• Nenhum resultado encontrado

4 ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

4.5 A ECT como referencial de análise da produção agroindustrial

4.5.4 Competitividade e criação de valor

O conceito de valor é largamente utilizado, principalmente, na área de marketing. De acordo com L. Oliveira (2004), a concepção original da criação de valor remonta a teorias econômicas de maximização do valor de ativos e recursos da firma, incluindo aqueles em posse de seus acionistas. No âmbito da NEI, a TCM emprega a noção de valor da transação, dedicando-se a maximizá-lo com a progressiva redução dos custos incorridos na mensuração dos atributos dos produtos negociados.

Anderson e Narus (1998; 2004) utilizam o conceito balizado em indicadores financeiros de aumento da lucratividade, seja pelo aumento de receitas ou pela diminuição de custos. Ao passo que Wilson (1995) e Ravald e Grönroos (1996) preferem adotar uma definição mais ampla para valor, vinculando-o a ganhos de natureza não monetária, como posicionamento de mercado, competências e sustentabilidade socioambiental.

Aplicando-se o conceito sintetizado por Padoveze (1999) ao setor produtivo, a criação de valor pode ser entendida como o aumento do valor

econômico de um produto. Este aumento representa a diferença entre o valor percebido do produto, pelo comprador, no momento t, e o valor percebido por ele em momento anterior, t - n. O termo ‘comprador’, neste caso, pode não se referir a uma firma isolada, mas a um conjunto específico delas: a carteira de clientes de um fornecedor para um dado produto, por exemplo.

Esta é a linha de raciocínio que se quer buscar. Sem adentrar a teoria da criação de valor, é possível entender que o aumento no valor percebido de um produto, pelo cliente, pode estar correlacionado com a sua predisposição, mesmo que ainda não convicta, em remunerar o produto fora da concorrência preço. Para o fornecedor, isso pode significar uma melhoria de retorno sobre os investimentos envolvidos na negociação, incluindo os específicos.

Pela perspectiva da ECT, as firmas tentam continuamente, dentro do limite de sua racionalidade, encontrar formas de reduzir os custos de transação. Por isso as estruturas de governança nos relacionamentos interfirmas são tão distintos. Dependendo dos fatores comportamentais e ambientais, os custos de transação podem encarecer muito uma negociação, chegando ao ponto de inviabilizá-la (SAES, 2008).

Assim, negociações bem conduzidas teriam a capacidade de criar valor para os agentes, por meio da redução dos custos de transação. Segundo a autora, para que isso ocorra é necessário que as estruturas de governança adotadas contribuam para a melhoria da coordenação entre os agentes, ou permitam a exploração de atributos antes inexplorados dos bens. Nesta segunda hipótese, mediante a redefinição dos direitos de propriedade.

Segundo Foss (2006), o estabelecimento dos direitos de propriedade efetua-se pela agregação de um conjunto de atributos. A ECT percebe esse conjunto de atributos como um recurso da firma. E entende que as atividades que acarretam na agregação de atributos, ou seja, na aquisição de um recurso, são atingidas por custos de transação. Por isso, sendo os recursos disponíveis específicos ou não, eles acabam ditando caminhos para a criação de valor. Daí a necessidade de redefini- los.

Para Williamson (1996; 1998), a redução dos custos de transação e a melhoria da coordenação entre os agentes são atividades inter-relacionadas, sendo logradas pelo alinhamento da estrutura de governança com os atributos transacionais: especificidade dos ativos, incerteza e frequência. O fato das firmas negociarem com custos de transação baixos, para o autor, significa uma ganho de competitividade.

Pela visão de Coutinho e Ferraz (1995), a competitividade das firmas é determinada por três conjuntos de fatores: internos, estruturais e sistêmicos. Os fatores internos são aqueles que estão efetivamente sob o controle de sua gestão e dizem respeito a sua capacidade de administrar o negócio, inovar, otimizar os processos e gerir a informação, as pessoas e os relacionamentos intra e interinstitucionais.

Os fatores sistêmicos relacionam-se ao ambiente macroeconômico, envolvendo aspectos sociais, políticos, legais e infraestruturais. A empresa pode, no máximo, exercer alguma influência sobre eles, mas não controlá-los. Os fatores estruturais, embora não possam ser totalmente controlados pela firma, situam-se parcialmente em sua área de influência. Tais fatores, que caracterizam o ambiente competitivo em que a firma está inserida, são particulares a cada tipo de produto. Assim, referem-se exclusivamente à estrutura de seu mercado.

