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Anne Sullivan e o assento construtivista sócio interacionista

No documento A função pendular do educador (páginas 56-76)

2. O assento do discurso pedagógico

2.2 Anne Sullivan e o assento construtivista sócio interacionista

Foi nas aulas de Psicologia da Educação I60 do curso de Pedagogia, que tomei conhecimento do filme The Miracle Worker61, quando terminávamos o primeiro bloco da disciplina, organizado em torno da teoria de Vygotsky a respeito da gênese do psiquismo humano, em seu contexto histórico-cultural, centrado no paradigma do desenvolvimento. A exibição tinha por objetivo ilustrar o fundamento do que aqui chamamos de teoria sócio- histórica das aprendizagens, em si um discurso, de modo a ressaltar a importância da mediação simbólica feita pelo professor no processo de desenvolvimento psicointelectual da criança. Tratava-se da história da educação de uma menina surda-muda que ascendia à linguagem somente depois de uma professora conseguir fazê-la entender que determinados sinais, feitos em sua mão, remetiam a um específico referente. Fazia-se assim, para Keller, o primeiro elo verbal entre objeto e signo, da palavra e do referente “water”. Através da mediação simbólica que exercera junto a Helen, Anne Sullivan havia conseguido que entendesse e pudesse aprender, dali em diante, a comunicação da linguagem pelos sinais das mãos, por ter intervindo na zona proximal de desenvolvimento na qual a menina se encontrava.

Terminada a exibição, porém, os pensamentos que haviam andado no semestre anterior nas primeiras incursões aos estudos psicanalíticos62 e matutavam, ainda, sobre a educação fracassada de Victor de Aveyron63, abalados novamente, não paravam de

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Ministradas por Marta Kholl de Oliveira, cuja produção escrita versada sobre a psicologia educacional não raro é recomendada na formação de professores. Seu livro intitulado Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico, editado pela editora Scipione, em 1997, figura na maioria das bibliografias de concursos públicos para seleção de educadores.

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A primeira versão de The miracle worker (O milagre de Anne Sullivan), em preto e branco, foi filmada em 1962 e ganhou dois Oscars pelas excelentes atuações de Anne Bancroft e Patty Duke. Indicado ainda para as categorias de melhor diretor, melhor roteiro adaptado e melhor figurino, o filme, de fato, para além do interesse educativo, carrega uma beleza singular, tanto pela fotografia, quanto pelo roteiro suspicaz.

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Psicologia da Educação II, ministrada por Leandro de Lajonquière.

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Conhecida pela tela de Garoto Selvagem, de François Truffault, 1970, assim como pela leitura de A Educação de um Selvagem : as experiências pedagógicas de Jean Itard, organizado por Luci Banks-Leite e Izabel Galvão, São Paulo, Cortez, 2000.

perguntar a eujemoi até que ponto conseguiriam aceitar Anne Sullivam como uma educadora sócio-interacionista, quando a atuação educativa daquela parecera-lhe ir muito além. Porque havíamos visto naquelas cenas algo difícil de encaixar na teoria, algo meio amalucado, improvável de ser atinado como uma conduta educativa “adequada”. Não, a conduta de Sullivan não nos parecera nem um pouco “adequada”, embora profundamente pertinente. Paradoxo. Desencaixes. Como poderia ser e não ser? Essa passou a ser uma questão. Ou alguém aceita, nos dias de hoje, que um professor chegue a dar um tapa na cara de um aluno, dependendo das contingências ocorridas durante os trabalhos que estão sendo elaborados; ou que uma professora peça permissão à família para passar alguns dias isolada com uma aluna em uma casa distante, a fim de fazê-la aprender a respeitar-lhe, principalmente quando diz-lhe “não”? Não, nada disso seria suportado, senão execrado, porque “desrespeitaria os direitos da criança e do adolescente”. Tivesse Helen sido respeitada “adequadamente” em seus direitos de criança, possível que jamais ascenderia à fala... como também jamais teria feito tudo o que fez, tornando-se o significante que ainda hoje é no universo dos surdo-mudos. Tão pouco estaríamos aqui, depois de décadas, tentando reavivar esta que fez história na pedagogia moderna.

