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As relações que desde o início se estabeleceram entre a Madeira e o continente foram de tipo colonial. Na verdade, o estatuto de colónia não resulta do facto de um espaço estar habitado à chegada do europeu, pois, se isso fosse condição, Cabo Verde nunca teria mantido este esta- tuto, na medida em que, como quase todas as ilhas atlânticas (exceto as Canárias), estavam desabitadas à chegada dos portugueses. A definição resulta fundamentalmente do relacionamento que se estabelece entre a metrópole e a região.

Ao nível político, o estatuto colonial carateriza-se por uma pro- funda distância das áreas em relação aos centros de poder. São os governadores e capitães generais que se comportam, de forma altiva, do interior da fortaleza do poder. São ordens despóticas. É a subserviência dos ilhéus, que reclamam, em Lisboa, através de procuradores e políti- cos, à mesa da coroa e do orçamento, umas magras migalhas da riqueza que remetem anualmente. É o sentimento de orfandade, perante uma autoridade paternalista e despótica. O regionalismo é, assim, a constata- ção dos desequilíbrios regionais e do colonialismo que define as rela- ções institucionais.

Ao nível económico e financeiro, esta relação revela-se na entrega de toda a riqueza. As culturas agrícolas são impostas para servir os caprichos da metrópole e todo o lucro se situa no esbanjamento dos recursos por um poder estranho e distante. O despontar do movimento autonomista resulta setor da circulação fora da ilha. Sucedeu assim com a cana-de-açúcar, que se transformou na galinha dos ovos de ouro para a Coroa portuguesa, entre finais do século XV e princípios do seguinte. Toda a riqueza resultante da exploração económica, impostos incluídos, é orientada para fora do espaço que a cria. Tão pouco sucede um investi-

mento na valorização do local. O pouco que retornava surge sob a forma de caridade da própria Coroa, sob a forma de oferta. O Rei D. Manuel foi, de todos, o mais caridoso para com os madeirenses, mas também o que mais auferiu das riquezas da ilha. Distribuiu benesses e obras de arte aos madeirenses. Mas a dívida à dádiva dos madeirenses era maior.

As finanças do reino foram demarcadas por um permanente deficit, pelo que a Coroa teve necessidade de se socorrer de diversos meios para saldar a diferença. Desde o século XIV que a forma mais usual de o solucionar era o recurso a pedidos e empréstimos. Era com estas formas de financiamento que a Coroa cobria o deficit, bem como as despesas bélicas e a boda do casamento dos príncipes. O vigor demonstrado pelos madeirenses na defesa dos seus interesses tem expressão na recusa ao pedido de empréstimo de 1478 e pode ser reafirmado no papel do senado da Câmara do Funchal. Na verdade, a Madeira era, desde 1433, um espaço fora do controle da Coroa, dependendo do Mes- trado da Ordem de Cristo e tendo o Infante D. Henrique como senhor. Mas a riqueza da ilha estava na mira da Coroa, pelo que D. Manuel, que também foi senhor da ilha, deu a machadada final no processo de autogoverno dos madeirenses, ao proceder, em 1497, à “nacionaliza- ção” da Madeira. A carta régia que declara a ilha realenga é clara quanto ao peso económico nas finanças do reino: “é uma das principais e proveitosas coisas que nós, e real coroa de nossos reinos temos para ajudar, e financiamento de estado real, e encargos de nossos reinos”21

. A ideia perdurou por muito tempo, de modo que, em 1836, ainda conti- nuava a afirmar-se “que é uma das mais preciosas jóias da coroa de Vossa Majestade”.

A partir de finais do século XV, toda a riqueza gerada deixou de pertencer ao senhorio e passou para o usufruto da Coroa, indo a tempo de financiar as grandes viagens oceânicas e a despesa da Casa Real. A partir daqui, é evidente que a Madeira perdeu a capacidade reivindica- tiva perante a Coroa. O centralismo régio está patente na submissão e pronto acatamento pela vereação de todos os regimentos e decretos régios. O arquipélago foi uma importante fonte de receita para travar o endividamento do reino e manter a opulência da casa senhorial e real.



21

Carta régia de 27 de abril de 1497, El-Rei D. Manuel revertendo para a Coroa a posse da ilha da Madeira, op. cit., p. 363.

Esta elevada despesa só poderia ser coberta com as receitas arrecadadas nas ilhas e nos novos espaços coloniais. E, aqui, quando se fala de ilhas, significa quase só a Madeira.

É evidente que, durante o século XV e primeiro quartel do seguinte, a principal fonte de receita do mundo português estava no açúcar madeirense. As receitas advinham dos direitos lançados e do comércio do açúcar apurado, contudo os dados financeiros disponíveis não evidenciam, com clareza, a situação. Perderam-se os livros de con- tas, mas os poucos disponíveis não nos atraiçoam. Primeiro, o senhorio e, depois, a Coroa oneravam este produto com diversas tributações que conduziam a que amealhassem elevadas quantias que usavam em benefício próprio, no pagamento de tenças, esmolas, empréstimos e dívidas. No primeiro registo das receitas do reino e possessões, datado de 1506, a Madeira surge com o valor mais elevado das comparticipa- ções dos novos espaços insulares, com 5,3%. Até à década de 30 do século XVI, os réditos fiscais resultantes da produção e comércio do açúcar asseguraram parte importante das fontes de financiamento do Reino e projetos expansionistas. Em 1529, com o Tratado de Saragoça, foi encontrada uma solução provisória que, a curto prazo, parecia agra- dar a ambas as partes. D. João III viu-se forçado a pagar 350 000 duca- dos para assegurar a posse das Molucas, que, afinal, se encontravam dentro da área de influência de Portugal. Mais uma vez, é possível assinalar uma ligação à Madeira, pois terá sido, segundo alguns, o madeirense António de Abreu o primeiro explorador daquelas ilhas. Por outro lado, os madeirenses contribuíram com avultada quantia de empréstimo para o pagamento do referido contrato. Manuel de Noro- nha ficou com o encargo de arrecadar a contribuição madeirense. João Rodrigues Castelhano é referenciado também como recebedor do refe- rido empréstimo, tendo desembolsado da sua fazenda 300 000 reais. A este, juntaram-se Fernão Teixeira com 150 000 reais e Gonçalo Fernan- des com 200 000 reais. O pagamento fez-se, nos anos de 1530-31, à custa dos dinheiros resultantes dos direitos da Coroa sobre o açúcar.

2. A História Económica e as