ser de difícil explicação, para Antônio, o fato de ele ter compartilhado o seu sofrimento com a sua mãe e, como resultado, ter sido internado em uma instituição psiquiátrica.

Em outro momento da entrevista, Antônio retomou as razões que, do seu ponto de vista, levaram à sua internação, acrescentando outras situações de desobediência, modos de

vida, por ele entendidos, como sendo equivocados, além da realização de pequenos atos infracionais:

“Antônio: Eu não ia, agora eu vou começar a ir, frequentar, se eles quiserem me levar para jogar bola, para..., tudo eu vou fazer tudo direitinho. Antes eu gostava de funk também, só que é coisa errada, porque fala de luxo, fala de, tipo, fala de coisa cara, e aí nós fica com ilusão, aí nós vamos querer roubar

mais. Mas eu não faço isso, eu saí, eu não fui roubar, eu fiquei com medo.”

Ao final da entrevista, Antônio insistiu mais uma vez que não iria mais escutar funk e que passaria a escutar músicas religiosas, que são da preferência de seus pais:

“Antônio: Minha mãe e meu pai, que eles falou para mim não ficar mais escutando funk. Aí eu não fiquei mais escutando, só fiquei escutando música evangélica.”

Nesse sentido, essa pareceu ser a marca forte para Antônio acerca do motivo de sua internação: desobedecer a seus pais e ter hábitos considerados equivocados; com efeito, a sua impressão sobre a internação parecia ser a de um momento de punição, e a entrevista era uma possibilidade de ele reafirmar que ele seria um menino comportado e obediente.

Danilo, por sua vez, assinalou que, de certo modo, estava internado por conta de uma briga com seus pais, decorrente de um conjunto de fatos: de ter se tornado um adolescente desobediente, de sua família não ter uma boa convivência e de ter sofrido situações de violência em sua escola por parte de outros adolescentes. Ainda, no decorrer da entrevista, embora tenha se responsabilizado em parte por sua internação, Danilo parecia tentar construir a ideia para a pesquisadora de que ele era um bom garoto, em contraposição à imagem de um garoto com problemas de comportamento:

“Entrevistadora: O que foi que aconteceu, porque você acha que você está aqui?

Danilo: Não acho, tenho certeza. Tem dois meses que eu fiz uma coisa. [silêncio]

Entrevistadora: Você poderia me contar que coisa foi essa?

Danilo: Posso. Eu tinha brigado com meus pais, eu tinha batido na minha mãe.

Entrevistadora: O que aconteceu que te levou a brigar com seus pais, bater na sua mãe?

Danilo: Por causa que a minha família está muito desestruturada. Estão tendo muitas coisas ruins lá em casa, na minha escola, que me levaram a fazer isso.

Entrevistadora: Você pode me contar um pouco que coisas são essas?

Danilo: Posso. É que assim, desde que eu comecei a ir para a escola eu sempre fui um aluno estudioso, sabe, eu sempre fui aluno que tirava nota dez. Eu sempre gostava, eu gosto muito de matemática, história, geografia,

português, inglês, espanhol, sabe, várias coisas. Aí o que acontece, por causa disso eu sempre fui um dos melhores alunos da minha classe e da minha escola também. Aí eu sempre li, eu sempre dei muito orgulho para minha mãe, para meu pai, para meus professores, sabe. Aí o que acontece, o que acontece, quando eu era pequenininho isso não acontecia, mas depois que eu comecei a ficar com 13 a 14 anos eu desobedecia muito.”

Em seguida, Danilo acrescentou mais elementos às razões de sua internação, afirmando que ficou “descontrolado, super nervoso” em decorrência de situações prévias, que foram desencadeantes para a sua internação:

“Danilo: Porque no último dia que eu bati nela foi porque ela fez várias coisas comigo que eu não gostei e porque naquele, justamente naquele bendito dia, vários amigos que eu tinha antes ficaram me xingando, ficaram me ofendendo, ficaram batendo em mim, fazendo um monte de coisa comigo.

Entrevistadora: Então ficou um monte de coisa junta?

Danilo: É. Por eu ter batido na minha mãe, por eu ter brigado com meu pai e com a minha mãe, por ter quebrado as coisas na minha casa.

Entrevistadora: E o que aconteceu?

Danilo: Eu fico descontrolado, super nervoso, sabe. Eu não consigo me

controlar mais de tão nervoso que eu ficava.”

