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3 QUALIDADE DE PRODUTOS AGROINDUSTRIAIS

3.3 Gestão da qualidade em cadeias de produção agroindustriais

3.3.3 Análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC)

O sistema APPCC (ou HACCP – Hazard Analysis and Critical Control Points) aplicado ao setor agroindustrial visa garantir a segurança na produção do alimento. As BPA e os PPHO são tidos como pré-requisitos à APPCC. Trata-se, essencialmente, da adoção de uma postura preventiva para a minimização de riscos e garantia da inocuidade do alimento, protegendo-o da ação prejudicial de agentes químicos, físicos e microbiológicos.

O cerne do sistema é a identificação dos perigos potenciais à segurança do alimento ao longo de toda a cadeia produtiva. Em determinadas etapas, demarcadas como pontos críticos, medidas de monitoramento e controle são acionadas a fim de garantir, ao final do processo, a obtenção dos requisitos desejados de qualidade do produto (CARRIZO, 2006).

O sistema APPCC tem sua origem dentro do programa espacial norte- americano. A questão alimentar tornou-se preocupante para a NASA (National Aeronautics and Space Administration) assim que a agência começou a planejar missões tripuladas com maior duração – as missões do projeto Mercury (1959- 1963) duravam, no máximo, 34 horas, enquanto o projeto Gemini (1962-1966), seu sucessor, previa missões de até 14 dias.

Para se prevenir contra eventuais contaminações microbiológicas na alimentação dada aos astronautas, equipes da NASA, em parceria com os Laboratórios Natick, pertencente ao Exército, e o Laboratório Espacial da Força

Aérea, sistematizaram padrões de qualidade requerida na fabricação do alimento, com tolerância zero para alguns patógenos, como as salmonelas e os estafilococos, e bem próxima de zero para outros, como os coliformes totais (WOTEKI, GLAVIN & KINEMAN, 2003).

Posteriormente, a NASA ampliou a rigidez para as missões do projeto Apollo (1961-1972) e procurou se prevenir ainda mais, tentando identificar todos os pontos críticos de controle na fabricação do alimento. Os Laboratórios Natick se basearam na técnica conhecida como FMEA (Failure Mode and Effect Analysis) para apontar em quais momentos no processo produtivo haveria risco de falha.

Todo o processo de produção e distribuição do alimento para o projeto Apollo ficou a cargo da Pillsbury Company. A empresa, então, assimilou os conceitos da análise de perigos, do projeto Gemini, lhe impostos pela NASA, com o sistema de mapeamento dos pontos críticos de controle, desenvolvido para o projeto Apollo. Esta fusão gerou a APPCC (WOTEKI, GLAVIN & KINEMAN, 2003).

A Pillsbury aplicou os princípios da APPCC por vários anos na produção de produtos agrícolas para, somente em 1971, apresentá-la publicamente, durante a National Conference of Food Protection, realizada nos Estados Unidos. Logo em seguida, a empresa foi contratada para treinar funcionários da Food and Drug Administration (FDA), órgão pertencente ao U.S. Department of Health & Human Services. A partir daí, a atenção governamental sobre a APPCC aumentou e, durante as décadas de 1970 e 1980, a aplicação do sistema na indústria alimentícia norte-americana foi amplamente recomendada (BAUMAN, 1999).

Em 1991 o sistema foi recomendado oficialmente pela Codex Alimentarius Commission. No ano seguinte, o National Advisory Committee on Microbiological Criteria for Foods, um comitê vinculado ao USDA, estabeleceu sete princípios para a implantação do sistema APPCC. Esses princípios formam a base do sistema (Woteki, Glavin e Kineman, 2003):

1. Realizar a análise de perigos;

2. Determinar os pontos críticos de controle; 3. Estabelecer os limites críticos;

4. Estabelecer os procedimentos de monitoramento dos pontos críticos de controle;

5. Estabelecer as ações corretivas em cada ponto crítico de controle; 6. Estabelecer procedimentos de verificação do sistema APPCC; 7. Estabelecer a documentação de todos os processos.

O governo brasileiro recomendou o sistema APPCC pela primeira vez em 1993, por meio da Portaria n. 1.428 de 26 de novembro daquele ano, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A agência regulamentou a inspeção sanitária do alimento, traçou diretrizes para o estabelecimento das boas práticas de fabricação nos setores agroalimentares e definiu regras para o estabelecimento de padrões de qualidade do produto (MARTINS, 2007).