Pois bem, se saímos em busca de circundar a função do educador, e esse é aqui o nosso propósito, a nossa pergunta de pesquisa, sigamos primeiro nos caminhos conceituais propostos por uma das vias da Psicologia da Educação do curso da pedagogia costumeira, para então mostrarmos uma outra vertente de análise.

No contraponto aos pensamentos de Dona Cabeça64, Khol chamava a atenção dos graduandos para a importância crucial daquele momento de significação nas aprendizagens posteriores de Helen Keller visto que, de acordo com a teoria sócio-interacionista vygotskyana, dali em diante a menina estaria apta a aprender não só uma infinidade de palavras, como a própria fala, ambas fundamentais para o desenvolvimento do pensamento verbal, conforme podemos encontrar em Pensamento e Linguagem:

A relação entre pensamento e a palavra é um processo vivo: o pensamento nasce através das palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras permanece na sombra. A relação entre eles não é, no entanto, algo já formado e constante; surge ao lado do desenvolvimento e também se modifica (VYGOTSKY, 1991, p. 131).

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Permitir a intervenção do que se aproxima de um narrador-personagem é um recurso que desenhamos para que o leitor possa realizar como foi acontecendo o que a autora entende como seu processo de equilibração majorante para a hipótese que construiu. Que não seja comum ao meio acadêmico, sabemos bem, que invalide nosso percurso de pesquisa e escrita, esperamos que não.

Em Vygotsky, o pensamento não é entendido simplesmente como algo expresso em palavras, mas como um processo, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra e vice-versa, de modo que somente por meio delas o pensamento passa a existir (Idem, ibidem, p.108). Quanto ao elo entre palavra e significado, não seria este meramente denotativo ou associativo, dado que a associação entre palavra e significado, explica o autor, pode tornar-se mais forte ou mais fraca, enriquecer-se pela ligação com outros objetos de um tipo semelhante, expandir-se por um campo mais vasto ou até tornar-se mais limitada. Ou seja, a associação palavra-significado mostra-se passível de alterações quantitativas e externas, nisto que ele nomina como desenvolvimento do significado das palavras (Idem, ibidem, p. 105): “Os significados das palavras são formações dinâmicas, e não estáticas. Modificam-se à medida que a criança se desenvolve; e também de acordo com as várias formas pelas quais o pensamento funciona” (Idem, ibidem, p. 108).

Entendendo, finalmente, que as coisas do mundo são verbalizáveis, ter-se-ia aberto a Keller o caminho para que utilizasse e se desenvolvesse nas funções psicológicas superiores, o que desembocaria, por fim, no controle consciente do próprio comportamento, segundo o interacionista.

Vygotsky dedicou-se, principalmente, ao estudo daquilo que chamamos de funções psicológicas superiores ou processos mentais superiores. Isto é, interessou-se por compreender os mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser humano e que envolvem o controle consciente do comportamento, a ação intencional e liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes. [Através da linguagem] O ser humano tem a possibilidade de pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar ações a serem realizadas em momentos posteriores. Esse tipo de atividade psicológica é considerada “superior” na medida em que se diferencia de mecanismos mais elementares tais como ações reflexas (a sucção do seio materno pelo bebê, por exemplo), reações automatizadas (o movimento da cabeça na direção de um som forte repetitivo, por exemplo) ou processos de associação simples entre eventos (o ato de evitar o contato da mão com a chama de vela, por exemplo). (...) Esse modo de funcionamento psicológico, típico da espécie humana, não está presente no indivíduo desde o seu nascimento. (...) [devido que] as atividades psicológicas mais sofisticadas são frutos de um processo de desenvolvimento que envolve a interação do organismo individual com o meio físico e social em que vive. A aquisição da linguagem definirá um salto qualitativo no desenvolvimento do ser humano (OLIVEIRA, 1997, p. 29, acréscimos nossos).

