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Analisando a violência praticada e sofrida por adolescentes

(IM)POSSIBILIDADE DA AÇÃO

7. INFRAÇÃO – O ATO NA (IM)POSSIBILIDADE DA AÇÃO

8.4. Analisando a violência praticada e sofrida por adolescentes

Pelas duas pesquisas apresentadas, verifica-se que os adolescentes não são os principais autores de crimes violentos.

Os jovens não são nem mais, nem menos violentos que a população em geral. Para cada três vítimas de homicídios tem-se um jovem que cometeu homicídio. (ADORNO. 2000. p. 108)

Porém, a mídia, a polícia e a opinião pública propõem, divulgam e manipulam outra forma de ver esses adolescentes. São tratados como bandidos extremamente violentos e perigosos. Esse sistema de representações precisa ser compreendido, explicitado e superado.

É importante perceber no debate entre punição, violência e crime o quanto estas práticas legais e ilegais são dotadas de historicidade, mesmo que comportem conteúdos dessocializadores, bárbaros e destruidores. São atravessadas pelas influências culturais e respondem também a necessidades sociais e econômicas. (SALES. 2004. p.166)

Como foi visto anteriormente os jovens são mais vítimas de violência do que autores de violência. As mortes violentas ocorrem preferencialmente em bairros periféricos dos grandes centros urbanos. São bairros onde estão presentes cotidianamente diversas formas de violência. Bairros onde a densidade populacional é elevada, onde a infra-estrutura urbana é debilitada, com habitações precárias, acesso restrito a meios de transporte, não há ofertas públicas de saúde, não há oferta de empregos, onde a taxa de natalidade continua elevada, regiões em que há poucos ou inexistem espaços de cultura ou lazer. Mas, Adorno, Bordini e Lima (1999. p.10) afirmam também:

[...] tudo indica que tanto o crescimento da delinqüência juvenil – mais propriamente da participação do crime violento nesse movimento – quanto a crescente vitimização de que são alvo os jovens não são fenômenos isolados, próprios de metrópoles com características sociais como as predominantes no município de São Paulo. Possivelmente, processos sociais mais amplos, até mesmo relacionados aos circuitos contemporâneos de internacionalização dos mercados e de integração de estruturas sociais em escala quase planetária, estejam na origem dos fenômenos e fatos observados.

Roman (2007. p. 36) afirma que “Esses jovens parecem, então, responder em ato ao que a sociedade lhes reserva como legado.”

O mesmo autor propõe pensarmos a violência como uma organização de diversos aspectos, entre eles: “[...] o contexto sócio-econômico, relações comunitárias, características individuais, aspectos circunstanciais.” E continua: “A vinculação entre os tráficos de armas e drogas e a falta de perspectiva das populações jovens, diante dos altos índices de desemprego e do abismo entre as classes sociais, contribuem sobremaneira para o incremento da violência urbana e criminalidade do país.” (ROMAN. 2007. p. 36 )

Deve-se levar em conta, como já foi visto em capítulos anteriores o poder que o modo capitalista de existir tem sobre a coisificação das pessoas, sobre a necessidade contínua de consumo, sobre o impedimento do humano no homem.

Devem ser levadas em conta as determinações históricas que estão presentes no contexto sócio-econômico e que ajudam a compreender a violência.

Assis (1999) acredita que as causas da violência cometida por adolescentes devam ser analisadas em três âmbitos que se inter-relacionam:

nível estrutural: onde devem ser analisadas as condições sociais – desigualdade social, desigualdade de oportunidades, falta de expectativas sociais, desestruturação das instituições públicas, facilidade de ingresso no crime organizado entre outros;

nível sócio-psicológico: as instituições responsáveis pelo desenvolvimento do adolescente (família, escola etc) com pouco controle sobre suas ações; a influência do grupo de pares;

nível individual: características da personalidade do indivíduo.

Se há um aumento na taxa de violência cometida por adolescentes, há – impreterivelmente - a necessidade do conjunto da população debruçar-se sobre o tema para elaborar respostas para essas questões. Os jovens praticam violência, mas principalmente, sofrem-na cotidianamente.

