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O RECORTE DA VIOLÊNCIA AO LONGO DE SUAS VIDAS

5. OS JOVENS ENTREVISTADOS – O RECORTE DA VIOLÊNCIA AO LONGO DE SUAS VIDAS

5.1. Alex – a guerra na cidade grande

A expulsão da família da terra natal – a violência do desenraizamento

... Então, eu nasci em Fortaleza dia 21 de novembro de 1983, vim pra São Paulo eu tinha mais ou menos um ano e meio, minha família toda, tenho dois irmãos, um irmão e uma irmã [...] minha mãe trabalhava num hospital lá em Fortaleza, trabalhava já tinha 8 anos, aí ela pediu as contas pra poder vir pra São Paulo, porque achava que a vida aqui seria melhor e meu pai também achava... que aqui... eu teria, é... teria uma vida boa é... sobre cuidado de médico, seria mais fácil o acesso a medicamentos, que em Fortaleza era precária as coisas assim.

O alcoolismo, as brigas e a separação dos pais – a violência doméstica

... Aos 15 anos meus pais se separaram, antes meus pais já queriam se separar quando eu era mais novo, mas eles esperaram eu crescer mais um pouco pra... [...] Mas um dia eu descobri porque que era os motivos... os motivos era porque o meu pai batia muito na minha mãe, bebia demais e brigava muito... e quando a minha mãe começou a trabalhar, meu pai falava que ela ia... ela começou a trabalhar e de repente começou a estudar também, né? Pra poder acabar os estudos e... começar uma nova vida aqui em São Paulo... E aí meu pai xingava ela, falava que ela era uma vagabunda... que ela não ia trabalhar, ia ficar com outros caras..., outros homens, traía ele, não sei quê. Isso meu pai bêbado falando.

O grupo perigoso que amedronta a comunidade e impõe respeito pelo medo - a violência contra eles mesmos e contra os outros - A

valorização da imagem

A gente jogava uma bola, mas a gente era o grupo que os... que o pessoal da nossa idade tinha mais medo... e a gente jogava bola, e o pessoal jogava bola com medo da gente, assim... e isso era estranho, era estranho e ao mesmo tempo... é... nós se sentíamos bem de tá, tá meio que dominando o espaço assim...

[Isso vocês sentiam como legal?] Isso a gente se sentia bem com isso,

porque... era uma forma de criar um certo respeito..., criar um certo respeito no meio da... da comunidade, no meio da malandragem, a gente tinha um certo respeito, porque a gente já, desde pequeno, desde os 15 anos a gente já tava começando a roubar, assaltar e... a gente fez isso sozinhos, sozinhos que eu digo, não precisou de ninguém que já estava no meio do crime pra gente poder começar a assaltar.

A necessidade de trabalho precoce

eu acho que todos tinham... o mesmo... a mesma cabeça... de que... por mais que a nossa família tivesse assim... passando uma necessidade, a gente já

tava com a cabeça assim... que a gente tinha que ser homem, homem é... pra poder já sustentar a família, mas não querer trabalhar, porque na época era só diversão, né...

A marginalidade presente na periferia espreita a formação do adolescente pobre

essa idéia, mas eu acho que foi isso, de alguma forma essa idéia veio de outra pessoa, de outra pessoa fora do grupo, que deu a idéia pra gente de combinar tudo certinho antes de... de chegar pro assalto.

[...]

nisso a gente já tá em outro tempo, começamos a conviver com outras pessoas que assaltavam também, mas a gente sempre assaltava o mesmo grupo, como parceiros, amigos de escola viraram parceiros, que já não ia pra escola, já não queria mais saber de nada só queria saber de dinheiro, de assalto... de viver no meio da malandragem e de sentir que as pessoas tinham medo, algumas pessoas tinham medo da gente.

A violência do silêncio - a falta de diálogo na família

Pra ser sincero... eu... eu fui... porque... eu vi aquela revolta dos meus pais e assim, de uma certa maneira quando eles se separaram, meu pai não ganhava tanto pra, pra sustentar e aí começou a atrasar algumas coisas e aí eu queria ajudar de alguma forma, mas eu não conseguia trabalho, né? Eu não sabia por onde procurar um trabalho, não tinha um conhecimento... não tinha alguém que chegasse pra mim “oh, é... tem um trabalho aqui, vai lá, procura, e aí tinha uns meios mais fáceis, assim, que eu já conhecia, eu acho que é por isso...

