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4 ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

4.4 Dimensões das transações

4.4.1 Especificidade de ativos

A especificidade de ativos diz respeito à desvalorização que um ativo venha a sofrer caso uma negociação anunciada deixe de acontecer, seja por desistência ou quebra de contrato. Quando isso ocorre, é natural que as partes tentem encontrar uma alternativa para a manutenção do valor do ativo. Em se tratando de ativos com alta especificidade, em virtude dos problemas de adaptação

Autointeresse Racionalidade

Racionalidade maximizada

Oportunismo

Nível forte Nível moderado Nível fraco

Racionalidade orgânica Obediência Racionalidade limitada Autointeresse simples

Homem econômico Homem contratual

Homem contratual Homem econômico

Fonte: Adaptada de Pessali (2006).

Figura 4.1 – Diferença gradual dos pressupostos comportamentais do homem econômico e do

e realocação de recursos, elas dificilmente terão sucesso e ambas perderão (WILLIAMSON, 1985).

O custo que envolve as transações com ativo específico é tão maior quanto mais exclusivo o ativo for. Se um ativo é demasiadamente específico a uma determinada negociação, significa que esta negociação é de alto risco para o agente que realizou o investimento naquele ativo. É bastante improvável que ele consiga recuperar esse investimento, sem perdas, caso tente realocar o ativo em outra transação, se a primeira falhar. Há casos em que esse reaproveitamento é zero. Por isso, quanto mais específico o ativo, maiores os custos de transação envolvidos.

O interesse em manter a transação tende a ser maior da parte que tiver realizado investimentos específicos. Essa parte desprenderá maiores esforços para viabilizar o negócio diante de um iminente distrato, o que caracteriza uma situação de dependência unilateral. Caso as duas partes tenham realizado investimentos específicos, o interesse na manutenção do contrato será recíproco, demonstrando haver dependência bilateral. Ambas as situações representam fator de risco e afetarão a arquitetura do contrato (ZYLBERSZTAJN, 2000).

De acordo com Williamson e Masten (1999), a especificidade pode se apresentar de seis diferentes formas, segundo o fator gerador. A primeira delas é a especificidade gerada por fatores locacionais (site specificity), que ocorre quando sucessivas etapas do processo de produção necessitam ser posicionadas em relativa proximidade geográfica, umas das outras, de modo a reduzir os custos de estoque e transporte. Em situações desta natureza, a substituição da parte na transação pode representar o custo da transferência de unidades produtivas.

A segunda forma é a especificidade gerada por ativos físicos (physical asset specificity), que ocorre em situações em que uma determinada etapa da produção é demasiadamente especializada, necessitando de processos únicos. A terceira é a gerada pela especialização do capital humano (human-asset specificity), caracterizada pelo desenvolvimento do conhecimento do tipo learning by doing e cujos limites de utilidade são definidos pelas características da transação.

A quarta forma é a especificidade da marca (brand name specificity), associada à alocação de recursos em divulgação, criação de logotipos e demais estratégias de marketing, com o objetivo de lançar um produto no mercado, reestabelecer a reputação de um produto existente ou promover uma campanha específica. A quinta é a gerada pelo investimento, mesmo que discreto, em ativos que visam o atendimento de exigências particulares da outra parte. Nesta forma de

especificidade, gerada por ativos dedicados (dedicated assets specificity), os recursos envolvidos não necessariamente compõem o capital fixo.

Por fim, a sexta forma de especificidade apontada pelos autores é a especificidade gerada pelo tempo (temporal specificity), quando o sincronismo e a coordenação entre etapas distintas são elementos vitais para o processo. Envolve tanto fatores locacionais quanto de capacitação humana, além do uso de recursos ou tecnologias complementares. Pode ser vista como um desmembramento da especificidade locacional.

Os conceitos envolvidos nesta dimensão são cruciais para a compreensão da ECT. O grau de especificidade de um determinado ativo representa o quanto do seu investimento será perdido, caso a melhor expectativa quanto à negociação que o envolve não se confirmar. Qualquer outra negociação, que não a esperada, implicará em custos de transação, uma vez que os investimentos em ativos específicos não podem ser realocados para outras finalidades, sem incorrer perdas.

Desse modo, quanto mais específico for o ativo, maior será a sua relação com o chamado sunk cost do investimento. Conforme definição de Arkes e Blumer (1985), sunk cost é o custo que engloba as despesas que se tornaram irreversíveis em um negócio. Aproveitando o exemplo dado por Azevedo (1997b), se uma máquina é comprada para atender a uma determinada negociação específica, trata-se de um ativo específico. Se esta mesma máquina, que já não poderia ser aproveitada em outra ocasião, torna-se inegociável, trata-se de um sunk cost.

4.4.2 Incerteza

A segunda dimensão das transações, a incerteza, possui pressupostos semelhantes aos que norteiam a racionalidade limitada e o oportunismo. A dificuldade dos agentes em enxergar todas as contingências envolvidas e as dúvidas quanto ao comportamento alheio criam um ambiente de incerteza na negociação, representando um sério problema para a tomada de decisões. O excesso de zelo nos contratos é uma resposta a esses distúrbios, que desapareceriam se a racionalidade não fosse limitada e se não houvesse oportunismo (WILLIAMSON, 1985).

