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O PROCESSO DE EXCLUSÃO E O FETICHE DAS MERCADORIAS

FETICHE DAS MERCADORIAS

6. O PROCESSO DE EXCLUSÃO E O FETICHE DAS MERCADORIAS

[...] Nós necessitamos a aparição: o surgimento da natureza, o surgimento dos seres e, de modo decisivo, o surgimento dos outros homens (...) A reificação é um bloqueador de aparências, interrompe nas coisas, nos animais, nos homens o seu poder de aparição. (...) As aparências bloqueadas são aversivas. No racismo, a pelo do negro parece deixar de contar como uma pele que faz aparição de um homem. (GONÇALVES FILHO. 1995. p.155)

A constituição de muitos países se funda na defesa do direito à vida, à liberdade, à igualdade e a autonomia do indivíduo em face das instituições, contra a arbitrariedade dos poderes constituídos. Essas premissas, apesar de positivas frente a uma história anterior, subordinam-se ao direito à propriedade, trazendo implicações individualistas e desigualdade social. (SALES. 2004. p.28)

“A história dos direitos é também uma história das classes sociais e dos projetos sociais em disputa. Uma história de lutas sociais, de forças históricas em confronto, cada qual com o objetivo de tornar dominantes suas concepções e interesses, bem como uma determinada forma de cultura e sociedade.” (SALES. 2004. p.34)

No Brasil, as pessoas não partilham das mesmas possibilidades, mesmo que sejam considerados iguais politicamente. O que é considerado uma infração para as pessoas pobres, é visto apenas como um desvio de conduta quando a mesma situação é cometida por uma pessoa que pertence às camadas médias da sociedade.

Os reais fundamentos da sociedade brasileira são o individualismo egoísta, a desigualdade, o privilégio de alguns, a desumanização de grande parcela da população.

A criminalização16 dos atos de uma classe social (pobres) ou de um grupo de pessoas que se aproximam pela faixa etária (os adolescentes) transforma em suspeito qualquer indivíduo de uma dada categoria, independente de sua atuação. Ao mesmo tempo em que individualiza o crime e descontextualiza a sua aparição na sociedade.

Nas palavras de Chauí (2000. p.90)17 citado por Sales (2004. pp. 83-84) “[...] essa naturalização [da pobreza], que esvazia a gênese histórica da desigualdade e da diferença, permite a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência.”

Ainda mais quando o Estado promove mais violência ao favorecer o grupo dos que possuem renda em prejuízo dos que possuem apenas a sua força de trabalho. O Estado tem a função de proteger os indivíduos uns dos outros, pois a não igualdade social entre os membros de uma cidade ou comunidade, ou seja, a diferença entre aqueles que possuem os meios de produção e as propriedades ou aqueles que detêm apenas a sua força de trabalho, impõem a rivalidade entre as partes.

O uso da força e até da violência foram legitimadas socialmente para esse fim. O constante acúmulo de capital de uma pequena parcela da população, em detrimento da expropriação de muitos gera a necessidade do Estado promover a proteção da propriedade privada. Para que ocorresse o acúmulo de capital para alguns, muitos necessariamente foram expropriados.

As possibilidades apresentadas pelo sistema capitalista de produção não proporciona a todos os homens a participação na divisão dos lucros do trabalho social, deixando grande parte da população excluída das conquistas provenientes do desenvolvimento da tecnologia, da aquisição de conhecimento, das novas alternativas de lazer e conforto.

16 Criminalizar – Tornar criminal. / Criminal – que diz respeito a crime./ Crime – Violação dolosa ou

culposa da lei penal. Violação das regras que a sociedade considera indispensáveis à sua existência. Infração moral grave. Delito. In Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo. Companhia Melhoramentos. 1998. Dicionário.

