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Breno – o corpo sem forma, a perda do passado A passagem pela rua

O RECORTE DA VIOLÊNCIA AO LONGO DE SUAS VIDAS

5. OS JOVENS ENTREVISTADOS – O RECORTE DA VIOLÊNCIA AO LONGO DE SUAS VIDAS

5.2. Breno – o corpo sem forma, a perda do passado A passagem pela rua

passei muito pela rua... [Morou na rua?] Morei na rua, é... que mais... morei

na casa de menor na Djalma Dutra... [...]

presenciei nos meus olhos a invasão do Carandiru quando eu era moleque, morava lá na Luz, não lembro nem a data, mas presenciei os caras entrando, cordão de gente, de família lá na frente, tomei um tapão no meio da cabeça... [De quem?] Dos... da cavalaria... e é isso, lembro como se fosse

hoje... hum, mas continua.

A família – a violência na ausência

[Tem irmãos, não?] Devo ter, alguns... minha mãe era prostituta. [Não teve muito contato com ela?] Tive, acho que o suficiente, por isso que ela me

deixou. [...]

É... eu sempre fui excluído da escola... aí teve essa parada, aí tipo reunião de pais, não tinha pai, sabe essas coisas que vai te deixando meio mal assim? Mas assim eu fui devagar e sempre e tô aí.

O fracasso da escola

[A sua experiência na escola, B., como foi?] Ah... foi bacana, me colocaram

numa sala especial eu sendo normal. (...) [ Muitos anos?] Não sei, o ano

que eu estudei lá.

A violência da sobrevivência – a fome, a moradia

E eu aprendi que o negócio é, mesmo que você peça, oh por favor me dá? Que nem hoje, eu estava, tipo ó eu tô com... 7 mangos, tá ligado? Aí eu tava, só que de manhã eu estava só com 4, aí peguei o metrô sobrou 2, tá ligado? Depois tomei um açaí porque... é como se fosse um prato de comida, né? Aí ainda tinha 10 reais, troquei, agora estou com 7 reais e... tipo... só vivendo, sabe assim? Só devagar e sempre na pegada.

[...]

acho que eu vou, deixa melhorar agora, eu pagar o aluguel que inclusive não paguei todo o aluguel, preciso arrumar uma grana, por isso que eu vim aqui falar: meu, por favor, entendeu assim?

A violência da palavra na ausência dela

Acho que você tem que viver pra você aprender, não adianta ficar só perguntando, né? Eu perguntei muito e teve pessoas que ficaram quietas, por isso que eu tô... meu, eu tô aprendendo que tem que ficar quieto, só isso, ficar quieto... Continua, desculpa... [...] Então, mas eu acabei de te falar que é melhor ficar quieto do que contar, entendeu? Então o quê? Você que é a psicóloga, não é assim? Os psicólogos eles só ouvem, não falam nada.

[...]

Então, na... você sabe que na Grécia, ã... na... acho que você já deve ter lido, não preciso te falar mais nada, mas continua. [Não? Pode falar, eu não sei do que você está falando.] Não... você estudou, eu não estudei, não sei do

que você está falando, pô? Continua. [...]

Porque você tem que viver pra você saber, não preciso te falar. [...]

Eu tô falando, cara! Mas eu tô ficando quieto que eu tô aprendendo que o negócio é calar a boca!

A violência na impossibilidade de desejos futuros

[O que você gosta de fazer na vida?] Não tem o que eu gosto de fazer na

vida... [Tem o que você não gosta?] É... que eu não goste? Também... acho

que é tudo na hora, tudo ali, você vai saber, até coisa que eu não gostei e fiz, depois... na hora que eu fiz, eu falei puta que merda! Que merda! Que merda! Mas aí você vai e as coisas estão indo e... é uma fita, né malandro? O que foi gravado já foi gravado (risos) não dá pra voltar (risos) entendeu?

[...]