Azevedo (2000) mostra que incerteza, racionalidade e autointeresse relacionam-se entre si. A incerteza aumenta a complexidade dos problemas econômicos e os limites da racionalidade impedem que eles sejam resolvidos. Como racionalidades diferentes compreendem o contexto de forma diferente, abre-se

espaço para o oportunismo. Dadas estas inter-relações, é importante distinguir que racionalidade limitada e oportunismo são características dos agentes, enquanto a incerteza é uma característica do ambiente.

Para Zylbersztajn (2000), a incerteza está associada à impossibilidade de previsão da situação futura. Em ambientes macroeconômicos instáveis esta dificuldade é mais acentuada, podendo a incerteza advir da variância dos eventos ou do fato de estes serem desconhecidos (NORTH, 1990; WILLIANSOM, 1991b).

A variância dos eventos é dada pela probabilidade de os distúrbios do ambiente se tornarem, com o tempo, mais numerosos ou mais intensos. Por sua vez, eventos desconhecidos tornam a distribuição e a importância dos distúrbios também desconhecidas.

Dessa forma, a incerteza interfere na elaboração das estruturas de governança das instituições, expondo novamente os limites da racionalidade dos agentes. Ambientes instáveis e, por conseguinte, incertos, não permitem que os agentes redijam cláusulas contratuais que condicionem a distribuição dos resultados futuros ao panorama externo, pois este é desconhecido no momento da transação e, ainda mais, no tempo.

Arrow (1984) afirma que a incerteza gera um acúmulo de considerações à formalização dos acordos, impossibilitando a elaboração de contratos completos. Para Pondé, Fagundes e Possas (1997), a maior ou menor capacidade dos agentes em prever os acontecimentos futuros estimula a criação de formas contratuais flexíveis. Essa flexibilidade é imprescindível, diante da incerteza do ambiente, pois a possibilidade do surgimento de eventos não antecipados demanda a necessidade de mecanismos que viabilizem a adaptação da relação entre os agentes econômicos. Principalmente em se tratando de relações de longo prazo.

Ambientes de incerteza diminuem bem mais a eficácia relativa das estruturas de governança do que ambientes previsíveis, pois as lacunas que os contratos não conseguem cobrir são ainda maiores. Um número amplo e desconhecido de acontecimentos futuros não pode ser previsto, ampliando o espaço para renegociações. Quanto mais renegociações houver, maiores serão as possibilidades de perdas ocasionadas por comportamento oportunista ou por desentendimento das partes (FARINA, 1999).

Por este ângulo, nota-se que a incerteza pode, também, estar associada à desconfiança quanto ao comportamento individual dos agentes, colocando em evidência o pressuposto do oportunismo. Os agentes podem, eventualmente, pressentir que sua contraparte na negociação esteja propensa, por

meio de manipulação ou ocultamento de informações, ou mesmo de suas intenções reais, a tentar auferir lucros além dos que lhe foram originalmente previstos. O que configuraria uma violação nos termos contratuais iniciais.

Neste caso, conforme demonstrado por Pondé, Fagundes e Possas (1997), o ambiente de incerteza advém do fato de a informação ser dominada de maneira incompleta ou assimétrica entre as partes. Ainda assim, os acordos são firmados, visto que o custo de adquiri-la em totalidade tende a ser maior do que o risco da negociação. Entretanto, se na vigência do contrato esse risco se revelar inaceitável, a reação de defesa mais provável seria a interrupção da transação ou a renegociação.

A abordagem da incerteza com ênfase na questão informacional pode ser vista, principalmente, no campo da Economia da Informação, em obras de autores como Akerlof (1970), Jaffee e Russell (1976), Salop e Salop (1976), Milgrom e Roberts (1992) e, de forma mais eminente, em Arrow (1984). Esses estudos tematizam os conceitos de risco moral e de seleção adversa e discutem o uso intencional de informações privilegiadas, pelos agentes econômicos, em benefício próprio. Não fortuitamente, o comportamento oportunista é tratado de forma vinculada com o ambiente de incerteza.

O problema de seleção adversa ocorre quando um agente não dispõe de informações necessárias suficientes em uma negociação, mostrando-se inseguro a respeito de sua realização. A seleção adversa, portanto, impõe fatores restritivos às transações (AKERLOF, 1970).

O conceito de risco moral exprime o comportamento pós-contratual do agente que detém uma determinada informação pertinente à negociação, mas nega a sua partilha para dela tirar proveito sobre a contraparte, ocasionando-lhe prejuízo. O risco moral cria ameaça quanto à completude das transações (ARROW, 1984).