A abordagem vygotskiana elenca a comunicação como fator decisivo tanto no desenvolvimento mental , quanto nas aprendizagens, devido ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores estar atrelado à mediação simbólica realizada por meio de instrumentos e signos capazes de viabilizar as atividades psicológicas ditas voluntárias e

intencionais. Uma vez que a mediação entre homem e mundo se dá a partir de instrumentos que o próprio homem constrói para atingir objetivos específicos, a linguagem poderia ser entendida como mais um desses instrumentos criados para fornecer “um suporte concreto para a ação do homem no mundo” (Idem, ibidem, p. 34), resumindo, a palavra seria, por excelência, “instrumento psicológico” de comunicação e pensamento, isto que é, sim, um paradigma.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc), é análoga à intervenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento no trabalho (Idem, ibidem, p. 30).

Vejamos a distinção que Vygotsky faz entre instrumento e signo. Enquanto instrumentos são elementos externos ao indivíduo, voltados para fora, cuja função é provocar mudanças nos objetos e controlar processos da natureza, os signos, chamados de “instrumentos psicológicos”, são orientados para o próprio sujeito, para dentro dele, internalizados, com a função de dirigirem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas (Idem, ibidem, p. 30). Eis o entendimento de signo adotado pelos interacionistas:

Signos podem ser definidos como elementos que representam ou expressam outros objetos, eventos, situações. A palavra mesa, por exemplo, é um signo que representa o objeto mesa; o símbolo 3 é um signo para a quantidade três; o desenho de um sanitário é um signo que indica “aqui é o sanitário masculino”

(Idem, ibidem, p. 30).

Na concepção de Vygotsky, o ser humano cresce num ambiente social sendo a interação com outras pessoas essencial para seu desenvolvimento. Por conta disso, as funções básicas da linguagem que possibilitam tanto as trocas sociais, quanto as interpretações do mundo real seriam duas, o intercâmbio social (a comunicação com seus semelhantes) e o pensamento generalizante (agrupar as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual). Por conseguinte, o significado das palavras é entendido como uma generalização, um conceito, e como tal, fenômeno e instrumento de pensamento. “Ao tomar posse da linguagem, inicialmente utilizada apenas com a função de comunicação, a criança passa a ser capaz de utilizá-la como instrumento (interno, intrapsíquico) de pensamento” (Idem, ibidem, p. 52).

! Tomar posse da linguagem, inicialmente, apenas com a função de comunicação...!?! mas como, se isso a pequena criança fará só e só se já tiver sido atravessada há tempos pela linguagem do Outro Primordial, convidada e aceita como foi a tomar lugar no Desejo!da!

Mãe, apossando!se da linguagem que metatransmitiu um lugar de vida, não de morte, sem ser ainda, propriamente, uma linguagem de comunicação no sentido estrito da palavra...

Tomado a compreender a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, assim como as características específicas desta inter-relação na idade escolar, percebe-se em “Aprendizagem e Desenvolvimento Intelectual na Idade Escolar” (Vygotsky, 2005) que a aprendizagem não só está em função da comunicação, mas também do nível de desenvolvimento alcançado:

É uma comprovação empírica, frequentemente verificada e indiscutível, que a aprendizagem deve ser coerente com o nível de desenvolvimento da criança. (...) podemos tomar tranquilamente como ponto de partida o fato fundamental e incontroverso de que existe uma relação entre determinado nível de desenvolvimento e a capacidade potencial de aprendizagem. Todavia quando se pretende definir a efetiva relação entre processo de desenvolvimento e capacidade potencial de aprendizagem, não podemos limitar-nos a um único nível de desenvolvimento. Tem-se de determinar pelo menos dois níveis, já que, senão, não se conseguirá encontrar a relação entre desenvolvimento e capacidade potencial de aprendizagem. Ao primeiro destes níveis chamamos do desenvolvimento efetivo da criança (...) [aquele] que se conseguiu como resultado de um específico processo de desenvolvimento já realizado

(VYGOTSKY, 2005, p. 35, acréscimo nosso).

Portanto, haveria para o desenvolvimento psíquico da criança uma parte definida pela maturação do organismo humano, embora grande parte do processo fique a cargo de aprendizagens capazes de despertar funcionamentos psíquicos internos que, não fossem o contato do indivíduo com certo ambiente cultural, não ocorreriam. Essa concepção cristaliza- se, segundo Oliveira (1997, p. 58), na formulação do conceito específico da teoria vygotskyana de Zona de Desenvolvimento Proximal65.