O uso da força na palavra e nos gestos - a violência nos assaltos ... e eu dei voz de assalto, e eu que estava com essa arma de brinquedo, acho que foi a primeira vez que eu cheguei e dei voz de assalto, porque da outra vez era aquele grupo e o grupo só chegou, mostrou a arma, pegou e foi embora, agora não, agora a gente já estava meio especializado em dar voz de assalto, pra pessoa já se sentir intimidada e a gente já pegar o dinheiro que estava com ela, e ela estava com o dinheiro no envelope, uma parte no envelope e outra parte no bolso. E aí chegamos os três, eu agarrei essa vítima que era um homem, que eu não lembro se ele estava de óculos ou não, mas era... era um homem, eu agarrei ela pelo pescoço e pus o... a arma na cabeça dela e falei que era um assalto que a gente queria só o dinheiro, se ela quisesse ir embora ia ter que dar o dinheiro.

[...]

... a gente acabou tomando o revólver dele e assaltando a lotérica, a gente mandou todo mundo pro chão, tinha umas pessoas muito com medo, já chorando, gritando, a gente pediu pra elas ficarem quietas, mas mesmo assim a reação das pessoas era... era extremamente amen..., amedrontosas enquanto a gente tava fazendo uma coisa assim... que pra nós já tinha virado diversão, já era como roubar doce de criança, mesmo que ela grite, você pega o doce e sai correndo (risos) e não liga pra ela, assim...

... e aí eu meti... eu coloquei a arma sobre a cabeça da... do cara, que era... como a gente falava era... eu meti a peça na cabeça do Beco e... dei a voz de assalto... [...] eu lembro e aí eu... eu não tinha nenhuma bala dentro do revólver, não, minto, eu tinha uma bala dentro do revólver e aí eu jog... dei um soco na vítima, peguei ela e joguei assim ela... [...] joguei a vítima de uma tal maneira que ela estava... ela caiu no chão, era um... um moleque da idade que eu tô agora...

[...]

o tiozão não queria dar, não queria dar de nenhuma maneira... e tava dentro do bolso, ela tinha colocado em dois bolsos, pôs um tanto num bolso e o outro no outro bolso. Só que quando ela chegou no bar ela entrou dentro do banheiro direto... a gente tomou uma coca-cola esperando ele sair, quando ele saiu ele tomou, pediu uma cerveja, quando ele pediu uma cerveja pro dono do bar, a gente deu voz de assalto e aí o dono do bar é... deitou no chão e tinha mais duas pessoas no bar também que ficou assustada e... colocou a mão na cabeça e... não lembro se só... só levantou as mãos, mas a vítima falou que não ia dar o dinheiro... e aí o que que eu fiz, na revolta de que ela não dava o dinheiro, e meu, meu parceiro entre aspas, que... que tava ali comigo, que pegou... que queria também o dinheiro que tava na... tava na fita, na missão, né? Como a gente dizia... que tava no lugar comigo, ele não conseguia encontrar o dinheiro... só que ele tinha entrado dentro do banheiro, a vítima, e eu acho que colocou no... colocou por dentro da calça, né? Por dentro da cueca dele e aí ele procurando no bolso ele não conseguia, aí o cara falou que não tava com dinheiro, que não tava com dinheiro, nisso eu já... nessa hora eu me injuriei e o meu parceiro também, eu dei um soco na barriga do car., da vítima, eu dei duas coronhadas na cabeça e uma no nariz, nisso começou a escorrer sangue, começou a sangrar e o cara caiu no chão, na hora que o cara caiu no chão, aí ele pois... é... bateu assim no saco do cara, o meu parceiro botou assim a mão por dentro da calça e pegou o, pegou o dinheiro, pegou um... um bolo de dinheiro - assim mais ou menos, dessa altura assim [fazia o gesto] – tinha

50, 100 reais embolado num elástico, aí o cara tava com 50 reais só no bolso de trás, que era, eu acho que pra pagar a cerveja... pra trocar esse dinheiro...

A ética na malandragem - a violência dentro do mundo do crime ... que menor a gente achava que... a gente achava não... o menor ficava bem pouco tempo que o de maior, e o de maior perdia a vida enquanto era preso a primeira vez, perdia a vida não, em assim, não conseguia mais um trabalho... não conseguia mais nada, e menor não, menor era sempre aquele cara que segurava todos os BO de... do grupo todo, se tivesse o grupo só de maior, o menor ia levar a peça, pegar o dinheiro, fazia tudo enquanto o de maior só escalava ou só chegava junto, dava um soco ou apavorava a vítima, pegava o dinheiro, mas o menor, se fosse preso os 4 e tivesse só um maior, tipo assim, três maior de idade e um menor, o menor era o que segurava o refrão, segurava o BO dos 4 e falava que ele estava com a peça, que não conhecia esses caras, ou conhecia mesmo, tava na rua, não sei que... inventava qualquer história pra que não fosse preso os de maior, porque se você levasse, se você caguetasse, que era... cagüetar na gíria é... é você dedurar outra pessoa, né? Então... o de menor tinha sempre que ter uma história pra que os de maior não fosse preso junto com ele... é... porque senão se caguetasse é... chegasse na Febem ou em... ou não voltava mais