Uma commodity agrícola, como o café, corresponde a um ativo de alta especificidade, cuja transação é sempre envolta em incertezas devido às suas características intrínsecas (atributos de qualidade). Carvalho e Paulilo (2006, p.373) afirmam que “a incerteza está ligada ao oportunismo dos atores [...] ex ante (problemas de seleção adversa) e ex post (problemas de risco moral)”. Transações com produtos agroindustriais tendem a ser menos providas de incerteza, na medida em que mecanismos de controle universalmente aceitos sejam implantados, como os programas de certificação e garantia.

Os autores explicam que, no mercado de commodities agrícolas, é possível amenizar o oportunismo ex ante preestabelecendo parâmetros confiáveis que forneçam as informações necessárias aos agentes, no ato da transação. Incluem-se entre esses parâmetros, além dos selos de certificação e garantia, os contratos formais e a marca própria.

Por outro lado, o oportunismo ex post é mais difícil de ser coibido devido à sua imprevisibilidade, adquirida em função da existência de informações e ações que não podem ser observáveis. A reputação conhecida do agente oposto diminui parte da incerteza e ajuda a mensurar o risco moral existente.

O atendimento aos programas de certificação e a reputação positiva estimulam a elevação da confiança no agente que oferta a mercadoria. Obviamente, esta reputação somente será consolidada se a satisfação da outra parte, após o término da transação e em momentos posteriores, se confirmar. Assim acontecendo, cliente e fornecedor poderão recorrer à transação, no futuro, com redução da incerteza e, por conseguinte, com custos de transação menores. O que evidencia a terceira dimensão das transações, segundo a ECT: a frequência.

4.4.3 Frequência

A dimensão frequência diz respeito à periodicidade de ocorrência das transações entre os mesmos agentes. Transações recorrentes tendem a afetar a incerteza de modo inversamente proporcional: a menos que haja a incidência de fatores exógenos, o aumento da dimensão frequência possivelmente estará associado ao decréscimo da dimensão incerteza. A repetição contínua da negociação aumenta a reputação de um agente com o outro, permitindo que teores defensivos das cláusulas contratuais sejam amenizados, o que aponta uma queda nos custos de transação.

Williamson (1996) mostra que elaborar estruturas de governança específicas para as transações é algo custoso. A aceitação ou não desses custos está associada à perspectiva de retorno sobre os investimentos realizados em ativos específicos. A viabilidade da construção de mecanismos contratuais complexos costuma ser demonstrada pela diminuição da exposição da transação a atitudes oportunistas.

Quando o risco real da transação oferecer abertura a este tipo de atitude revela-se baixo, pode não ser justificável assumir um custo contratual alto. Há que se considerar se uma determinada negociação, que acontecerá uma única

vez, produzirá custos de transação suficientes para que se desprendam esforços para controlá-la. Um custo elevado decorrente de estruturas de governança complexas somente será recuperado se houver recorrência da transação.

Por outro lado, se a especificidade dos ativos envolvidos, em uma das partes, for demasiadamente elevada, a continuidade prolongada de uma mesma negociação pode levar a uma dependência unilateral tal, que a situação permita o desprendimento de ações oportunistas de difícil refutação. Os custos de renegociação certamente seriam altos, assim como os de quebra contratual.

Conforme sintetizado por Azevedo (1997b), a importância da frequência, para as transações, reside em dois aspectos fundamentais: primeiro, transações frequentes diluem os custos inerentes à elaboração de mecanismos contratuais complexos; segundo, a recorrência da negociação entre os mesmos agentes possibilita às partes se conhecerem melhor, fortalecendo valores mútuos associados à reputação e confiança.

Para Aubert, Rivard e Patry (1996), em transações de baixa frequência é normal que as firmas optem por assumir os riscos associados ao oportunismo dos agentes e à incerteza do ambiente, ao invés de criarem novos mecanismos de governança ou melhorarem os existentes. Neste caso, mecanismos de uso mais amplo tendem a atender as partes, satisfatoriamente. Quando as interações ocorrem com frequência maior, no entanto, torna-se viável utilizar mecanismos específicos, que possam se adaptar a situações específicas.

O aumento da frequência nas transações, de certa forma, está condicionado à diminuição do custo associado ao comportamento oportunista. Cipriani e Guarino (2008) argumentam que, à medida que as transações tornam-se frequentes, amplia-se a racionalidade dos agentes para lidar com questões contextuais semelhantes. Sob o ponto de vista do instrumental de jogos repetidos, Azevedo (1997b) discorre que (p.89):

Em um contexto de informação imperfeita, a repetição possibilita o aprendizado dos jogadores, reduzindo a assimetria informacional dada ex

ante. A relação continuada permite que se conheça as idiossincrasias de

cada parte, tornando o resultado da transação mais previsível. Esse aprendizado corresponde a uma redução da incerteza [...] e dos correspondentes custos de transação a ela associados.

De forma semelhante, Parkhe (1993) analisa a questão com foco nas alianças estratégias e na cooperação interfirmas. O estudo do autor mostra que relações frequentes contribuem para que o ambiente se torne menos instável e inseguro, o que propicia a maior interação entre os agentes.