17 Chauí, M. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.

[...] a expropriação e o acúmulo de riqueza não resultaram simplesmente em novas propriedades nem levaram a uma nova redistribuição da riqueza, mas realimentaram o processo para gerar mais expropriação, maior produtividade e mais apropriações (...) o processo de acúmulo de riqueza, tal como o conhecemos, estimulado pelo processo vital e, por sua vez, estimulando a vida humana, é possível somente se o mundo e a própria mundanidade do homem forem sacrificadas. (ARENDT. 1997.p. 267-268)

Esse processo excludente faz parte da própria lógica do sistema capitalista que exclui para incluir de outra forma: a inclusão precária e marginal pelo consumo. As pessoas podem estar excluídas e incluídas ao mesmo tempo. Podem estar integradas do ponto de vista da igualdade jurídica e formal garantida pela sociedade livre, mas ao mesmo tempo, podem estar excluídas socialmente e integradas economicamente na reprodução ampliada do capital – vendendo sua força de trabalho e consumindo mercadorias.

“Portanto, contraditoriamente situadas em face das possibilidades de participação plena nos meios de afirmação da sociedade contemporânea, como o mercado, o consumo e a propriedade.” (MARTINS. 2003b. p.16)

A condição de trabalhador subordinado ao capital encerra contradições: O trabalho do operário é social, mas o produto do seu trabalho é privado. A divisão dos resultados é desigual e injusta. A possibilidade de superação dessa contradição, com emancipação e humanização de todos está posta na relação capital-trabalho.

Outra contradição que fica escondida na relação do trabalhador com o capitalista é o fato de que aquele produz mais do que recebe por seu trabalho. O valor que ultrapassa o necessário para o operário sobreviver fica de posse de quem explora o seu trabalho e é dono dos meios de produção.

Essa contradição está latente na consciência do operário, mesmo que ele não se dê conta. Mas em momentos de crise na reprodução dessas relações sociais coisificadas – desemprego, baixos salários – a contradição aflora e torna difícil acreditar na concretização de sonhos prometidos por essa sociedade, e na ilusão de igualdade proposta pela economia capitalista, que esconde as contradições e injustiças próprias do seu funcionamento. Ou seja, a

ruptura com o capital pode encerrar a possibilidade de superação dessa alienação da relação entre capital e trabalho em que vive o operário/trabalhador.

A lógica do capital obriga as pessoas a se subordinarem a ela, o que faz com que suas relações pessoais sejam mediatizadas por mercadorias, tornam- se relações entre coisas. As relações coisificadas entre as pessoas concretiza-se em relações esporádicas, permeadas e mantidas por interesses. O trabalhador se desumaniza nessa socialização. Essas relações impedem a plena constituição do humano.

Há a necessidade de que o trabalhador não perceba a contradição, ou seja, um auto-engano é necessariamente mantido na relação que ele estabelece entre o capital e o trabalho. O auto-engano é constitutivo da relação social. Ele é mantido por mecanismos culturais e ideológicos de ilusão igualitária nas relações de trabalho.

Torna-se necessário acreditar na igualdade jurídica e liberdade propostas pela sociedade capitalista, ou seja, a de que o trabalhador pode escolher para quem vender a sua força de trabalho.

Essa igualdade e liberdade escondem a relação desigual, escondem a apropriação da mais-valia por parte do capitalista. A alienação é necessária para manter a reprodução das relações sociais na economia capitalista. O auto- engano se recria cotidianamente e ideologicamente para que o trabalhador não entre em conflito consciente com a sociabilidade das relações de trabalho.

A contradição encerrada na produção social do trabalho, com a apropriação privada das riquezas provenientes desse trabalho - asseguradas pela igualdade jurídica e executadas na desigualdade econômica - permite a possibilidade de superação dessa situação.

O trabalhador pode tentar superar essa contradição de modo alienado, sem questionar de fato a contradição em que vive e se reproduz. Nesse caso, ele tenta apoderar-se das riquezas distribuídas desigualmente – busca na ascensão social uma saída individual.

Mas a contradição em que vive o trabalhador é uma contradição social, para se libertar ele precisa ter uma ação coletiva, precisa libertar a sociedade inteira. Sua ação, nesse caso, torna-se uma ação de classe, inovadora. Essa é uma possibilidade histórica. É a possibilidade de libertação do humano na sociedade das relações coisificadas.

Para se libertar o ser humano precisa entrar em contato com outros seres humanos, sem a mediação das coisas e dos interesses. Precisa buscar espaços de participação coletiva, de encontro com outro humano.

