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Universidade de Lisboa

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Os engenheiros são agentes fundamentais [...] em qualquer processo de desenvolvimento sustentado.1

Desde o início do seu povoamento, a Madeira foi palco de enormes desafios que a natureza impôs aos seus povoadores. A orografia da Ilha da Madeira e a distância deste arquipélago ao Continente exigiram aos portugueses uma criatividade suplementar. Atraídos pela abundância de água, pelo clima e terrenos férteis, urgiu-se um espírito “engenhoso” capaz de captar estas riquezas naturais, que muito atraíram o Homem e nele semearam o desejo de desenvolvimento.

Em Portugal, tal como aconteceu no resto da Europa, o conceito de engenheiro esteve associado a um vasto conjunto de atividades liga- das a importantes projetos militares, como fortificações, cartografia, construção, portos e navegação. Com os desafios tecnológicos da era industrial, no séc. XIX, o engenheiro começou a ter uma afirmação crescente como identidade própria, “como veículo de progresso, bem- -estar das populações e da capacidade de mudança do mundo material”2

. Até ao século XIX, em Portugal, a formação de Engenharia era assegu- rada por escolas militares, numa simbiose entre Engenharia Militar e Civil. A formação de especialidades não-militares era feita em escolas estrangeiras, nomeadamente na Alemanha e em França. A relação com



1

Eng. José Manuel Consiglieri Pedroso, Ingenium - Revista da Ordem dos Engenheiros, n.º 12, Lisboa, 1996.

2

Ana Matos, Maria Santos, e Maria Diogo, “As raízes da Engenharia em Portu- gal”, in José Maria de Brito, Manuel Heitor e Maria Fernanda Rollo (coords.), Engenho e obra: Uma abordagem à História da Engenharia em Portugal no século XX, Lisboa, D. Quixote, 2002, p. 128.

o Exército só foi quebrada após a 1.ª República, com a fundação do Instituto Superior Técnico e da Faculdade Técnica do Porto, que fizeram surgir um reforçado reconhecimento social desta área de conhecimento, e das suas múltiplas especialidades de atuação transversal na sociedade. Independentemente da sua proveniência ser ou não militar, desde o início do povoamento da Madeira que o trabalho de muitos engenheiros (portugueses e estrangeiros) contribuiu para o desenvolvimento da Ilha em diversas áreas, como a defesa (construção de fortificações e portos),͒as comunicações (vias de transporte e telecomunicações), a sustentabili- dade e qualidade de vida (energia, saneamento, aproveitamento dos recursos naturais e ambiente) e͒a educação e investigação em Ciência e Tecnologia (ensino).

Uma das mais notáveis obras de arte de engenharia na Madeira são as Levadas. Considerado a espinha dorsal de todo o aproveitamento hidráulico da Ilha da Madeira, este grande empreendimento coloca a região como um bom exemplo de aproveitamento hidroelétrico. As Levadas são notáveis pelo seu comprimento e morfologia. Contornando serras e perfurando a rocha, foram estoicamente construídas ao longo de diferentes épocas, para captação de água do norte para o sul, ativida- des de regadio e produção de energia.

Nos transportes e comunicações, a Engenharia teve sempre um papel importante, ao criar ligações entre o arquipélago e o território continental e o mundo, quebrando o seu isolamento e favorecendo o seu desenvolvimento económico e cultural. A construção do Porto do Funchal é uma obra de vários projetos de engenharia que, ao longo de diferentes épocas e fases de construção, permitiram que a Madeira fosse ponto de passagem de muitas culturas, saberes e rotas comerciais. A inauguração do Aeroporto do Porto Santo, em 1960, e, quatro anos mais tarde, o voo inaugural no Aeroporto intercontinental da Madeira, trouxeram novas possibilidades de ligação deste arquipélago ao mundo. Como montra da notoriedade da Engenharia portuguesa, o Aeroporto da Madeira mereceu dois prémios referentes às suas obras de ampliação – o Prémio nacional SECIL, em 2001, e o Outstanding Structure Award, em 2004.

Tendo sido um nó de passagem das vias marítimas, a Madeira manteve uma importante posição geoestratégica nas modernas rotas das telecomunicações. Em 1874, foi inaugurado o cabo submarino telegrá-

fico que unia Lisboa ao Recife (Brasil), passando pela Madeira e Cabo Verde. Esta ligação assinalava a importância da Madeira como nó de ligação entre a Europa e o Atlântico Sul. A Madeira voltou a ser nó em ligações telegráficas, no início do século XX, entre a Inglaterra e a África do Sul, e na Segunda Guerra Mundial, entre Gibraltar e o Fun- chal. Em 1928, estabeleceram-se as primeiras ligações radiotelefónicas entre o Funchal e Lisboa. Atualmente, com os meios de comunicação digitais, a Madeira encontra-se inserida numa complexa rede mundial de cabos submarinos e comunicações via satélite, que a unem a todo o mundo.