pra casa, ia ser morto quando voltasse pra casa se não fosse morto na própria Febem... [Ia ser morto por quem, se voltasse pra casa? Pelo próprio grupo?] Pelo próprio grupo porque caguetou e levou os outros preso ou

senão perdia o respeito no crime e nunca mais assaltava... nunca mais assaltava e nunca mais ia ter a convivência com essas outras pessoas, né? [...] E aí... você não tinha... não tinha respeito na quebrada, não tinha respeito aonde morasse.

[...]

...uma amizade, uma amizade super sincera assim, mas sincera até o ponto que você não, que você não deixe falha nenhuma com nenhum... é... não deixe nenhuma falha, nem um pé sequer... nenhum... rastro, assim... você vai ser bem conceituado, bem considerado e vai ter uma amizade sincera, mas se não acontece isso, você é traído de a ponte de... as próprias... o próprio convívio que as próprias pessoas chegarem a matar você...[...] A lei é você nunca falhar no crime... é, quer dizer, nunca falhar com o seu... por exemplo, se você vai num assalto e cagueta, já é uma falha, se você vai num assalto e vai preso e o pessoal que tá na rua não ajudar a sua família, não... não seguir à risca com você... não chegar junto com você, que é o que diz, né? Você também já tá deixando falha no crime e aí você não é conceituado, não é bem visto, né? E aí isso vai acumulando na... na mente das pessoas e quando você dá... chega um ponto que você dá uma falha, os caras já falam todas as falhas anteriormente que você já deu e aí acrescenta mais essa e aí você acaba morrendo ou... sendo espancado, ou... sei lá...

[...]

os próprios colegas que estavam comigo foram lá e falaram pra minha mãe: “ó, o Alex foi preso, ele está em tal delegacia”, porque eles já são... já sabiam, né? (...) aí esse dinheiro que a gente pegou, eles deram tudo pra minha mãe, não, minto, não deram tudo, deram... 900 reais pra minha mãe, pra minha mãe se manter um pouco e... e ir lá me ver, me visitar, porque logo logo eu estaria na rua..

As duas faces da mesma moeda - a violência dos e contra os policiais

... eu acho que eu já estava com tanto... ódio assim de, de não ser preso... de, ódio de policial porque também na... nas ruas aonde que a gente ficava, a gente sempre era o mesmo grupo e aí... eles tinha meio que medo assim, porque quando a gente era... era abordado por eles, eles batiam e diziam que uma hora ou outra eles iam pegar e iam matar a gente.. [...], mas ao mesmo tempo eu fiquei com medo, fiquei com medo, de repente eu atirar e matar os policiais e... de repente ser preso por homicídio, uma coisa assim.

Os acordos possíveis – a violência da corrupção

...chamava eles de mão branca porque eles eram... eles já eram policiais disfarçados é... vestidos normal e vocês não... nem se ligavam que eram policiais [...] porque que a gente chamava eles de mão branca, porque eles tinham... com eles tinham um acerto, assim tinha um acerto de você dar um dinheiro e você não ir preso e nessa vez que eu fui preso eu tentei ainda fazer acerto com os policiais...

Os castigos físicos - a violência da tortura

...bom aí eles me levaram pra viatura e me fizeram... me bateram bastante até eu falar quem tava comigo. [...] Bom, nesse dia eu apanhei bastante que era pra eu levar os policiais até minha casa, que era pra cagüetar as pessoas que estavam junto comigo, mas eu resisti a... , a toda a... a toda essa pressão de apanhar, de me baterem, torturar, de uma certa maneira e não levei ninguém preso junto comigo, assim, mas tinham pessoas que estavam junto comigo.

[...]

... apanhei de novo, mas tomei muito tapa na cara, muito, muito mesmo, que era de mão aberta assim e tinha um policial que, que falava assim pra mim que... que quando eu saísse, que ele ia me matar porque... eu era um ladrão pé de chinelo, que não precisava eu ter batido tanto na vítima, e a vítima foi parar no hospital também.

