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3 QUALIDADE DE PRODUTOS AGROINDUSTRIAIS

3.3 Gestão da qualidade em cadeias de produção agroindustriais

3.3.1 Boas práticas agrícolas (BPA)

As boas práticas agrícolas são um conjunto de procedimentos e recomendações técnicas aplicáveis às atividades agrícolas dos setores de produção de alimentos, que constituem uma importante ferramenta para a gestão da qualidade focada no âmbito da empresa – produto e produção. Visam assegurar a qualidade dos produtos e prevenir riscos à saúde do consumidor.

A consolidação das diretrizes das BPA pode ser vista como uma herança dos trabalhos da RIO 92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano. Sua base está inserida no contexto da proposta apresentada no capítulo 14 da Agenda 21, o principal documento da Conferência, cuja temática abordava, originalmente, a promoção da agricultura sustentável e do desenvolvimento rural, como foco no melhoramento das práticas agrícolas.

A expressão “boas práticas” tornou-se muito geral e aplicada com diversas abordagens sobre a cadeia produtiva. Principalmente porque, recentemente, houve um grande aumento no interesse dos agentes das cadeias agroalimentares por códigos e manuais relacionados às BPA, provocado pela necessidade do enquadramento da produção, industrialização e distribuição do alimento às regulamentações de mercado.

O conceito central está associado ao padrão de certificação global good agricultural practices (GAP), que, na literatura em português, ora é traduzido como boas práticas agrícolas, ora como boas práticas agropecuárias (neste estudo, a sigla BPA se refere, sempre, a boas práticas agrícolas). Em virtude do caráter geral que o termo agricultural possui na língua inglesa, o termo GAP não tem sido usado para designar exclusivamente os setores de produção agrícola. Da mesma forma, na literatura nacional o termo BPA vem sendo utilizado tanto como referência ao setor agropecuário amplo, quanto como referência a setores ligados à agricultura.

Uma observação importante é que quando o foco da análise concentra- se sobre o macrossegmento industrial, com abordagem sobre as etapas de processamento do alimento, deve-se falar em boas práticas de fabricação (BPF). De modo análogo, se a abordagem estiver sobre a rotina de trabalho nas operações que envolvem a manipulação direta do alimento, considerando os condicionantes humanos, materiais e ambientais, o enfoque são as boas práticas de higiene (BPH). Portanto, entende-se que o termo BPA deva ser aplicado com abordagem sobre o macrossegmento rural dos sistemas agroindustriais, abrangendo desde as etapas iniciais de preparo do solo até o armazenamento pós-beneficiamento.

A variedade de aplicação dos princípios das boas práticas (BP) é muito grande: BP de manejo do rebanho, BP laboratoriais, BP de serviços, BP de pesca, BP de distribuição, etc. É preciso estar atento ao fato que cada relação de procedimentos possui elementos próprios de caracterização e direcionamento do seu foco de aplicação.

Nos manuais de BPA vistos na literatura, percebe-se que os autores têm definido duas amplitudes de análise: a setorial, considerando as variedades inseridas em determinado grupo de culturas (ex.: BPA para o cultivo de hortaliças, BPA para o cultivo de frutas; BPA para o cultivo de raízes e tubérculos); ou a específica, considerando uma cultura única (ex.: BPA para o cultivo de tomate; BPA para o cultivo de mandioca).

Neste caso, a definição das BP segue os princípios gerais, mas se baseia nas características particulares de uma determinada cultura. Toda linha de ação proposta se refere a suas especificidades de cultivo. Além dessa adaptação à cultura produzida, cada país define as BPA para suas culturas de acordo com as tecnologias e os recursos disponíveis e os sistemas de produção conhecidos.

As BPA começaram a ganhar ênfase mundial quando passaram a fazer parte das recomendações oficiais do Codex Alimentarius, comissão vinculada à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e à Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa comissão é reconhecida mundialmente como essencial para a produção e comercialização do alimento seguro.

Os passos iniciais foram dados em 1995, com a publicação dos Princípios da Inspeção e Certificação para a Importação e Exportação do Alimento (CAC/GL 20-1995) que, dois anos depois, embasaram a elaboração de um outro documento intitulado Diretrizes para o Projeto, Operação, Avaliação e Acreditação de Sistemas de Inspeção e Certificação para a Importação e Exportação do Alimento (CAC/GL 26-1997).

Este último, tinha o objetivo de orientar os países e blocos econômicos, que já apresentavam preocupação com a questão da produção e importação do alimento seguro, a definirem sua regulamentação e relação de exigências a partir de um padrão que tivesse equivalência internacional, facilitando o comércio globalizado dos gêneros alimentícios (FAO/WHO, 1997).

Em 2003 as BPA compuseram oficialmente a filosofia de trabalho da FAO. Durante a XVII Sessão do Comitê de Agricultura da FAO (31 de março a 04 de abril de 2003), foi apresentado o artigo Development of a Framework for Good Agricultural Practices, uma explanação sobre os conceitos, os fundamentos e a importância das BPA como código de práticas padrão entre os países. A FAO passaria a recomendar que todas as ações futuras, governamentais, privadas e do terceiro setor, relacionadas à produção agroalimentar, fossem delineadas necessariamente pautadas nas BPA.

Para conciliar os objetivos internacionais quanto à redução da fome e a promoção da segurança alimentar, o documento da FAO estabeleceu quatro princípios fundamentais para as BPA, segundo os quais as atividades agrícolas, indistintamente, passariam a ter que (FAO, 2003):

a) Produzir alimento suficiente, seguro e nutritivo, de forma lucrativa e eficiente;

b) Preservar e recuperar os recursos naturais;

c) Manter a viabilidade da empresa agrícola e o auto-sustento; d) Conhecer a demanda social e cultural da sociedade.

As BPA oferecem ao produtor técnicas de manejo e de gestão que possibilitam a inserção de seu produto em mercados mais competitivos e mais lucrativos. Adotá-las, no entanto, implica em uma série de adequações em seu processo produtivo e em seus métodos de gestão. Normalmente, a realização dessas adequações exige, antes, a reformulação de alguns conceitos sociais, culturais e ambientais enraizados.

O produtor passa a ter que seguir certas diretrizes relacionadas à gestão econômica e financeira de sua propriedade, atender a requisitos de gestão ambiental relacionados ao tipo de cultura em questão e adaptados à sua região (solo, clima, relevo, disponibilidade de água, área de plantio, biodiversidade, etc.), rever seu sistema de cultivo e controle de pragas e doenças, avaliar sua estrutura física, atender a legislação trabalhista e as condições mínimas de bem-estar de seus funcionários, entre outras exigências.

Produtores praticantes de BPA atuam em conformidade com muitos princípios do desenvolvimento sustentável, o que lhes assegura a entrada em mercados cativos no exterior. Mediante, é claro, o cumprimento de outros requisitos que vão além das BPA. De qualquer forma, o produtor com BPA já deu um grande passo nesse sentido. Ao mesmo tempo, os elos que o sucedem na cadeia produtiva têm mais tranquilidade com relação ao alimento adquirido, principalmente porque são produtos que possuem um padrão de qualidade predefinido.

As BPA são amplamente recomendadas ao redor do mundo por associações de produtores, haja vista a preocupação crescente das populações dos países desenvolvidos, principalmente aqueles que formam os grandes mercados consumidores, em pôr à mesa alimentos cada vez mais saudáveis. As recomendações gerais de BPA para o produtor rural incluem o uso correto de defensivos, fertilizantes e adubos inorgânicos, com o abandono total e definitivo do uso de produtos que contêm em sua fórmula substâncias ativas proibidas.