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Discurso do Capitalista

No documento A função pendular do educador (páginas 103-106)

2.3.3 – Discursos universitário, da ciência, da educação

2.3.4 Discurso do Capitalista

Observemos a metamorfose perversa do mestre ao capitalista:

S1 S2 Discurso do Mestre

S a

$ S2 Discurso do Capitalista

S1 a

É preciso notar a sutil mudança feita na direção da seta entre as posições do agente e da verdade. No discurso do capitalista, o agente $ passa a determinar a verdade,

manipulando-a, na desconsideração do recalque, como havíamos dito. O matema que antes tropeçava no impossível, agora gira em looping, porque suturado o furo, a bainha, a hiância. Na corrupção do lugar da verdade, desaparece a verdade-verdadeira e resta o gozodogozodogozodogozo∞.

1 de janeiro de 1888. É uma grande coisa a gente sentir que tem alguma utilidade neste mundo e que está sendo necessária a outro ser. A maneira como Helen depende de mim para quase tudo enche-me de alegria. A semana do Natal foi muito trabalhosa por aqui. Helen foi convidada a todas as festas infantis, e eu a levei a quase todas. Quero que ela trave conhecimento com as crianças, convivendo com elas o mais possível. Várias crianças já se orgulham de saber falar com ela pelo alfabeto manual. (...) Há várias semanas só temos conversado e contado histórias sobre o Natal. Não procuro explicar, palavra por palavra, as leituras a Helen, preferindo que as constantes repetições acabem por fazê-la descobrir o sentido de muitos vocábulos. A leitura e a conversação não devem ser tornadas estéreis pela constante dissecação de palavras isoladas. Cumpre procurar o prazer da idéia, acima de tudo. Desejo que Helen fale pelo desejo de dizer-me alguma coisa que pensa ou sente, e não pela obrigação de formar frases com determinadas palavras. Quando ela se acha embaraçada por não encontrar como exprimir o que quer, ajudo-a de modo que chegue ao fim. A ansiedade e o interesse que sente por transmitir suas idéias vão levando de vencida os obstáculos, sem o exame detalhado das palavras. Creio que se me forçassem a definir as palavras mais simples que uso constantemente, eu acabaria no primeiro ano do curso primário para débeis mentais (Anne Sullivan, in KELLER, 2001, p. 216-7).

Foi na conferência de Milão, em 12 de maio de 1972, que Lacan mostrou a inversão no matema do mestre em discurso do capitalista.

El semblante ya no es significante amo que recibe su determinación de la verdad, sino que es el sujeto, entronizado como agente, quien opera sobre el significante amo colocado en el lugar de la verdad. Tal manipulación de la verdad es un rechazo de la castración del discurso conducente a establecer una circularidad sin interrupciones. Por este motivo, y por el hecho de que el circuito se halla orientado hacia la izquierda [ao contrário dos outros quatro discursos], hablamos de “círculo siniestro” (ALEMÁN; LARRIERA, 1996, p. 178).

De fato, afirma Lacan (1991, p. 188-189) alicerçado na Dialética do Senhor e do Escravo, de Hegel e em O Capital, de Marx:

Alguma coisa mudou no discurso do mestre a partir de um certo momento da história. Não vamos esquentar a cabeça para saber se foi por causa de Lutero, ou de Calvino, ou de não sei que tráfico de navios em torno de Gênova, ou no Mar Mediterrâneo, ou alhures, pois o importante é que a partir de um certo

dia, o mais-de-gozar se conta, se totaliza. Eis quando começa o que chamamos a acumulação de capital.