... eu só vivi coisa ruim, só isso... acho que por isso que eu sou do bem (risos)

[...]

É, que talvez role amanhã um trampo e que se Deus quiser vai rolar mais, né? Pagar o aluguel, comer...

[...]

Não, não, deixando a vida andar não! A vida não pode andar, você tem que andar, né?

[...]

Não... não tem nem pensar, o negócio é na hora, a gente tem que ver ali na hora, eu não tenho, não falo assim “ah, é isso ou não é” entendeu? Porque... nunca foi assim, cara, comigo... eu sou meio 8 e 80, sabe assim? Meio espuleta, sabe pimentão, pimenta, sei lá.

[...]

Ah eu não acho nada, só na hora, só quem vive aquela coisa que sabe, eu não sei porque eu não vivi aquilo. O que eu vivi eu na hora lidei, eu depois bati com a cabeça e quase me soquei (risos) tá ligado? Sei lá...

[...]

[Do hoje você pensa no amanhã? Ou do hoje você pensa o hoje?] Só na hora

mocinha... (risos)

A possibilidade do desejo – não repetir uma história – a raiva aparece

[Mas você morou na rua, né?] Morei. [Hoje você moraria?] Oh, eu vou te

falar a verdade assim, se precisar cara, eu tô aí, tá ligado, só que eu fazer de tudo pra não, não fazer isso, mas... eu não quero, e tipo assim, se acontecer meu, desculpa aí, tá ligado? Eu tô aí, quem quiser me ajudar me ajude, quem não quiser, firmão, eu sou um cara do bem, eu... se não der certo firmão, eu não vou me matar que eu não sou covarde, tá ligado? Agora eu não sei porque você falou se eu não moraria na rua... [...] Eu acho que você não deve nem pensar nisso, né? Acho que a coisa é pensar

positivo, sabe assim, eu penso positivo todo dia, eu desejo coisas boas pra todo mundo e... o que desejarem pra mim, sabe assim... é isso aí cara, eu não penso nada disso e eu acho que você não deveria nem falar isso, desculpa. Tá ligado? Eu não sou seu pai, sua mãe, nem sou mais velho que você, mas eu acho que você não deveria nem pensar isso... [Do que eu não deveria nem pensar?] Isso que você falou, não quero nem repetir, nem

pensar nisso, isso aí é uma coisa ruim, sai daqui...

A possibilidade de sonhos – implica-se neles?

[Qual é seu maior sonho?] ... meu maior sonho não dá pra te falar porque

não tem um maior assim... [Tem muitos?] É, sei lá, acho que todo mundo

tem todos, né? Quer ter tudo, eu sou mais simples, vim debaixo, mas eu quero ser alguém, ser uma pessoa de bem, sabe assim? Fazer o bem, é... ter o que eu não tive, dar uma boa vida pra minha mulher, que eu tiver e... sei lá, é isso, viver, viver bem, sei lá... poder viajar, conhecer os lugares, ã... mesmo que eu não seja um artista, ã... continuar fazendo o meu barro, ã... mesmo que eu não vire um câmera, continuar filmando, mesmo que eu não seja um cantor, ou um compositor, mas continuar fazendo o que eu faço, ser o cara simples que eu sou, entendeu? Assim e devagar e sempre a gente tá aí. Entendeu?

[...]

Eu queria estudar numa escola boa, sabe assim, manja assim? Aprender, sei lá, fazer uma USP, alguma coisa assim, sei lá, ou senão, só Deus sabe, só na hora, né?

[...]

Eu acho que se você aprender um pouquinho de cada coisa, na sua cabeça você constrói uma outra coisa...

A violência da corrupção

É... eu fui pego aí... inclusive eu trabalhava na Cosesp, ã... eu tinha tíquetes no bolso, assim, a carcereira roubou meus tíquetes, tá ligado? O delegado falou que se eu pagasse pra ele, ele não faria nada e depois eu tive que comparecer...