É a partir da postulação da existência de dois níveis de desenvolvimento – o real e o potencial – que Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal como ‘a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais

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Também traduzido como Zona de Desenvolvimento Potencial. “O que uma criança é capaz de fazer com o auxílio dos adultos chama-se zona do seu desenvolvimento potencial. Isto significa que, com o auxílio deste método, podemos medir não só o processo de desenvolvimento até ao momento presente e os processos de maturação que já se produziram, mas também os processos que estão ocorrendo ainda, que só agora estão amadurecendo e desenvolvendo se (...) Portanto, o estado do desenvolvimento mental da criança só pode ser determinado referindo-se pelo menos a dois níveis: o nível de desenvolvimento efetivo e a área de desenvolvimento potencial. Este fato, que em si mesmo pode parecer pouco significativo, tem na realidade enorme importância e põe em dúvida todas as teorias sobre a relação entre processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança. Em especial, altera a tradicional concepção da orientação pedagógica desejável, uma vez diagnosticado o desenvolvimento” (VYGOTSKY, 2005, p. 37, negritos nossos).

capazes’. A zona de desenvolvimento proximal refere-se, assim, ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. (...) Interferindo constantemente na zona de desenvolvimento proximal das crianças, os adultos e as crianças mais experientes contribuem para movimentar os processos de desenvolvimento dos membros imaturos da cultura(OLIVEIRA, 1997, p. 60).

Sendo assim, o papel da escola e do professor seria interferir nesta zona, evitando dirigir o ensino para etapas intelectuais já alcançadas, tentando atingir o alvo dos estágios de desenvolvimento psicointelectual ainda não incorporados, de modo a provocar avanços que não ocorreriam espontaneamente:

Um ensino orientado até uma etapa de desenvolvimento já realizado é ineficaz sob o ponto de vista do desenvolvimento geral da criança, [pois] não é capaz de dirigir o processo de desenvolvimento, senão que vai atrás dele. A teoria do âmbito do desenvolvimento potencial origina uma fórmula que contradiz exatamente a orientação tradicional: o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento(VYGOTSKY, 2005, p. 38, acréscimo nosso).

Ou seja, o ensino deveria adequar-se às etapas do desenvolvimento cognitivo para adiantar-se a ele:

O processo de ensino-aprendizagem na escola deve ser construído, então, tomando como ponto de partida o nível de desenvolvimento real da criança – num dado momento e com relação a um determinado conteúdo a ser desenvolvido – e como ponto de chegada os objetivos estabelecidos pela escola, supostamente adequados à faixa etária e ao nível de conhecimentos e habilidades de cada grupo de crianças(OLIVEIRA, 1997, p. 62).

Etapas estas que podem ser avaliadas pelo professor, segundo Vygotsky, de acordo com o comportamento cognitivo do aluno:

O ponto de vista tradicional dá como certo que a única indicação possível do grau de desenvolvimento psicointelectual da criança é a sua atividade independente, e não a imitação, entendida de qualquer maneira. (...) As únicas provas tomadas em consideração para indicar o desenvolvimento psicointelectual são as que a criança supera por si só, sem ajuda dos outros e sem perguntas-guiadas ou demonstrações. Várias investigações demonstraram que este ponto de vista é insustentável. (...) A diferença substancial [em relação aos animais] no caso da criança é que esta pode imitar um grande número de ações – senão ilimitado – que superam os limites da sua capacidade atual. Com o auxílio da imitação na atividade coletiva guiada pelos adultos, a criança pode fazer muito mais do que com a sua capacidade de compreensão de modo independente. A diferença entre o nível das tarefas realizáveis com o auxílio dos adultos e o nível das tarefas que podem desenvolver-se com um atividade independente define a área de desenvolvimento potencial da criança

Daí a suposta importância dos professores no desenvolvimento psíquico, como também nas transformações dos significados daquilo que a criança, até certo momento, só aprende a partir das experiências vivida, porque na escola, tais transformações (desenvolvimento de significados) ocorreriam a partir de definições, referências e ordenações retiradas de diferentes sistemas conceituais, mediadas pelo conhecimento já consolidado na cultura.

