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4 ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

4.5 A ECT como referencial de análise da produção agroindustrial

4.5.2 Coordenação e estruturas de governança

O risco de ter a quase-renda apropriada pelo agente oposto evidencia a importância das estruturas de governança em transações específicas. Farina (1999, p.150) explica que “governar a transação significa incentivar o comportamento desejado e, ao mesmo tempo, conseguir monitorá-lo”. De acordo com Williamson (1985), as estruturas de governança são mecanismos econômicos construídos para reduzir os custos de transação.

Nos setores agroindustriais, de um modo geral, as negociações se estabelecem por meio de relações contratuais formais e acordos de cooperação informais de longo prazo. Embora a informalidade e a longevidade possam parecer atributos incompatíveis para um relacionamento comercial, nem sempre os contratos se apresentam como estruturas formais e escritas. Acordos de negócios são comumente firmados sem que se defina um prazo para o término das negociações, o que configura seu caráter de longo prazo (AZEVEDO, 2007).

Os agentes produtivos se relacionam, basicamente, com fornecedores de insumos, cooperativas, firmas processadoras, supermercados e agentes financeiros, de corretagem, armazenamento, renegociação e distribuição – incluindo os traders, dealers e outros atravessadores. Produtores rurais também costumam

se organizar horizontalmente, mediante acordos informais de produção ou em associações (ZYLBERSZTAJN, 2005).

Em negociações que envolvem pouca especificidade e produtos ofertados por um número muito grande de produtores, a governança pode ser obtida por meio do sistema de preços. De uma forma, aliás, generalizante. Transações específicas, entretanto, envolvem competição pela quase-renda e requerem governança apropriada.

O conceito de descomoditização de Fitter e Kaplinsky (2001) pode ser aplicado ao caso do café, e ajuda a elucidar essa correlação. Em sistemas comoditizados, espera-se que a implementação de estratégias de competitividade, como a segmentação pela qualidade ou a diferenciação do produto, gere quase- renda ao produtor. Em contrapartida, estratégias desta natureza elevam a especificidade dos ativos nas transações entre um segmento e outro da cadeia.

O estudo de Farina (1994) demonstrou a incompatibilidade de aplicação de uma mesma forma de governança em subsistemas diferentes de uma commodity agrícola. No subsistema de cafés especiais, por exemplo, as relações contratuais entre os segmentos são bem mais complexas do que no subsistema de café commodity. As etapas de produção, beneficiamento e transformação, no primeiro caso, formam um subsistema que, comparado ao segundo, opera com graus elevados de especificidade de ativos.

A complexidade das relações contratuais aumenta ainda mais se observadas as inúmeras possibilidades de diferenciação e segmentação na produção de café, conforme destacado por Saes, Escudeiro e Silva (2006). Os atributos manipuláveis relacionam-se a uma gama de conceitos que não se restringem à questão da qualidade final da bebida, mas que também representam valores ganhadores de mercado. A maioria postos à tona recentemente, como a produção orgânica, a preservação ambiental e a responsabilidade social.

O importante a ser ressaltado é que, enquanto o subsistema do café commodity permite que as negociações entre os segmentos sejam coordenadas pelo sistema impessoal de preços (mesmo que esta coordenação seja imperfeita), os custos de transação tornam inviável a aplicação deste mecanismo na governança das relações do subsistema de cafés especiais. A coordenação pelo sistema de preços não consegue garantir, aos agentes, retorno sobre seus investimentos específicos (FARINA, 1997).

Para que as estratégias de competitividade consigam obter sucesso, portanto, é necessário que a governança das transações específicas seja realizada

por contratos mais bem elaborados e distintos, de acordo com o grau de especificidade dos ativos envolvidos. Segundo Farina (1999), transações específicas devem ser regidas por contratos que, no mínimo, predefinam instrumentos de incentivo, como prêmios por resultado, e de controle, como multas e auditorias.

Para Zylbersztajn (1995), além de instrumentos de incentivo e controle, contratos específicos devem incorporar também o atributo da adaptabilidade. O autor distingue as necessidades de adaptação em dois conjuntos: um que engloba aquelas que, por serem induzidas pelo mercado e pelo sistema de preços, não requerem interferência institucional para se efetivarem; e o outro que engloba as adaptações que ocorrem mediante ações institucionais. O essencial das funções contratuais é compatibilizar a eficiência dos sistemas produtivos com os atributos da transação e os desequilíbrios do meio externo.

As formas de governança nos setores agroindustriais podem ser estudadas a partir de várias vertentes, tomando-se separadamente as relações intra e intersegmentos. A este estudo interessam, particularmente, as relações contratuais entre produtores e a indústria de transformação e os mecanismos de coordenação horizontal empregados no segmento de produção.

Sob a óptica da ECT, Allen e Lueck (2004) estudaram as formas de governança e de organização na agricultura norte-americana. O estudo tematizou os riscos e os custos de transação envolvidos nos relacionamentos. Sob este contexto, os autores desenvolveram e testaram modelos econômicos para analisar o papel dos incentivos contratuais sobre a predisposição dos agentes em compartilhar riscos numa transação.