[...] Em uma sociedade, como a brasileira, onde não se universalizou o modelo contratual de organização societária, onde não prevalece o reconhecimento do outro como sujeito de direitos, onde muitos se encontram à mercê de poucos, onde vige sem interditos acentuada assimetria no acesso a recursos bem como à sua distribuição, onde a vida de muitos não tem o mesmo valor e significado da vida de alguns, somente pode ser instituída a ‘guerra de todos contra todos’ como modo de funcionamento regular e normal. Daí que a violação de direitos humanos não seja menos escandalosa que a desigualdade social e o espectro de pobreza. (ADORNO, S. p.38)25

Apesar de parecer impossível a transformação/emancipação do indivíduo nessa sociedade, isso poderá acontecer pela “[....] instauração de processos de reflexividade da socialização e re-socialização como meios

25 ADORNO, S. Exclusão Sócio-Econômica e Violência Urbana – NEV- USP; Preparado para o ciclo de

Conferências “Sociedad sin Violência”, promovido pelo PNUD – El Salvador. Disponível em www.nevusp.org.br/downloads/down77.zip. Acessado em 21/11/2006.

centrais catalisadores da autonomia individual e da emancipação coletiva, garantidoras e produtoras da crítica genuína” (ARDANS e TASSARA. 2003. p.29). Precisamos de uma cultura que respeite as diferenças, onde o elo social e a experiência sejam transmitidos genuinamente, que se possa ser o que se é, convivendo.

Quando, para essa pesquisa, voltei a conversar com jovens que conheci na Associação Novolhar, tive a impressão que conseguimos (alguns técnicos e alguns jovens) percorrer um caminho rumo à emancipação e a busca por direitos para todos.

A demissão....

E eu acho que ela julgou nisso, porque eu tinha passado pela Febem (....) Aí eles pegaram e me mandaram embora, eu peguei e falei (...) não vou assinar nada enquanto não falar com o pessoal do sindicato. (Lucas)

A análise...

Tem que ver nessa forma ... acho que... é... a televisão tinha que decatar o menor, não só o menor, mas o preso mesmo, que quando sai, alguns tenta se recuperar , tenta procurar um trabalho, tenta mudar de vida e não.... as pessoas vira a cara pra eles, entendeu? As pessoas não olha do mesmo jeito que, tipo.... a eu não passei pela Febem, eu não passei pela cadeia, então eu tenho prioridade dentro do trabalho e aquele que passou, mesmo aceitando ele, fica com pé atrás, porque se some alguma coisa, vai culpar quem? Aquele que não teve passagem? Entendeu? Então eu acho assim, as pessoas deveriam olhar isso.... deveria dar prioridade pra.... o governo Lula deveria ver isso daí, deveria dar prioridade pra essas pessoas também que querem se recuperar, porque não é... não é fácil você pegar e ficar 2, 3 anos numa Febem ou ficar 5, 6 anos em uma cadeia e sair e o mundo estar a mesma coisa, você não consegue emprego nem nada, o que que você vai fazer? Vai ficar aqui passando fome, lógico que não! A pessoa vai querer... (Lucas)

A procura por trabalho....

... eu fui lá, entreguei o meu currículo (...) Aí eu estou procurando contato com ele... é... porque hoje em dia, se você não tiver um contato é bem difícil, né?(Lucas)

O caminho a ser percorrido é longo e sonhado. Ele sabe os passos a dar, será que conseguirá? Meses depois da entrevista Lucas conseguiu um novo emprego em uma emissora de TV fechada.

O outro que nos faz dizer, o outro que nos ensina, nos choca, sacode a mesmice do senso comum, escancara as relações de poder, uma relação que não se faz fingir. Esses garotos tiveram sorte? Aproveitaram uma oportunidade? O que os fez escapar da violência? A palavra, o encontro com outro humano...