A rebelião – a violência dos e contra os funcionários e policiais ...acho que o momento mais crítico assim na Febem... nessa época, teve outros né, de apanhar... de não sei que, mas teve uma rebelião que a gente quebrou tudo e a Choque entrou, a gente teve que entrar pra dentro dos barracos antes que ela... que a Choque começasse a jogar gás, gás lacrimogêneo e começar a bater, só que nisso os barraco, os barracos ficaram aberto e a gente de coruja e ficaram cada guard... um guarda... dois guardas da Choque em cada barraco, assim... eram... 6 barracos, cabiam 12, 12 menores em cada barraco que eram 6 por 12... que dava 68... né? [...] e nesse dia a gente tomou uma ducha que era de, que era de mangueira de extintores, sabe? De bombeiro, água gelada, meu! E a corrente da água muito forte, nossa! Minhas costas ficou toda vermelha porque a gente agachou, ficou de... é... a gente ficou de... de... como é que é? Assim, e com a mão na cabeça... [...] Ficou de cócoras, canguru, é cócoras, com a mão sobre a cabeça assim ó [gesto] por baixo do joelho assim e... a gente ficou

por três horas mais ou menos, não podia se mexer... se mexesse, a gente tomava... banho... a gente já tinha tomado esse banho gelado de... essa mangueira e não estava calor, estava frio...

[...]

na rebelião os caras pegaram esse cara.. que ele era... ele era estrupador e... tava no seguro e quando virou a casa, que era a rebelião, né, quando o motim aconteceu, aí os caras pegaram ele, colocaram em cima de um colchão assim ó e pegaram, a gente chamava de Highlander, que era umas naifas, que eram uns, umas barras de ferro, que a gente apontava no chão mesmo e aí virava uma lança, com a ponta de lança e atravessou no coração do cara de uma tal maneira... que aí eles fizeram... meio que uma churrasqueira com carne do cara, que botaram de atravessado ele, ele assim é... na Highlander, na... nessa barra de ferro, colocaram entre as grades... uma grade e outra grade de um portão aberto assim, era um portão aberto e um fechado, colocaram entre ele, colocaram o colchão embaixo, tacaram fogo nele, deixaram ele queimar e aí arrancaram o pescoço, arrancaram o pescoço dele com... acho que era um... um... facão bem afiado, só que era também de barra de ferro, só que era aquela barra de ferro mais... mais fina e aí afiava, né, e arrancaram o pescoço dele assim e

ele ficou com a cabeça assim e jorrando sangue, já tava morto... já tava morto e aí ele começou a queimar, queimar e aí depois é... pegaram o corpo dele e queimaram e jogaram pra Choque, e jogaram pros funcionários lá, nisso tinha um monte de refém lá que era os funcionários e tinha os Seguro que era refém também nosso... bom, mas isso foi só... algum, algumas coisas que ficaram assim na cabeça, é marcado, gravado que assim é... não... é inesquecível, mas tem outras coisas também que eu passei muito, que eram também piores...

A violência da discriminação

Mas eu terminei o terceiro, ó... eu passei no chute na sétima, passei no chute na oitava, passei no chute no primeiro, estudei na Febem, estudei na Febem, tinha escola lá, tinha uns cursos profissionalizantes, mas o... o certificado que davam era... por exemplo é... certificamos que A. é... teve... concluiu o curso no Complexo Franco da Rocha, sabe assim? Como cê vai apresentar uma coisa que... porque é um passado, assim, não é inesquecível, mas é um passado, assim, que você, que pra algumas, algumas pessoas, que pra alguns lugares você não tem que dizer e... falar que você passou pela Febem, não sei o quê...

[...]

Então, mas é isso, mas a convivência com a minha mãe está super bem, super boa, assim, ela está super feliz, super feliz, ela fala de mim, assim, pra qualquer pessoa com muito orgulho de..., mas ela não fala que eu já passei pela Febem, essas coisas, mas ela fala com muito orgulho que.. que é eu que cuido dela porque meus irmão estão casados...

A dor materna – a violência de ver um filho preso

depois da delegacia, que minha mãe já tinha ido lá, ela... chorou bastante e ela teve um AVC, que é o derrame... que é o derrame na... bom, aí ela... nesse dia ela teve um AVC foi direto pro hospital, não lembro qual hospital que ela foi, mas ela foi pra algum hospital lá próximo...

[...]

ela ficou internada 2 vezes, na primeira vez e na segunda vez ela ficou internada no Hospital do Câncer, é... com o mesmo problema que era de AVC... minha mãe teve dois AVCs e no decorrer da minha... da minha tirada de cadeia que era... no meu tempo na Febem ela teve AVC, teve também por causa da rebelião que mostrava o negócio, tal e aí ela teve esse AVC de novo...

5.2. Breno – o corpo sem forma, a perda do passado