O entrevistado narrou uma longa justificativa para o seu ato de agressão em relação a sua mãe, sobrepondo outras informações e afirmando que a sua mãe “fez uma sacanagem muito grande” com ele após um dia difícil que ele teve em sua escola, quando havia sofrido uma situação de violência por parte de outros adolescentes. Danilo parecia tentar explicar para a pesquisadora, e também para si, que ele apenas havia agredido a sua mãe após ele mesmo ter sofrido certa violência:

“Danilo: Então, aí o que acontece, quando era na quarta-feira eu estava muito, como eu posso dizer, eu estava muito nervoso, sabe, estava muito revoltado, estava muito revoltado comigo mesmo. Ainda mais porque quando era na quinta e na sexta-feira tinha um simulado que eu tinha que fazer que era preparativo para o ENEM, sabe, preparativo para poder entrar em uma faculdade e ter um emprego quando eu for mais velho. Aí o que acontece, esse simulado que eu ia fazer que era preparado para eu e os colegas da minha sala para a gente se preparar para o ENEM, era super mega blaster difícil. Sabe, tinha 180 questões super difíceis, ia cair matéria do ano inteiro que a gente estudou, do primeiro e do segundo bimestre sabe. Muita coisa, muita coisa mesmo sabe, então todas as matérias, né? Ainda mais que eram dois dias, que quinta-feira tem 80 perguntas e sexta-feira mais 80 perguntas, aí o total dá. Ah não, pera aí, era 90 mais 90, que é 180. E aí o que acontece, quando era quarta-feira, que era na véspera da primeiro dia do simulado que era quinta-feira eu não tinha estudado nada, não porque eu não quis, mas porque não tinha dado tempo, porque eu tinha tanto trabalho, tanta lição de casa que nem tempo deu. Aí quando era na quarta-feira, eu estava super nervoso, sabe? Ainda mais porque quando foi quarta-feira foi um dos

piores dias que eu tive, que eu fiquei lá na minha escola. Por causa que naquele dia vários amigos meus que eu tinha, na minha escola, me traía. Que eu pensei que eles fossem meus amigos, mas percebi que muitos deles não eram, eles fazem amizade comigo por falsidade, sabe. Eram falsos, eram mentirosos. E aí por causa disso eu fiquei mais chateado e mais nervoso ainda, aí minha mãe veio e fez uma sacanagem comigo tremenda, e por causa disso eu me descontrolei totalmente e bati nela.

Entrevistadora: Que sacanagem foi essa, que é o fato marcante que você falou?

Danilo: Foi de ela ficar o dia inteiro pedindo para eu fazer um milhão de coisas para ela, me prejudicando pra caralho para eu não estudar para o simulado, porque ela sabia muito bem que eu tinha que estudar para o simulado, sabia muito bem que eu não estudei, sabia muito bem que lá era preparativo para o ENEM. Inclusive até falou saber notícias da diretora da minha escola, que é a Denise, sobre o ENEM, que eu já expliquei para ela mais de mil vezes que eu precisava estudar o dia inteiro para todas as matérias que o simulado ia ser muito difícil. Que ia cair várias perguntas também do ENEM que já caíram nos anos anteriores, sabe. Aí ela, sabe, aí ela, não sei, parece que ela queria me prejudicar, que quarta feira que era o único dia, assim, que eu podia estudar, a minha mãe ficou o dia inteiro, o dia inteiro, sabe, exigindo e fazendo um milhão de coisas para ela, o dia inteiro, o dia inteiro.

Entrevistadora: Então foi por tudo isso que você veio para cá?

Danilo: Foi, e eu já expliquei para a minha mãe um milhão de vezes, falei –

‘mãe, por favor deixa eu estudar, eu preciso saber isso logo’ – tipo assim, eu comecei a avisar para ela um mês antes do simulado. E, na véspera, ainda estava atrapalhando.”

Em outros dois momentos desta entrevista, Danilo foi taxativo ao nomear a principal pessoa responsável por sua internação, ainda que houvesse reconhecido, anteriormente, a sua responsabilidade subjetiva pela situação:

“Danilo: Juiz desgraçado, filho da puta. Entrevistadora: O que o juiz fez?

Danilo: Me internou aqui, deixou aqui já faz 50 dias já.

Entrevistadora: Mas como é que é essa briga da escola, com a sua mãe, chegou até o juiz? Você sabe?

Danilo: Sei. Porque eu já fui levado três vezes para o Pronto-Socorro, ai depois da terceira vez o juiz decidiu me levar para cá.

Entrevistadora: É a primeira vez que você está aqui? Danilo: Sim.”

