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Qual o tempo para um sujeito advir, formar se, vir ar ser?

No documento A função pendular do educador (páginas 33-48)

1. Educ(a)tio

1.3 Qual o tempo para um sujeito advir, formar se, vir ar ser?

Em um texto intitulado A Questão do Sujeito: Construção, Constituição e Formação, Dunker afirma ser questão não exatamente uma pergunta, mas uma passagem ou transmissão da palavra. De origem latina quarere, a conotação de querer, procurar, buscar conservar- se-ia no sentido lógico do termo questão. “Uma questão, é um ato linguístico que consiste em enunciar algo denotando, quer pela entonação, quer pela forma gramatical, quer pela pontuação, que se pede algo a alguém que a enunciação seja completada”25(DUNKER, 2002, p. 20). É uma incitação ao dizer , convidando o outro a tomar uma posição, manifestando-se como sujeito. Mas se ao final da Idade Média, resume o autor, a quaestio surge como gênero literário e impõem-se junto ao nascimento das primeiras universidades como uma espécie de exercício pedagógico ou método de aprendizagem baseado na alternância de objeções e refutações, permitindo a participação de bacharéis e mestres em disputas verbais e exposições compartilhadas de seus trabalhos pessoais, depois do século XV questão já designa assunto, ou seja, tema ou ponto de discussão que ainda não está resolvido.

Expressa, portanto, a situação em que, os que pelo tema se interessam, não encontram consenso ou conciliação de teses. Daí os termos subject em inglês e sujet em francês significarem, ambiguamente, tanto assunto, quanto alguém que fala de um assunto. Inversamente, diz-se assuntar, em português, no sentido de convocar alguém a falar, incitar a dizer (Idem, ibidem, p. 20).

Assim, o autor convoca o leitor ao exame comparativo de três perspectivas de entendimento para a questão do sujeito: construção, constituição e formação, levando em conta a afirmação de Foucault26 sobre a importância de reconhecer a contradição originária da psicologia. Trata-se de um texto belo, denso, recheado de referências, na procura por assinalar proximidades, tensões e afinidades entre aquilo que a tradicional divisão disciplinar, metodológica e geométrica da psicologia costuma esconder, mesmo que na penumbra de paradigmas. Os temas que interrogam a psicologia interna e constitutivamente permitem, de acordo com Dunker, conceber o sujeito como um nó articulado entre três linhas de investigação, distintas, mas solidárias. Uma se volta à questão do sujeito, tomada como

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LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. Rés: Lisboa, 1997.

26“O futuro da psicologia não estaria, doravante, no levar a sério estas contradições, cuja experiência, justamente, fez nascer a psicologia?”. Foucault, M. A Psicologia de 1850 a 1950. In: Foucault, M. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, Coleção Ditos e escritos, p.139.

descentramento, divisão ou contradição constitutiva; outra, ao problema da mediação, dos discursos, das racionalidades ou instrumentos simbólicos formadores do sujeito; e uma terceira, à interrogação sobre a construção do real envolvido na experiência subjetiva. No corpo do capítulo que desenvolvemos aqui não há como trazer minúcias e afluências de tal aprofundamento, embora reconheçamos sua pertinência esclarecedora, motivo pelo qual pinçamos alguns parágrafos para juntar à nossa “vagueagem” e assim circular um pouco mais da função do educador. Vejamos como nos ajuda a adentrar na investigação a respeito do assunto:

A questão do sujeito implica na coordenação de uma tripla indagação: o que sou? Como sou? Quem sou? No primeiro caso enfatizo o sujeito como mesmidade, o fato de que sou um ao longo do tempo, em continuidade ininterrupta e permanente. Sou uma conjunção de predicados que me objetiva e nos quais me alieno por comparação. (...) Sou o conjunto de minhas identificações. Sou então a construção aberta de uma obra indefinida? No segundo caso – como sou? – , a resposta me envia à relação que sustento com a palavra que empenho, o cuidado de si, a reunião heterônoma daquilo que me faz como questão: descrever, relatar, prescrever. Sou a intriga formada pela história de minha vida e as peças que não se acomodam nesta narrativa. Aqui não há nenhum tratamento possível da questão sem o reconhecimento de que só apreendo quem sou quando fora de onde estou. “Para haver questão, o ser deve ter dois nomes: vazio e penumbra”27. Sou onde não penso, penso onde não sou. Quando sei o que desejo não sei quem sou, quando sei quem sou já não sei mais o que desejo. Sou então efeito de uma constituição que me escapa? Isso leva à terceira pergunta: quem sou? Aqui ponho em questão minha ipseidade28, ou seja, aquilo que me faz próprio, essa mistura única entre identidade e diferença. Aqui falo em minha descontinuidade na experiência, na escansão do tempo, na enunciação instantânea e fugaz do sujeito, no seu desaparecimento no ato e nos atos de sua palavra. Sou então ali onde não me encontro, sou apenas ali onde o outro me convoca e onde mal me reconheço na penumbra deste vazio. Sou então efeito de uma formação que me escapa?