“Nas conversas, interessa a multiplicação dos pontos de vista e não o seu nivelamento: o encontro de pensamentos, não sua igualação.” (GONÇALVES FILHO. 1995. p.10) É isso que se deve buscar na conversa com esses meninos.... A violência pede a palavra:

A violência, sempre sem palavras, dessignificada, pede palavras – quando a palavra não é possível, pede a visão (...) Apenas a palavra pode orientar a violência. E o exercício da palavra, ele mesmo, só é possível fora de toda violência. A violência e a palavra, lembra Hannah Arendt, excluem-se mutuamente. (GONÇALVES FILHO. 1995. p.106).

As infrações cometidas pelos adolescentes estão vinculadas a um contexto sócio-histórico. A entrada na criminalidade não é unideterminada socialmente, assim como não é unideterminada individualmente. Há condições históricas e individuais que constroem os caminhos para o desrespeito à propriedade privada ou a sua submissão. Roman ajuda a pensar:

[...] A idéia de um sujeito capaz de escolher entre vários caminhos deixa de explicitar que esses “caminhos’ são formas de existência social no contexto histórico em questão e que, portanto, são decorrentes de outros fenômenos sociais que o precederam. Da mesma forma, o sujeito que escolhe nasce sob determinações de um percurso traçado há gerações pelos representantes da classe social de que descende. Não há sujeitos sem condições históricas, ou “caminhos”, que o pré-definam; não há caminhos que não sejam formas de relações sociais possíveis em certo contexto histórico e para certas classes ou indivíduos de acordo com a posição que ocupam nesse contexto, e, por fim, não há escolha que seja absoluta ou abstraída das determinações sociais que o constituem. (2007. p. 14)

O fato de em uma mesma família haver irmãos, primos e demais indivíduos que foram criados sob as mesmas circunstâncias, que partilharam de uma história social comum e que, nem por isso, todos tenham cometido infrações, propõe a ampliação da discussão sobre os motivos que levam os adolescentes a cometerem infrações. A culpabilização do sujeito, ou da sua família, ou mesmo das condições culturais não devem ser consideradas unilateralmente, como propõe muitas matérias jornalísticas divulgadas na grande imprensa. Vide discussão no capítulo “A Mídia”.

Cada pessoa nasce em uma família, que está inserida em uma cultura, que possui uma história. Essa história familiar e comunitária está inserida em uma história de classe social, que por sua vez faz parte da história de um país, que tem relações com a história da humanidade. Quem faz a história são os homens nas suas interações cotidianas. Essa história individual se faz em reação, superposição, aceitação, negação etc, às suas possibilidades de classe. E então, dialeticamente, vai sendo parte da história da humanidade.

Cada ser humano é único e reage de forma diferente às possibilidades de existência. Cada um se apropria dessas possibilidades de maneira diferente para satisfação de suas necessidades. As ações individuais são atravessadas pelo contexto histórico social, mas carregam o ineditismo da ação, a recriação daquele indivíduo específico.

O ser humano se humaniza na relação com outros de sua espécie. É através do seu semelhante que ele aprende a estar no mundo e a partilhar uma cultura, os objetos, sua história.

[...] Em contato com o outro e mediado pelo outro que lhe concebe como potência e devir, o ser se apropria das objetivações humanas a que tem acesso em seu meio. Essas objetivações são produtos históricos: supõem a ação das gerações passadas, sintetizam no presente um percurso de constituição da humanidade e determinam a subjetivação, uma vez que não há sujeito sem objeto. (ROMAN. 2007. p. 114)

Portanto, há que se ressaltar que o ser humano utiliza-se de objetos para construção da sua história e que sem estes não seria humano.

Em uma sociedade em que as relações são marcadas por interesses econômicos, as relações entre as pessoas são mediadas por coisas, tornam-se mercadorias. Na falta de objetos e objetivos compartilhados com a comunidade, com um conjunto da sociedade, há um impedimento da ação humana.

A não possibilidade de identificação com o humano no outro promove a violência.

“É preciso que se pense a construção da subjetividade em uma sociedade que tem, na violência, uma forma “natural” de agir.” (FEFFERMANN. 2006. p. 311)