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2 Relações com a leitura e a escrita

4.3 Análise de artigos de opinião produzidos pelos sujeitos

4.3.4 Análise do texto 4

4.3.4.1 O acabamento: tratamento exaustivo do objeto do sentido

A locutora-autora inicia o texto referindo-se a certo discurso de Lula por meio de um sintagma nominal definido (no discurso), sem que antes tivesse localizado esse discurso, como se o leitor previsto soubesse de qual discurso se trata. Logo em seguida, ao usar o termo

primeiro (...Lula fala 1º, grafadocom o numeral), sugere que vai sumarizar o que Lula teria dito em seu pronunciamento (para situar o leitor?), o que, porém, não chega a concretizar-se de todo.

Reprodução de alguns dos depoimentos apresentados para leitura, os parágrafos de 3 a 6 mostram que, possivelmente, a produtora ou não compreendeu bem a instrução ou teve dificuldade de proceder à articulação entre o seu dizer e os discursos citados. O segundo e o sétimo parágrafos, ambos bem curtos, fazem comentários genéricos sobre as reações das pessoas ao discurso de Lula. Parece ter sido propósito da produtora fazer com que esses parágrafos funcionassem como introdução e finalização das citações.

No último parágrafo, percebe-se a intenção da locutora-autora em dar acabamento ao texto, posicionando-se em defesa do presidente, com base na crença em sua honestidade e no muito que fez pelo país. No rascunho, observam-se sucessivas alterações na redação desse parágrafo, sugerindo a dificuldade da produtora em elaborar e articular, na escrita, opiniões e argumentos pessoais.

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4.3.4.2 Forma composicional: situação enunciativa e argumentação

A falta de um quadro cênico que localize a enunciação, a sua própria a do presidente, objeto de sentido do texto, mostra que a locutora-autora ainda não aprendeu como orientar o leitor previsto na interpretação de um texto escrito de gênero secundário.

A identificação dos atores sociais oscila entre a imprecisão decorrente do uso de sintagmas nominais de sentido genérico (algumas pessoas, muitos, as pessoas, eles) e a aparente precisão da identificação nominal dos locutores dos discursos citados, precisão praticamente anulada pela falta de referências claras às circunstâncias das enunciações (tempo, espaço, contexto social e político).

A dificuldade em estruturar, delimitar e articular frases sugere que a produtora tem um domínio restrito da escrita, o que parece interferir na elaboração de argumentos e conclusões e na discussão de pontos de vista. Alguns de seus “erros” de sintaxe (emprego do relativo

onde como conector universal, por exemplo), de concordância (a falta de concordância formal

entre obras e feitas na primeira frase) e de ortografia (a grafia -ão para representar o -am átono final de formas verbais ― derão por deram, no segundo parágrafo ― e a grafia do infinitivo do verbo sem o r final ― mostra por mostrar, no primeiro parágrafo ―) são reveladores da transposição direta do uso oral coloquial para um gênero escrito em que se espera o estilo escrito monitorado.

4.3.4.3 Autoria e endereçamento: o querer dizer do locutor

O uso do vocativo amigos pelo presidente em seu discurso é interpretado pela locutora- autora como sinal de humildade e indignação: ...usa a palavra “amigos” para se dirigir ao

público de maneira humilde para mostra sua indignação com pessoas de seu partido. Pelo

cotexto, as aspas parecem indicar não a discordância de pontos de vista entre a locutora-autora e o enunciador que orienta a fala do presidente, mas o destaque de um item lexical a ser tomado como palavra-objeto.

Nos parágrafos de 2 a 7, em vez de um locutor-argumentador, o texto mostra um locutor- relator distanciado, que apenas apresenta as falas de outros locutores, sem fazer de nenhuma delas argumento para o que pensa, talvez por acreditar que crenças e opiniões dispensem defesa.

Paráfrase do segundo, o sétimo parágrafo junta todos os depoimentos, independentemente de serem favoráveis ou contrários à posição assumida por Lula. A explicação-argumento da locutora-autora para isso estaria na frase final do oitavo parágrafo: Pois eles querem o bem de

nosso país, sem pessoas que sejam corruptas ou outras que só querem nos prejudicar. Do

mesmo modo que parece crer no governante provedor, aquele que faz muito pelo país, a locutora-autora crê nas boas intenções de todas as pessoas, sejam elas favoráveis ou contrárias a Lula. Daí o tom de conclamação da frase final (Juntos devemos lutar por um país sem

corrupção), marcada pela modalização de obrigatoriedade e pela fusão de enunciadores e co-

enunciadores, numa tentativa de denegar diferenças e conflitos.

No último parágrafo, a locutora-autora tenta esboçar um gesto argumentativo, mas, em lugar de discutir a posição de Lula com base em argumentos, reafirma a crença na preocupação e indignação do Presidente, e toma como premissa a passagem que contém o que deveria ser posto em debate: ...pois ele sempre foi a favor de uma política honesta.

Na minha opinião Lula se mostra muito preocupado e indignado com a crise política que envolve seu partido (pt) pois ele sempre foi a favor de uma política honesta. Pois devemos ver que Lula fez muito pelo país decorrente do seu mandato e não é uma crise que devemos crasificar (crucificar?) somente Lula mas todos os politicos.

4.3.4.4 Apreciação geral

A produtora parece não ter dominado ainda automatismos básicos da escrita. Há indícios de dificuldade motora (no manuscrito, aparecem “pontinhos” entre as palavras, como se ela tivesse de apoiar continuamente o lápis para continuar a escrever), enganos na cópia de enunciados de discursos citados; desatenção ou dificuldade em distinguir graficamente maiúsculas e minúsculas. Não domina ainda recursos de textualização suficientes para compor um texto escrito do gênero secundário. Embora dê a conhecer sua adesão ao discurso do presidente, parece não ter tido oportunidade de construir um modelo composicional do gênero artigo de opinião. Hesita entre a reprodução de opiniões alheias e uma tentativa de posicionamento pessoal, fundada não em argumentos, mas no princípio do eu acredito, que não parece ter sido abalado nem mesmo pelas diferenças entre os pontos de vista que ela própria transcreveu do material apresentado para leitura.