Hoje o sistema APPCC tem o aval de organismos internacionais importantes. Além da FAO e da OMS, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e os principais programas de certificação ao redor do mundo também recomendam o sistema. No caso da cafeicultura, a aplicação da APPCC pode ser vista, por exemplo, em Castro, Schmidt e Leitão (2002).

Bauman (1999) explica a APPCC como sendo um sistema de duas fases. A “análise de perigos” envolve um estudo sistemático sobre as matérias- primas utilizadas na produção, o produto em si, os materiais, os processos, o manejo, o armazenamento, as embalagens, a distribuição e o consumo. Esta análise visa identificar as situações e as atividades sensíveis a falhas. Com essa informação, é possível determinar os “pontos críticos de controle” a serem monitorados, que são definidos como qualquer ponto na cadeia de produção agroalimentar onde a perda do controle pode resultar em um risco inaceitável à segurança do alimento.

Além da segurança e da melhoria da qualidade do produto, a aplicação do sistema gera um retorno para a firma na forma de redução de custos e aumento da lucratividade. O sistema minimiza as perdas e o retrabalho durante o processo produtivo, tornando desnecessária grande parte das análises laboratoriais que são realizadas em sistemas de controle convencionais (CASTRO, SCHMIDT & LEITÃO, 2002).

Em 2002 a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) lançou a NBR 14900, normatizando a implementação de sistemas de gestão da APPCC. A norma abriu espaço e estabeleceu requisitos para instituições que desejassem atuar como certificadoras do sistema, desde que credenciadas no Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro).

Depois disso, a APPCC ainda passou a fazer parte da família de normas ISO 22000:2005, que trata da gestão da segurança de alimentos nas cadeias agroindustriais. Pelos requisitos da norma, as empresas devem ter a capacidade de controlar as ameaças com relação à segurança do alimento e, como consequência, promover o aumento da satisfação dos clientes com o produto.

Devido a seu enfoque sistêmico, a APPCC se aplica em toda a cadeia agroindustrial, do cultivo ao consumo. Martins (2007) salienta que quanto maior for a abrangência de sua aplicação, mais significativos serão os resultados. O autor cita alguns benefícios prováveis obtidos com a implementação da APPCC (p.543):

a) Estabelecimento de uma abordagem preventiva com vistas à segurança do alimento;

b) Atendimento dos requisitos legais sobre segurança do alimento; c) Melhoria da qualidade intrínseca do produto;

d) Abertura de novos mercados; e) Otimização dos processos;

f) Estabelecimento de uma base para implementação da ISO 22000; g) Estabelecimento de uma base para a rastreabilidade do produto; e h) Redução de custos provocados por falhas internas e externas.

A APPCC passou a embasar protocolos internacionais fundamentais para a comercialização de produtos alimentícios, como o GlobalGAP (antigo EurepGAP), principal mecanismo europeu de certificação. Aliás, a grande maioria dos selos e certificações existentes para a produção e comercialização dos produtos agroalimentares, que são exigidos pelos grandes compradores para qualificar e selecionar seus fornecedores, utiliza as BPA, os PPHO e a APPCC como base.

Apesar de que alguns pré-requisitos impostos pelos mercados importadores escondem, na verdade, barreiras não tarifárias a produtos estrangeiros. O que é uma maneira de burlar as normas do comércio internacional estabelecidas pela OMC.

De qualquer forma, segue a linha do GlobalGAP o similar norte- americano USAGAP, desenvolvido para ser o principal protocolo para o comércio de produtos alimentícios com os Estados Unidos. Vale lembrar que a União Europeia e os Estados Unidos são os dois grandes mercados compradores mundiais, cobiçados por todo exportador, o que faz desses dois protocolos os principais instrumentos para a abertura de mercados no exterior.

Mesmo os padrões desenvolvidos por países que não desejam selecionar seus fornecedores, mas apenas qualificar sua produção, têm sua regulamentação redigida sob a base da APPCC, como o chileno ChileGAP, o mexicano MexicoGAP, e a Produção Integrada de Frutas, que é aplicada em vários países europeus e sul-americanos, inclusive no Brasi. Além dos selos próprios desenvolvidos pelas grandes redes varejistas, como a inglesa Tesco, a francesa Carrefour, a americana Walmart e a brasileira Pão de Açúcar.