As pessoas que vivem o processo de exclusão tentam modificar sua condição com estratégias de sobrevivência que os mantém na mesma condição de exclusão e inclusão precárias. Os bicos, trambiques, trabalhos informais e até as infrações penais são maneiras que a população tem encontrado para garantir alguma renda e sobrevivência. Os jovens entrevistados falam da entrada no mundo infracional pela falta de emprego como pode ser visto no trecho a seguir.

Eu acho isso... eu acho que precisa....precisa assim ter... ter uma reganância forte e ter uma prioridade também, um futuro... que nem... a maioria não consegue emprego, a maioria rouba porque não consegue emprego, daí... precisa alimentar a família, não consegue emprego, não consegue aquilo, que que eles vão fazer? Aí.. todo mundo fala, aqui não tem trabalho pra menor, ou... tipo... não tem trabalho pra quem não estudou... tipo isso, entendeu? As pessoas vão acatando isso, vão acatando isso... e começam a se envolver com as pessoas que... sabe? Trabalha na boca... . começa a vender droga, começa a passar droga, começa a ... fazer uma fitinha aqui, começa a fazer uma fitinha ali, então quando você vai ver você já está totalmente envolvido, entendeu?(Lucas)

[...] uma coisa, vamos se dizer, te obriga, você olha ali, você, você procura arrumar um serviço, uma coisa, mas você não consegue, por causa que.... hoje em dia, se você tiver idade demais você não arruma mais serviço e se você tem a idade, pede a experiência, como você? Você acaba de fazer um curso disso, mas como que você vai ter um ano de experiência e carteira assinada, sendo que ninguém te dá uma oportunidade, então o que acontece, daí você olha ali, você vê um cara ali que tava roubando, vendendo droga e sempre com dinheiro, sempre com .... (Douglas)

No depoimento do Lucas foi possível perceber também sua indignação com um amigo que começa a roubar mesmo tendo trabalho. O rapaz de 18 anos não tinha nenhuma passagem pela Febem e trabalhava na Vega Sopave,

uma prestadora de serviços de coleta de lixo. Quais as possibilidades que esse jovem tinha diante de um emprego que explora sua força física ao extremo, não garante renda para sobrevivência do corpo, muito menos proporciona meios de ele questionar a expropriação sofrida? A saída encontrada por ele foi individual.

Chega nesse limite... que nem esse meu parceiro que eu estava falando que... ele, a mãe dele e ele deu uma força pra mim, pra mim passar o final de semana lá, ele... tipo... ele não tinha passagem nem nada, ele trabalhava na Vega, tudo... e ele tipo, sabe? Foi um menino sossegado... aí conforme foi passando esses tempos, ele começou a ter uma amizade diferente lá, entendeu? Começou a ter uma amizade diferente, aí mesmo trabalhando ele começava a roubar, com 18 anos!

(...)

[O que você acha que fez ele sair dessa onda, L.? Você contribuiu?] Ah... eu

acho que... eu contribuí numa parte, mas quem contribuiu mesmo foi ele, foi ele mesmo, como foi eu mesmo que me contribuí, senão não tinha jeito mesmo... então o que que aconteceu? Ele teve que passar, ele teve que passar duas vezes pela cadeia pra ele vê? Entendeu? Acho que a primeira não foi suficiente, teve que passar a segunda.... e.... acho que a perda da mãe dele foi fatal pra ele, mexeu.... e agora ele está aí....

(Lucas)

O excluído tenta se incluir nessa sociedade, não tenta transformá-la. Os mecanismos sociais impedem a consciência do sistema de forças nas quais todos estão inseridos. Mantém os indivíduos afastados das possibilidades de participação plena e transformação social.

Esse desenvolvimento anômalo não se manifesta apenas nas privações que produz e dissemina. Manifesta-se, também nas estratégias de sobrevivência por meio das quais os pobres teimam em fazer parte daquilo que não os quer senão como vítimas e beneficiários residuais de suas possibilidades. (...) Nessas estratégias nem sempre compatíveis com o bem comum, no recurso ao ilegal e ao anti-social por parte das vítimas, a sociedade inteira é alcançada e comprometida nas compreensíveis ações de sobrevivência daqueles aos quais ela não oferece a apropriada alternativa de vida. (MARTINS. 2003b. p. 10-11)

Para que o Brasil se tornasse um país competitivo no mercado globalizado os processos de industrialização e desenvolvimento foram

realizados à custa de planos e projetos econômicos, políticos e militares que levaram à míngua grande parcela da população brasileira.