A necessidade de autonomia e sustentabilidade no consumo de energia tem sido também um problema sobre o qual os engenheiros madeirenses se têm debruçado. Desde as primeiras levadas, a água da ilha foi vista como uma riqueza para a agricultura e uma fonte de energia. A energia hídrica, na Madeira, e eólica, no Porto Santo, foram desde cedo recursos energéticos utilizados pelo povo madeirense. No início do século XX surgiram as primeiras produções de energia hidroelétrica, de iniciativa privada. Em meados desse século, surgem as primeiras centrais hidroelétricas (serra d’Água e Calheta) para abastecimento da região. Atualmente, com centrais hidroelétricas dispersas por toda a ilha, a Madeira é exemplo interessante no aproveitamento hidroelétrico. Tam- bém no aproveitamento de outras fontes de energia, a Madeira serviu de ensaio para a inovação nacional: a primeira instalação fotovoltaica em Portugal foi inaugurada em 1983, na Selvagem Grande, para eletrificação autónoma do farol; em 1986, o Porto Santo foi palco para a instalação do primeiro parque eólico do país. A par com o desenvolvimento da engenha- ria no campo da produção de energia, o arquipélago da Madeira conta, atualmente, com a produção de energia eólica, hidroelétrica, fotovoltaica e térmica (incluindo uma central de incineração de resíduos sólidos urba- nos, recentemente instalada na Ilha da Madeira).

Até ao início do século XX, quando surgiu o primeiro automóvel na região, o transporte marítimo era a via de comunicação mais impor- tante. Apesar das veredas e estradas construídas ao longo do tempo, os “vapores costeiros” ligavam diferentes pontos da costa da ilha, assegu- rando o transporte de pessoas e mercadorias. Depois do aparecimento do automóvel, as vias de comunicação rodoviária que foram construídas são obras de arte em Engenharia Civil sobejamente reconhecidas. Termi-

nado em 1953, o troço da ER1 que unia São Vicente ao Porto Moniz, uma plataforma de estrada cravada na escarpa, foi imagem de muitos postais e fotografias de turistas. Este troço chegou a ser referido pela revista francesa Travaux nos seguintes termos: “não sabemos se deve- mos admirar mais os engenheiros que as estudaram e determinaram os traçados, se a mão-de-obra que realizou o trabalho nas condições de uma audácia espantosa”3

. A nova rede rodoviária da Ilha da Madeira, notória obra de Engenharia Civil, construída nas décadas de 80 e 90, veio revolucionar a acessibilidade e proximidade entre diferentes locais da ilha. Destaca-se a Ponte João Gomes, obra de arte que protagonizou o Prémio nacional SECIL em 1997.

A Engenharia tem estado presente em importantes intervenções nas áreas do ambiente e das florestas. No repovoamento florestal, nas técnicas agrícolas e de irrigação, na vinicultura, na proteção, preserva- ção e estudo de espécies botânicas, vários engenheiros deram importan- tes contributos com o seu conhecimento. Na área do saneamento, foi iniciado nos finais do século XIX um projeto de engenharia para sanea- mento e abastecimento de água potável no Funchal, concluído apenas em 1934. Atualmente, a instalação da Estação de Incineração de Resí- duos Sólidos Urbanos permitiu reduzir a quantidade de resíduos deposita- dos em aterro sanitário, esperando-se um impacto ambiental importante para a Madeira.

A formação de Engenharia na Universidade da Madeira, com a criação de laboratórios e equipas de investigação, permitiu dinamizar projetos nacionais e internacionais para a investigação em Ciência e Tecnologia, sendo um marco importante na cultura da Engenharia no arquipélago da Madeira.

Seguindo o princípio da ilha incubadora4, em que “as ilhas afasta-

das das regiões continentais têm sido, ao longo dos tempos, importantes laboratórios, plantados no meio dos oceanos, na rota do desenvolvimento da Humanidade”, a Madeira foi, ao longo da sua história, objeto de estudo,

de experimentação e de trabalho, em diferentes domínios da Engenha- ria. A recente história dos avanços tecnológicos tem gerado efeitos vertigi-



3

Carlos Bandeira, “A modernização da rede viária da ilha da Madeira”, Revista Engenharia e vida, n.º12, 2004, pp. 28-40.

4

José Manuel Melim Mendes, “Caminhada e o futuro energético do homem. Um olhar insular”, Islenha, n.º 33, Funchal, DRAC, 2003, pp. 183-184.

nosamente rápidos nos costumes do Homem. Porém, como protagonistas da implementação destes avanços nas sociedades modernas, os engenhei- ros nunca deverão descuidar de trabalhar os cálculos para estruturas de equilíbrio entre progresso e respeito pelo Homem e pela natureza, em particular neste encantador arquipélago atlântico que é a Madeira.

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