“Danilo: Só vim mais porque o juiz que cuida de crianças e adolescentes daqui do Estado de São Paulo, ele viu que eu já fui para o Pronto-Socorro três vezes e acabou resolvendo me levar para cá. Por causa disso que estava acontecendo, porque ele estava achando que eu fosse um doente mental, aquela pessoa que eu bati na minha mãe. É claro que o motivo está errado, alguma coisa está errado, mas eu tive vários motivos para fazer isso também.”

Tal como Danilo, Cléber, compartilhava o ponto de vista de que estava internado em decorrência de uma decisão judicial, afirmando que sua família havia solicitado isso a um juiz:

“Cléber: Eu estou aqui porque a minha mãe e minha avô foi lá no juiz e pediu para encaminhar eu.

Entrevistadora: Foi assim que aconteceu?

Cléber: Foi, ai e o SAMU parou lá em casa, aí não queria vir. Aí eu quebrei a lâmpada.”

Em outro momento dessa mesma entrevista, Cléber, que estava em uma internação do tipo involuntário-judicial, retomou os motivos de sua internação, e, dessa vez, buscou dar uma explicação causal para a sua internação, afirmando que, por vendido e feito uso de drogas, um juiz havia determinado a sua internação:

“Cléber: Eu estou aqui porque fumei maconha. Porque o juiz ele liberou eu para ficar aqui.

Entrevistadora: Ele que falou para você ficar aqui? E porque ele falou para você ficar aqui?

Cléber: Porque eu estava vendendo as coisas, aí pega o dinheiro e comprava cerol.

Entrevistadora: Você estava vendendo o quê? Cléber: Maconha.

Entrevistadora: E aí, o que mais aconteceu?

Cléber: Fumava palha. Com o Arthur, com um monte, com o Thiago, com o, qual o nome mesmo?

Entrevistadora: Quem são essas pessoas Cléber? Cléber: Meus colegas.

Entrevistadora: Você me contou que o juiz falou para você vir e aí veio o SAMU?

Cléber: É.

Entrevistadora: Como é que foi para você ver o SAMU, você entendeu o que o SAMU estava fazendo lá na hora que eles chegaram?

Cléber: É, aí eu agredi.”

Aqui, a agressão, direcionada a um objeto – a quebra de uma lâmpada –, aparece como resistência, como oposição à decisão judicial de internação e ao mandato dos profissionais de levá-lo em uma ambulância para um lugar desconhecido. Em um terceiro momento, Cléber acrescentou mais um elemento aos motivos de sua internação, afirmando que o juiz a havia determinado a partir das solicitações tanto de um profissional de outro serviço, quanto de sua mãe, indicando que essas pessoas eram as responsáveis pela internação dele:

“Cléber: Minha mãe e a Zulmira. Entrevistadora: Quem é a Zulmira?

Entrevistadora: Você acha que é por causa delas... Cléber: Ela que mandou internar eu, ela e uma outra.”

Nessa linha, Cléber parecia reconhecer que a decisão por sua internação estava atrelada a uma rede mais complexa de arranjos institucionais, sobre qual ele não exercia nenhum poder contratual.

Já Dênis relacionou os motivos de sua internação a uma história precedente em sua vida, quando foi envolvido em uma disputa entre dois donos de distintos bares em sua cidade e, ao final, um desses donos o ameaçou de morte. Afirmou em entrevista que após esse evento começou a se sentir “mal da cabeça” e, depois disso, foi internado:

“Entrevistadora: E o que aconteceu que você veio parar aqui?

Dênis: É que tinha um homem que eu morava lá, que me chamou falando que era para eu mim complicar uma mulher. Que não gostavam, mas os dois eram do bar, dono do bar. Daí, o dono do bar, daí me chamou, e daí disse que era para fazer ou matava eu e isso ficou na minha cabeça, né. Daí isso na minha cabeça, ai eu fiquei mal da cabeça, e fui piorando. Daí eu vim para cá. Entrevistadora: Mas me conta como era, tinha o dono de um bar e uma dona de um bar. O dono do bar falou para você denunciar a dona do bar? Denunciar pelo quê?

Dênis: Denunciar, que tinha um monte de coisa lá, vídeo pornô, que não devia. Aí era para eu fazer, aí eu fiz, né.

Entrevistadora: E ele queria que você fizesse uma coisa que não concordava, era isso? E aí ele tinha ameaçado de morte?

Dênis: Ameaçou eu de morte.

Entrevistadora: E aí você ficou com isso na cabeça. Dênis: Foi isso.