A criança que aprendeu a distinguir a lua da luz do abajur e da lanterna vai, agora, aprender que a lua é um satélite, que gira em torno da Terra, que satélite é um tipo de astro diferente de planetas e estrelas, etc. Novamente o significado da palavra transforma-se, tornando-se cada vez mais próximo dos conceitos estabelecidos na cultura(OLIVEIRA, 1997, p. 50).

Em suma, através da relação interpessoal concreta com outros homens, o indivíduo interiorizaria as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psíquico, fornecendo a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico, num processo que não se configura como absorção passiva, mas de transformação e síntese: “Como se o indivíduo “tomasse posse” das formas de comportamento fornecidas pela cultura, num processo em que as atividades externas e as funções interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsíquicas” (Idem, ibidem, p. 38), motivo pelo qual pensamento e linguagem estariam intimamente ligados, já que a linguagem internalizada tornar-se-ia um instrumento do pensamento: falar induz pensar, pensar induz falar, mesmo que seja nesse “discurso interior”, forma interna de linguagem.

A linguagem origina-se em primeiro lugar como meio de comunicação entre a criança e as pessoas que a rodeiam. Só depois, convertido em linguagem interna, se transforma em função mental interna que fornece os meios fundamentais ao pensamento da criança(VYGOTSKY, 2005, p. 39). ! Interessante, quase compatível... mas se fosse só uma questão de mediação simbólica como e por que a menina não “falava”, se em torno dela, há 7 anos, havia tantos adultos em sua convivência? Ou aqueles pais e adultos não souberam fazer como a maioria que, em geral, trabalham sobre a dita zona proximal de desenvolvimento dos filhos sem saber?... E se fazem isso, porque aqueles familiares não conseguiram transmitir à menina a relação entre significado e referente de absolutamente nada?... Sullivan cunhou um anzol e com ele fisgou a menina... terá sido pela invenção e domínio de procedimentos metodológicos que sua ação engatou Helen como vagão?

Enfim, para os adeptos do sócio-interacionismo, Anne Sullivan há de ter trabalhado sobre a Zona Proximal de Desenvolvimento da criança, em princípio através da imitação, até que Helen finalmente pudesse entender aquele e outros conjuntos de movimentos feitos pelos dedos da professora em suas mãos, remetendo ao significado de certos objetos.

! Ok, ok!... Sem dúvida que o filme encaixa!se às lentes vygotskyanas, todavia, sob os crivos da psicanálise, outros quadros podem ser configurados...

De fato, não foi inócuo que a menina tenha aprendido a relação das palavras aos referentes. Contudo perguntamos, como fez Sullivan para ensinar o referente de uma conjunção, de um advérbio de modo, um adjetivo, um artigo?, como explicar, ou fazer a criança entender o que é o “passado”, ou “ou”, ou “continente?”, ou o que vem a ser o “sexo”, a “morte”? Não, caro leitor, a tarefa não parece das mais simples, porque precisa de um belo gancho para enlaçar alguém nessas aprendizagens... água é água e continuará sendo água, até que não se comporte como o tero66, ave comum também na Argentina, citada por Oscar Masotta em O comprovante da falta (1987), cujo comportamento funciona de maneira parecida à dinâmica errante de significante-significado (S/s), que para Lacan, tal qual a ave, bota ovos num lugar, para depois cantar em outro....

Retomemos a história.

Quando Anne Sullivan chegou à casa dos Keller, encontrou uma menina já em estado de linguagem, pois mesmo sem falar, já “falava”, fosse através de mímicas toscas, movimentos imprecisos, grunhidos, empurrões ou pontapés. Aos 7 anos, ainda que encerrada na escuridão, como ela mesma acaba escrevendo, não estava fechada em si, distava do autismo, o que nos certifica que A palavra já havia sido instalada e feito daquele organismo um sujeito do inconsciente, embora não conhecesse nem pudesse proferir, em nome próprio, uma palavra sequer. A partir do escopo psicanalítico, inferimos, o aparelho de linguagem em Helen já estava ali, instalado pelo desejo materno. Helen, frisamos, embora demonstrasse muita agressividade e veemência nas negações, não apresentava Distúrbios Globais do

No documento A função pendular do educador (páginas 56-76)