Na realidade a obra aborda, essencialmente, os contratos de uso da terra e arrendamento, embora também mencione contratos de insumos e produção. O interessante é a ampliação da análise a questões relacionadas com a estrutura organizacional da firma agrícola. Segundo os autores, fatores como a sazonalidade e os custos de oportunidade agem instintivamente sobre a tomada de decisão das firmas, influenciando os ganhos de especialização e os custos de contratação.

A estrutura organizacional da firma define sua estrutura de governança interna. De acordo com Farina (1999, p.157), “como as estruturas organizacionais podem variar entre as empresas, para um mesmo nível de especificidade de ativos, a estrutura de governança adotada pode variar, ainda que todas procurem minimizar os custos de transação”.

Assim, deve-se perceber que não há como determinar, a priori, qual estrutura de governança terá melhor desempenho em determinada transação. A

eficiência do mecanismo se baseia em quão bem ele consegue administrar as características específicas da transação. Para a ECT, as transações podem ser submetidas a três formas de estruturas de governança: mercado, hierárquica e híbrida (WILLIAMSON, 1985, 1991a; WILLIAMSON & MASTEN, 1999).

A forma via mercado está associada a contratos do tipo clássico e acontece, fundamentalmente, por meio do sistema de preços. As transações coordenadas desta forma são isoladas e não sofrem influência das ações ou expectativas dos agentes. O contrato clássico e a coordenação via mercado são objetos da teoria econômica neoclássica, sendo sustentados pelo conceito da competição perfeita (ZYLBERSZTAJN, 2005).

A forma hierárquica envolve integração vertical por parte da firma. Segundo Williamson (1985), trata-se da aquisição do controle gerencial hierárquico de etapas da produção sucessivas e tecnologicamente individuais. A firma, neste caso, toma para si a propriedade dos ativos envolvidos, internalizando atividades à jusante e/ou à montante, movida pelo propósito da unificação do controle decisório. Na forma híbrida, uma característica marcante dos contratos é a flexibilidade de seus termos, o que possibilita aos agentes a renegociação. Por outro lado, eles são envoltos por complexidade e criam dependência bilateral entre as partes. A governança híbrida acontece por meio de um conjunto de regras especificamente definidas para uma determinada relação. Os termos contratuais são periodicamente revistos para preencher as lacunas detectadas ou adaptar o instrumento às mudanças ambientais externas. Esse esforço visa dar continuidade à relação (WILLIAMSON & MASTEN, 1999; ZYLBERSZTAJN, 2005).

Os contratos, na forma de governança híbrida, são usualmente denominados contratos relacionais. Baker, Gibbons e Murphy (2002) consideram como contratos relacionais os acordos informais de parceria, que se prolongam no tempo e diminuem gradativamente os custos de contratação para os agentes. Zylbersztajn (2005) entende que o comportamento relacional rege a maioria das decisões de governança em alianças estratégicas, negociações trabalhistas e contratos para suprimento de matérias-primas, que são exemplos de relações contratuais onde os agentes trabalham por sua continuidade.

O padrão dos contratos, em cada uma das três formas de governança, pode ser definido pelo dimensionamento de três instrumentos contratuais, previamente apresentados: adaptação, incentivo e controle. Cada instrumento apresenta determinada intensidade de acordo com a forma da governança, como pode ser visto no Quadro 4.1.

Quadro 4.1 – Padrões contratuais de acordo com a intensidade de seus instrumentos e a forma

de governança.

Instrumentos contratuais

Governança

Mercado Híbrida Hierárquica

Incentivo forte semiforte fraco

Controle fraco semiforte forte

Adaptação A forte semiforte fraco

Adaptação C fraco semiforte forte

Fonte: Adaptado de Williamson (1991a) e Zylbersztajn (2005).

A adaptação, em tese, pode ser de três tipos: A, B ou C. As adaptações do tipo A ocorrem unicamente em função dos sinais de mercado, sinalizando a autonomia das partes (estrutura organizacional desverticalizada) e riscos menores. Não há a necessidade de intervenção para provocar a reação dos agentes: os ativos não são específicos, as salvaguardas contratuais são desnecessárias e vale a concorrência preço.

As adaptações do tipo C ocorrem em resposta a uma intervenção, pois os sinais de mercado são insuficientes para provocá-la. Por serem os ativos específicos, há a prioridade por negociações que possam ser estabelecidas por longo prazo. Os contratos precisam ser munidos de salvaguardas e instrumentos de incentivo e os preços não são dados pelo mercado, mas negociados entre as partes.

As adaptações do tipo B são consideradas, mas não esperadas. A ECT percebe ser inconcebível os arranjos em que há especificidade de ativos, mas os preços não são negociados entre as partes e os contratos são isentos de salvaguardas. (WILLIAMSON & MASTEN, 1999; ZYLBERSZTAJN, 2005).