Em lugar da castração, o discurso capitalista promove o onanismo do consumo rápido e descartável de quinquilharias, parceiros, teorias, mas também dos multiprodutos da indústria cultural através da objetalização do outro transformado em consumidor, formatado para aumentar o capital. O mercado escolar, por exemplo, quando toma o sujeito em processo de crescimento e humanização no registro de A!Criança90, como descrito por Lajonquière recentemente, não acaba produzindo grande parte do alunado exatamente nesta posição de gadget ou fetiche? Nesse discurso, S1 se dirige a S2, pondo o gozo deste a seu serviço, formando o circuito que se retroalimenta. Eis de fato o circuito sinistro e perverso que não exige renúncia, mas ao contrário, que instiga a pulsão, impondo ao sujeito determinadas relações com a demanda, sem se dar conta que, ao fazê-lo, está na sustentação da pulsão de morte (cf. ALBERTI, 2000).

O mal-estar, portanto, é o produto dos discursos dominantes em nossa civilização: discurso do mestre, universitário e do capitalista (...) O mal-estar da civilização dominada pela ciência, como a nossa, se apresenta hoje como doenças predominantemente oriundas do discurso do capitalista, a nova e hegemônica modalidade do discurso do mestre que promove um autismo induzido e um empuxo ao onanismo, fazendo a economia do desejo do Outro e estimulando a ilusão de completude(QUINET, 2001).

Sintomas provocados pelo rechaço do desejo e pela recusa à palavra enunciada pelo sujeito91. Sintomas, também nos campos da educação: enquanto aos educandos um rol de deficiências e dificuldades são nomeadas e distribuídas nos consultórios “psis”, a síndrome de Burnout está reservada também a professores exaustos e deprimidos. “Ladainhas” de professor? Não, desconsideração obscena de burocratas da educação. Rechaço do sujeito legitimado pelo discurso capitalista, encampado pelo Estado. O fracasso em larga escala, apontando para vários agentes: instâncias governamentais, diretores, coordenadores, funcionários, educandos, pais. Para-educadores de todos os naipes, farmacêutica de última geração, todos chamados a ajudar na sustentação do trabalho que, antes, se mantinha

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A Criança , segundo o autor, é uma construção fantasística do mundo moderno, que toma a criança como ser desprovido de qualquer marca do desejo sexual e infantil, produto da naturalização violenta da infância. “Esse ser natural, dotado de direitos e necessidades educativas mais ou menos especiais, porém sempre clamante de satisfação, virou parâmetro comportamental onipresente na vida junto a esses seres pequenos, que temos o hábito, até agora, de chamarmos de crianças” (LAJONQUIÈRE, 2010, p. 19). Sobre A!Criança, a racionalidade tecnocientificista tudo põe a investigar e a saber, instrumentando o adulto no endereçamento supostamente adequado a tal criatura, esta que se supõe, então, imutável e fora do tempo. Desta feita, A!Criança, é tomada bem como a criança que não existe, embora o “adulto” pós- moderno insista em afirmá-la.

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A esse respeito, ver Richard Sennet, A corrosão do caráter : Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo, Record, 2005.

circunscrito aos desdobramentos possíveis no ambiente escolar, sendo os impasses dissolvidos (ou não), sem maiores diagnoses, nem medicações. Ao candidato a estudante, diplomas como tíquetes que prometem a entrada no mercado de trabalho são ofertados, embora muitas vezes não passem de ledo engodo. Além de oferecer titulações de todos os naipes – cada vez mais baratas e rápidas –, a escolarização obrigatória que um dia foi inventada em nome da igualdade de oportunidades e direitos do cidadão republicano serve, hoje, à movimentação do mercado da educação, cooptando na criação de produtos e instituições destinados a dar conta das ditas necessidades educativas especiais, não só físicas, mas também “psíquicas”. Exemplos são as escolas especializadas na clientela diagnosticada como disléxica, hiperativa, deficitária na atenção, agora também com pânico escolar, sem falarmos na nova leva de psicotrópicos para-pedagógicos cujo consumo crescente em nível mundial se faz em nome da atenção e calma necessárias a uma educação planejada e pregada como ideal.

Sintomas.

! Mas dá!lhes Ritalina, porque nas baladas, nossos TDAHHHHHHprendem rapidamente a tomá!la em grupo, intercalada com destilados. Evoé, Baco!!! Ió! Ió! Ió!

No documento A função pendular do educador (páginas 103-106)