(Idem, ibidem, p. 21-22.).

Na ideia de construção, afirma, faz-se presente a dimensão da continuidade e homogeneidade do processo da produção de objetos a partir da combinação ou articulação de elementos, opondo-se a tudo que é dado como natural, inato ou espontâneo. “Tal continuidade pode se manifestar, privilegiadamente, por meio da síntese, entre meios e fins, elementos e relações, partes e todo” (Idem, ibidem, p. 34). Um ponto de partida teórico que inside na psicologia construtivista, escreve, considera o sujeito como redutível à consciência, ou ao

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BADIOU, A. Ser, existência, pensamento: prosa e conceito. In: Pequeno Manual de Inestética. Estação Liberdade, São Paulo, 2002, p. 128.

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Segundo Houaiss: o caráter particular, individual, único de um ente, que o distingue de todos os outros; hecceidade. O termo foi recuperado no século XX pelo heideggerianismo

conjunto das funções psicológicas por ela centralizado e representado como ocorre, por exemplo, a Piaget, quando concebe a consciência primitiva fechada em si mesma e exterior ao outro, numa espécie de autismo, em que o estado inicial da consciência equivaleria a um núcleo íntimo, solipsista – espécie de núcleo “inconstruído” –, de toda construção posterior, numa configuração em que o pensamento caminha do individual para o social29. Oposto a este entendimento piagetiano, o construtivismo de Vygotsky propõe o sentido contrário, pois a criança, por natureza egocêntrica, teria a consciência estruturada pela linguagem, já que o uso social da mesma comandaria a formação da intersubjetividade. Em outras palavras, não seria a construção autônoma de conceitos que constrói o real, mas o real-social que constrói os conceitos e a consciência que lhe é necessária. A intersubjetividade seria propiciada, então, através de certa realização simbólica do outro como tal, e o pensamento desenvolver- se-ia, vetorizado, do social para o individual.

O conceito de constituição, por sua vez, remete à ideia de descontinuidade. Etimologicamente constituir procede do ato de fundar, instituir, criar. Em oposição à noção de homogeneidade do construtivismo, a noção de constituição tem afinidade com o corte, a ruptura, a heterogeneidade. Pode-se dizer, afirma Dunker, que as teorias da constituição se preocupam com as regras que criam um dado universo de discurso – regras constitutivas de um jogo de linguagem – , enquanto as teorias construtivistas tendem a enfatizar o estudo das regras que regulam um universo de discurso. De qualquer maneira, apontando o que parece uma proximidade, ambas as posições quanto ao estatuto do sujeito, construtivista ou constitutivista, mostram-se compatíveis com a noção de intersubjetividade:

No caso da tese da construção supõe-se uma espécie de autorregulação “espontânea” que torna difícil discernir uma alteridade separadora, crítica e simbólica de uma alteridade alienante, ideológica e imaginária. Desde que o processo seja de fato baseado na construção, seu destino, ou seu telos, estará garantido. Os meios são as garantias para os fins. A autonomia da consciência tende a decorrer da força dos sistemas simbólicos. No caso da tese da constituição, supõe-se uma espécie de heteroregulação. As possibilidades de controle do processo são muito precárias. A autonomia do simbólico é afirmada com anterioridade à da consciência individual. (...) a posição constitutivista enfatizará a heterogeneidade entre o sujeito e as instâncias de mediação (...) envolve, por exemplo, aquilo que não se pode antecipar no ato, mas que, retrospectivamente determina seu sentido. O sujeito não está no lugar de causa, demiurgo ou construtor, mas no lugar de

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Esta leitura de Piaget, entretanto, provoca controvérsias. Lajonquière, por exemplo, entende diferente. Ver “Para ler de Piaget a Freud”, apresentação escrita em 2010 para a primeira reimpressão do livro De Piaget a Freud: para repensar as aprendizagens. A (psico)pedagogia entre o conhecimento e o saber, após a 15ª. Edição, pela Editora Vozes.

efeito, de crise ou lacuna em relação às instâncias de mediação30 (Idem, ibidem, p. 51).

O paradigma da constituição sem dúvida recebe impulso da psicanálise quando esta postula, de forma axial, o descentramento e a heterogeneidade entre o sujeito e suas instâncias de mediação – afirma o autor, juntamente com Foucault – , e isto não é um mero detalhe, pois a existência do inconsciente implicará pôr sob suspeita permanente a noção de realidade ou referente. “A essa forma de realidade, imprevisível, imperfeitamente representável e por definição obscena (no sentido de fora de cena, ou fora do lugar prescrito pelo eu), Lacan chamou de real” (Idem, ibidem, p. 49).

A interveniência do inconsciente leva à indagação sobre a natureza da alteridade constitutiva do sujeito, pois se o inconsciente “se representa e se inscreve em mediações heterogêneas ao sujeito e se o sujeito, mesmo assim, é efeito ou suposto a estas mediações, como explicar que o eu seja ao mesmo tempo unidade e dispersão, continuidade e evanescência, interioridade e exterioridade? ” (Idem, ibidem, p.53-54).