O êxodo das pessoas das áreas rurais para a cidade, pois o plantio de grãos para exportação mecanizou o campo e expulsou trabalhadores para as periferias dos grandes centros; a terceirização de mão-de-obra para baratear custos de produção e o aumento do exército de reserva tornaram precárias as relações de trabalho.

As políticas econômicas promoveram a inclusão precária e marginal de uma considerável parcela da população. Esse grupo de pessoas, entre elas grande parte das famílias dos adolescentes que cometeram ato infracional, são incluídas apenas em termos do que é necessário para manterem-se reproduzindo como força de trabalho e consumo no sistema capitalista de produção, sem modificação da situação, sem que reivindiquem ou protestem pelas injustiças que sofrem.

A partir da década de 90 o trabalhador passou a demorar mais tempo para entrar novamente na lógica ampliada do capital como força de trabalho. Mas de acordo com as possibilidades advindas da criatividade das estratégias de sobrevivência, consegue manter-se como consumidor. Na verdade, um consumidor daquilo que sobra, do resto, das mercadorias com pequenos defeitos, das prestações infindáveis e com juros altos nas lojas de departamentos, dos leilões de imóveis credores etc.

O desenvolvimento social não acompanhou o desenvolvimento da tecnologia e das possibilidades advindas pelo desenvolvimento do capital. A força de luta foi abafada pela repressão explícita, pela inclusão ideológica, pela força da indústria cultural.

A sociedade capitalista produziu tecnologia e riquezas suficientes para que toda a humanidade pudesse usufruir desse avanço, porém, uma grande parte das pessoas está incluída no processo de produção da riqueza, mas não da sua distribuição.

Em suas conseqüências sociais adversas, o modelo de desenvolvimento econômico que se firmou no mundo contemporâneo leva simultaneamente a extremos de progresso tecnológico e de bem-estar para setores limitados da sociedade e a extremos de privação, de pobreza e marginalização social para outros setores da população. (MARTINS. 2003b. p.13)

Essa exclusão, com conseqüente inclusão precária é inerente ao sistema capitalista de produção da forma como está hoje.

A miséria e a pobreza material impediram as pessoas da proteção da família e da propriedade. A família não protege porque todos os seus membros, espoliados pelas condições de trabalho, ou falta dele, não conseguem dar apoio e orientação aos mais jovens.

como você não é criado pelos pais, você sempre tem uma festividade na escola, dia dos pais... (...) e não tinha pra quem dar, via as crianças abraçando tudo ali e você ficava assim mal... que você ficava sentido, porque você não tinha ninguém ali pra você está comemorando junto, a única pessoa era a minha mãe, minha mãe trabalhava muito como funcionária pública, daí o que acontece, em...

(...)

É... talvez eu não teria.... acontecido tudo o que aconteceu comigo hoje em dia, que nem hoje em dia eu sento com as minhas sobrinhas, tudo, converso com elas, tem as minhas sobrinhas que tem, a mais velha tem 15, converso com elas tudo, explico o que é.... o que é camisinha, o que é relação.... eu faço isso porque minha cunhada não tem aquela coragem, meu irmão trabalha muito e de vez em quando chega e bebe, né? Daí já chega, toma banho, deita e dorme pra ir trabalhar no outro dia. Meu outro irmão mais velho só.... Deus que guarda ele, né? Que é viciado, é viciado também ele.... (Douglas)

A proteção da propriedade não acontece porque os trabalhadores pobres não conseguem obter recursos para a compra de uma casa que sirva como descanso para o corpo e abrigo para a memória da família.

A pseudoformação oferecida nas escolas, nos centros culturais, nos meios de comunicação é aquela que impossibilita o sujeito de pensar o real de forma distinta da que lhe é mostrada.

O pseudoformado (ADORNO. 1996) é aquele que está adaptado à sociedade e não questiona, possui uma formação com fim em si mesma, é aquele que precisa mostrar que sabe tudo e pode discorrer sobre qualquer

assunto, mas na verdade não conhece nada ou o faz apenas superficialmente, ele despreza a cultura e não reconhece sua importância. Esse indivíduo perde a capacidade de crítica, de ironia, está sempre de acordo com o que se espera dele e com o que ele aprendeu que deve ser.