No caso do café beneficiado, do lado da demanda os fatores estruturais da competitividade são formados pelo conjunto de características e exigências que configuram a indústria de torrefação e moagem (tanto no mercado interno, quanto no mercado externo). Do lado da oferta, pelas características dos sistemas produtivos e pelas estratégias de produção e comercialização. Lateralmente, pelo tipo de concorrência e arranjos horizontais. E, entre os segmentos, pela natureza dos relacionamentos e tipos de estruturas de governança adotadas.

Para Porter (1999), as empresas conseguem adquirir vantagens competitivas por meio de duas estratégias fundamentais: liderança em preço ou diferenciação de produto. A estratégia da liderança em preço baseia-se na redução de custos para a firma, enquanto a diferenciação de produto envolve a criação de valor para os clientes. A redução de custos deve abranger os custos de produção e os de transação, embora Porter tenha enfatizado apenas os primeiros.

Mas a questão relevante é a criação de valor para o cliente. Segundo o autor, ela pode ser alcançada pela redução de custos para o cliente ou pelo aumento de sua percepção sobre o valor do produto. Seguindo o pensamento de Woodruff e Gardial (1996) e Padoveze (1999), criar valor para o cliente é um recurso estratégico que busca fidelidade de compra e significa ampliar a satisfação do cliente com o produto ofertado. O sucesso da estratégia possibilita à firma manter relacionamentos por longo prazo.

Uma cooperativa de cafeicultores atenta a sua competitividade consegue criar valor para a indústria das duas formas: reduzindo custos para o cliente e aumentando o valor percebido de seu produto. A redução de custos para a

indústria pode ser alcançada, por exemplo, otimizando a fluidez nos canais de distribuição, padronizando produtos, realizando transações recorrentes, cumprindo os termos contratuais com fidelidade e melhorando a qualidade do produto.

O aumento da percepção da indústria sobre o valor do produto ofertado pode ser conseguido, além de outras estratégias, com a melhoria da imagem e reputação da cooperativa, investimento em marketing, portfólio de clientes ou, também, com a melhoria da qualidade do produto, desde que os atributos de qualidade fiquem evidentes ao comprador. Se a indústria percebe o produto com valor acima daquele que é ofertado no mercado aberto, coordenado apenas pelo sistema de preço, tende a aceitar pagar pela diferenciação, o que geraria quase-renda ao elo produtivo.

Isso não quer dizer, entretanto, que o ofertante conseguirá absorver essa quase-renda. Na ligação entre os segmentos de produção e de industrialização, na cadeia do café, o número de agentes à montante é muito superior ao de agentes à jusante. Mesmo o comprador percebendo o valor adicionado ao produto, pode ser que haja regateio. Ainda que não existam tantos ofertantes com o mesmo padrão de qualidade do produto.

Há pouca interdependência entre os agentes econômicos e isso dificulta uma melhor captação de quase-renda. Sem esta interdependência, Silva (2002) entende ser difícil sobrepujar o sistema de concorrência em preço, pois a participação dos agentes demonstra não ser preponderante o suficiente para influenciar a definição do preço ou a reformulação da estrutura de mercado. Num cenário assim, é fundamental que as empresas criem valor para o cliente e consigam exercer certa influência, mesmo que localizada, sobre o mercado.

Conforme explanado anteriormente, o sistema vigente de classificação do café beneficiado favorece a concorrência em preço e dificulta a ascensão de produtos diferenciados pela qualidade. A própria estrutura do mercado de café, portanto, coloca-se como obstáculo para que a cafeicultura crie valor para a indústria pela ampliação da percepção do valor do produto.

Nenhuma estrutura de mercado, porém, deve ser vista como definitiva e a fixação de novas regras para o seu funcionamento, que permitam uma redefinição dos preços, é perfeitamente factível. O estudo de Zylbersztajn, Farina e Santos (1993) mostrou a existência de poucos contratos formais de fornecimento no mercado do café beneficiado. Isso implica que a eficiência da cadeia produtiva ao longo dos elos à jusante depende, fundamentalmente, da adequação do sistema de padronização do produto.