3.3.4 Rastreabilidade

A rastreabilidade é um mecanismo de busca das origens do produto. No caso dos produtos agroindustriais, o sistema de busca, se completo, é capaz de percorrer o caminho inverso realizado pelo produto ao longo da cadeia de produção, fornecendo informações do produto desde o consumidor final até o campo, devendo desfazer, inclusive, os processamentos aos quais o produto foi submetido, identificando todas as entradas no processo produtivo.

Para ser rastreável é preciso que todo o histórico de vida do produto esteja disponível. A coleta das informações referentes às matérias-primas, processos e serviços, realizada durante as etapas de produção, industrialização e distribuição, fornece a possibilidade de ‘seguir o rastro’ do produto a partir de cada ponto dessas etapas. A complexidade e a extensão dessas informações indicam o grau de rastreabilidade do produto, que é dimensionado pelas necessidades do cliente.

Como o sistema todo tem um custo de implantação muito alto, isso se torna um fator limitador para as firmas. O grau de rastreabilidade desejável pelo mercado para determinado produto exige a implantação de uma série de mecanismos de controle. Por isso, na maioria das vezes, a rastreabilidade se limita ao mapeamento dos itens ou etapas críticas (MACHADO, 2000).

Vinholis e Azevedo (2002) ressaltam que um sistema de rastreabilidade deve ser entendido como uma ferramenta da gestão da qualidade, ou seja, ele é parte de um programa maior de controle da qualidade do produto. Isoladamente, a rastreabilidade não garante a segurança do alimento. Embora permita que sua qualidade seja monitorada e que ações corretivas rápidas sejam adotadas.

A rastreabilidade pressupõe o fluxo de informações nos dois sentidos da cadeia produtiva. De montante à jusante ela assegura aos clientes que durante o processo produtivo foram empregados apenas materiais com especificações de qualidade bem definidas. Ao mesmo tempo, permite que, no caso de irregularidades, a origem, a causa e os responsáveis pelas falhas sejam identificados com custo mínimo (JURAN, 1962).

No sentido inverso, o fortalecimento do fluxo de informações vindas do consumidor para a produção é fundamental para que as tendências de consumo possam ser captadas pela firma e incorporadas aos produtos. A atuação conjunta das ferramentas de marketing com as de gestão da qualidade permite que as informações do mercado sejam traduzidas em exigências dos clientes e passem a integrar os programas de qualidade (VINHOLIS & AZEVEDO, 2002).

Na agricultura, a maioria dos processos de certificação, principalmente os selos referentes a produtos diferenciados, operam com atenção à rastreabilidade. Por exemplo, os produtos orgânicos, produtos com certificados de origem e produtos que destacam que não sofreram processos químicos ou radiativos de amadurecimento. O histórico de vida é relevante, ainda, na questão da identificação dos produtos transgênicos e dos provenientes de biotecnologia (ZAMBOLIM, 2007b). Além disso, a exigência internacional a respeito da rastreabilidade é cada vez maior. Na União Européia, a Normativa CEE 178/2002, chamada Lei Geral dos Alimentos, determina que os produtos agroalimentares sejam rastreáveis em toda a cadeia produtiva, nas etapas de produção, transformação e distribuição. A Normativa entrou em vigor no mês de janeiro de 2005.

Nos Estados Unidos, a lei intitulada Public Health Security and Bioterrorism Preparedness and Response Act of 2002, que ficou conhecida como Lei do Bioterrorismo, prescreve, entre outras coisas, que todo produto alimentício exportado para aquele país contenha algum tipo de sistema de rastreabilidade. A lei foi publicada em outubro de 2003.

Por sua complexidade e custo, a rastreabilidade costuma ser aplicada apenas quando é fundamental para o sistema de gestão de qualidade adotado. Segundo Machado (2000), sua adoção pode acontecer de forma espontânea, quando há a perspectiva de ela agregar um diferencial em competitividade para a empresa, ou de forma obrigatória, para seguir um padrão de regulamentação técnica.