Os adolescentes pobres são ignorados pelas pessoas, são “vistos” apenas quando cometem uma infração, sobem nos telhados das Febem(s), estampam a contradição da sociedade de forma a não ser possível ignorá-los. Nesses casos são tidos como bandidos, perigosos, precisam ser banidos do contato social. Mas foi literalmente a falta de contato com o humano no outro que provocou tudo isso.

O desejo dos adolescentes pobres da periferia de uma grande cidade como São Paulo demonstra semelhança com o desejo dos jovens ricos. Como afirma José de Souza Martins:

[...] O estamento dos excluídos reproduz, degradadas, as formas próprias, conspícuas, do outro estamento; o tênis de qualidade inferior do adolescente pobre reproduz o tênis sofisticado do adolescente rico. Faz do mundo do excluído um mundo mimético, de formas que ganham vida no lugar da substância. É o mundo do imaginário, da consciência fantasiosa e manipulável. (MARTINS. 2003a. p. 36)

Esse mundo sonhado pelos adolescentes pobres é o mundo apresentado pela indústria cultural nos cinemas, na televisão, nas escolas, em jornais e revistas.

A indústria cultural produz bens dizendo que são fundamentais para as pessoas que por seu lado, acreditam na real necessidade delas. A indústria produz o desejo e o transforma em necessidade. “A atitude do público que, pretensamente e de fato, favorece o sistema da indústria cultural é uma parte integrante do sistema, não sua desculpa.” (HORKHEIMER e ADORNO. 1985. p. 115)

Todos são bombardeados com informações e produtos de consumo que dizem o que devem vestir, comer e sentir. Aquele que não segue essa “orientação” é discriminado, desvalorizado e humilhado. O trabalho, os

estudos e as relações pessoais são impregnados dessas informações: o trabalho é alienante, a educação oferecida é incompleta, as relações são superficiais e efêmeras.

Ah, tipo assim, você.... você é um adolescente, você vê seus amigos de roupas novas, você vê seus amigos de moto, tendo dinheiro pra sair com namoradas, esses negócios, e você... e você sempre quando você tem, se vai num lugar, se você tem uma calça você não tem um tênis, então você vai num lugar você é tirado sarro, os próprios amigos, às vezes até primo, parentes também que tem alguma coisa e não ajudam, então o que acontece, você pede uma ajuda pra uma pessoa pra você não entrar e às vezes por conseqüências da vida, você acaba entrando nessa, nessa vida, não...(Douglas)

Esses mecanismos ensinam que o valor de uma pessoa está nos objetos que pode adquirir. Objetos que transcendem a necessidade, objetos que tornam o ser humano refém de sua necessidade. Objeto que traz humanidade ao mesmo tempo em que desumaniza.

Alguns entram na criminalidade para conseguirem os objetos do desejo, outros lutam por terminar os estudos, conseguir o primeiro emprego, cursar uma faculdade privada.

Todos eles, os ricos e os pobres, os que estão dentro e os que estão fora da ordem moral estabelecida estão rendidos à estrutura social dominante e aos ditames da indústria cultural e da massificação.

Então você não consegue, pela discriminação, a qual, hoje em dia, tem muitas pessoas que estão entrando na marginalidade ou continuam por falta de oportunidades... (Douglas)

A nova forma de desigualdade produz a sensação de igualdade no plano ideológico, mas não no plano material. A casa dos pobres, conseguida com um enorme sacrifício, leva-os a condição de humanos, viram “gente” perante outras “gentes”.

Peguei esse dinheiro aí que eu tava e eu tinha uma moto e eu tenho um Chevete também, né? O carro, aí eu peguei e falei: não, vou vender minha moto, tipo eu tava devendo nas Casas Bahia, eu vou vender minha moto, quito as Casas Bahia e aí eu vejo o que dá pra mim tirar, né? Aí eu peguei esse dinheirinho e comprei um terreno lá pra mim construir minha

casa, eu e minha esposa, entendeu? Aí eu falei, a gente tem que ter o nosso lugar, a gente pegou, construiu nossa casa lá, tudo e tirou os móveis nas Casas Bahia e aí tipo... (Lucas)

O adolescente pobre sabe que ele é considerado cidadão de segunda