Entrevistadora: Que duro.

Dênis: Duro mesmo, daí a mulher chamou eu para fazer. Aí eu vim para cá. Entrevistadora: Teve algum, alguma coisa que você... você pediu ajuda para ela ou sua mãe [tia] percebeu?

Dênis: Dai minha mãe [tia] teve ideia. Daí parou todo mundo na delegacia, daí começou um processo. Aí depois disso eu fiquei bom.

Entrevistadora: E como que é que você veio para cá, você passou em algum lugar antes de vir para cá ou veio para cá direto?

Dênis: Vim para cá direto.”

Ora, é significativa a situação de violência a qual Dênis foi exposto e, ainda que a ameaça de morte não tivesse lastro no real, para Dênis tinha. Mesmo após terem ido à delegacia, Dênis procurou a ajuda de sua tia, a quem chama de mãe; esta tia, por sua vez, em busca de algum serviço assistencial que pudesse dar o devido suporte a Dênis, levou-o à instituição em que ele esteve internado.

Nessa mesma tendência, a de localizar um evento marcante que tenha deflagrado a situação de internação, Francisco relacionou um episódio em particular que viveu e que, para

ele, resultou em seu sofrimento psíquico. Segundo Francisco, ele foi internado por não ter conseguido lidar com uma determinada situação; na entrevista, afirmou que, após ter realizado um furto sob o efeito de drogas, foi pego, junto com um colega, por dois policiais, que os assustaram e os coagiram a realizar exercícios físicos:

“Entrevistadora: E o que aconteceu que você veio para cá?

Francisco: Foi por causa que eu estava com uma linha de perseguição dos outros querer me matar, coloquei na cabeça isso e não estava conseguindo tirar.

Entrevistadora: Mas, como foi isso?

Francisco: Tipo assim, já tinha feito um furto, já tinha feito três furtos, eu fiz lá na minha loja, só que eu pedi perdão para o meu gerente pelo o que fiz. Fiz um no Davó, e fiz um na Pernambucanas. O no Davó, foi isso que me marcou mais, onde começou o medo.

Entrevistadora: O Davó é o que? Francisco: Supermercado Davó. Entrevistadora: Ah, supermercado.

Francisco: Foi onde que começou o medo, porque os dois caras que me apreendeu no furto era policial, e eles falaram assim para mim, pediram meu endereço, pediu tudo, fizeram eu fazer até 50 flexões, e eu fiz 40 ou 35 flexões, acho.

Entrevistadora: Assim, ali na hora?

Francisco: É, na hora que pegou, nós não rouba. A gente furtou Smirnoff, estava drogado ainda, tinha usado droga. E na Pernambucanas eu tinha pego cueca, porque eu estava precisando, eu tinha feito diarreia nas calças e aí eu peguei. Mas foi no mercado que me marcou mais, que eu fiquei mais com medo, que aí começou tudo, o desespero, estes negócios.

Entrevistadora: É muito duro? Francisco: É.

Entrevistadora: Estou vendo isso pelo seu rosto, você está passando para mim uma sensação de sofrimento.

Francisco: Foi onde eu senti mais medo.”

Mais uma vez, foi feita referência tanto às situações de uma violência prévia vivenciada pelos entrevistados, bem como a determinados comportamentos, que variavam entre equivocado e desobediente. Ainda, Francisco pareceu não fazer diferença entre as duas situações em que furtou objetos, culpabilizando-se por ambas, ainda que no evento referente às Lojas Pernambucanas tenha furtado uma cueca porque necessitava trocar a sua.

Juliano, por sua vez, construiu uma longa narrativa sobre os motivos que levaram à sua internação, pontuando que a principal razão foi o uso de drogas. Ademais, em sua narrativa, Juliano foi nomeando alguns aspectos de sua vida, que podem ser identificados como parte do contexto e do território de sua vida, tal como quando comentou que o seu melhor amigo foi preso.

Entrevistadora: Foi isso?

Juliano: Foi, foi o quê mais, porque eu usava muito no quarto entendeu. Quando eu saía do quarto, sabe aqueles quartos tipo emo, que quando você vai até, tipo, almoçar, você vai e só mostra a cara só. Então esse quarto era assim bem na cozinha, e não tinha uma lâmpada ou coisa para iluminar, e aí quando ficava muito doido eu apagava a luz e ficava ouvindo rock pesado.”

“Juliano: No ano passado eu ia para a escola e praticava artes marciais, com esse meu amigo que eu falei que gostava dos pensamentos dele. Foi aí que