! O sujeito alucina, fantasia, sidera, viaja no planeta Borromeo entre Real, Simbólico, Imaginário, ... enquanto no meio, o a ... refrata...

Sendo assim, reconhece-se na questão do sujeito a importância da mediação, sim, mas também a indagação sobre o real envolvido na experiência subjetiva, ainda que estas questões não se articulem, formando planos de investigação separados e independentes.

A questão do sujeito implica, quero crer, na retomada do horizonte epistêmico fora da grade naturalista ou positivista. O desejo de uma razão coerente, da argumentação consequente e de mediações eficazes tem se colocado insidiosamente ao lado de uma crítica da razão. Aqui cabe lembrar a importância intersubjetiva da retórica, o poder prescritivo da literatura e a força inelutável da poesia. Não há teoria do sujeito que contemple sua experiência sem dar conta, rigorosamente, desta dupla exigência. Nela o que está em jogo é apenas a retomada da questão da verdade, obscurecida na penumbra do saber e no vazio dos nomes (Idem, ibidem, p. 32).

! Sim, a intertextualidade não toma seu assento ao acaso...

Desta feita, não basta dizer que o sujeito é constituído ou construído pelas relações intersubjetivas:

(...) é preciso mostrar como isso acontece para explicar porquê tal constituição torna dissimétrica as formas de apreensão subjetiva do outro das formas de sobredeterminação do sujeito pelo Outro. Em outras palavras, aquilo que o sujeito apreende intersubjetivamente simplesmente não coincide com a estrutura que o determina e localiza, mas ambos aspectos compõem o campo do que se pode chamar alteridade. Isso pode ser investigado com a noção de

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constituição, uma vez que ela traz consigo o reconhecimento de uma disparidade nas relações do sujeito com as instâncias de mediação, seja ela o desejo, o pensamento inconsciente, a sexualidade ou a configuração edípica

(Idem, ibidem, p. 54).

E então o autor nos faz lembrar a teorização de Wallon, que serviu a Lacan para que forjasse o Estádio do Espelho. Para Wallon31, a subjetividade não deve ser entendida como um sistema individual e fechado, pois se na origem está dada a precariedade e dependência do bebê humano, suas reações devem e são completadas, interpretadas ou compensadas pelo outro, já que o que há nele, de biológico, é a falta e a indeterminação. Assim, mais constitutivista, que construtivista,

Wallon corresponde a uma terceira via, entre Piaget e Vygotsky. Em outras palavras, nem autismo nem egocentrismo, mas indivisão entre aquilo que deriva da situação exterior e o que deriva do próprio sujeito, mistura entre atos, pessoas e seu objeto exterior, confusão entre eu e outro. Este momento precede o período de alternância, ou de transitivismo, onde não é necessário supor consciência de si, mas ação complementar, ou melhor, especular. “O período de alternância acaba contudo por tornar possível ao eu tomar posição em relação ao outro (Idem, ibidem, p. 57).

Aquilo que Piaget entende como uma espécie de autismo na fala inicial da criança, e Vygotsky como um diálogo interno, egocêntrico, Wallon apreende como uma realização do outro enquanto uma posição discursiva e especular. Na fala da criança pequena, eu e outro se misturam linguisticamente, mas não de maneira consciencialista, afirma Dunker. Em certo momento, por volta dos três anos, entra em cena no jogo especular do eu-outro a superação (ou não) da crise dos três anos quando, para afirmar-se, a criança haverá (ou não) de opor-se. Tomada de posição, de corte, quando o eu começa (ou não) a descolar-se do outro, e na fala da criança em lugar da fala de si na terceira pessoa, “- Nenê fez, nenê quer...”, começa a articular-se (ou não) como primeira - do singular “ - Eu não quero, não fui eu... “ . Vejamos:

Com a tomada de posição entra em cena a necessidade de partilha, o protesto contra a partilha e aqui se revela o caráter insensato e determinante do desejo “A criança não procura a utilização mas a propriedade por si só, a propriedade de coisas de que espontaneamente não teria qualquer desejo. (...) Trata-se de apropriar daquilo que é reconhecido como pertencente a outrem.”. A situação de pacificação decorre da instalação da lógica do reconhecimento, da qual a tendência do indivíduo a afirmar-se como um todo fechado seria um efeito. “Simples limite ideal cuja realidade psicológica difere sensivelmente”. Wallon nos permite ver o indivíduo como um ideal instituinte, a autonomia como uma das suas principais ideias reguladoras, mas não constituintes. Trata-se de uma ilusão regulatória, que a qualquer momento mostrará sua instabilidade. Isso se

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WALLON, H. – O papel do outro na consciência do eu. In: Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa (coletânea), 1975.

mostra nos momentos de crise e incerteza caracterizados pela incitação à tomada de posição, momentos onde o sujeito se sente novamente desapossado de sua consciência pelo outro. São momentos onde se acirra a tensão entre autoridade e submissão. Neles reaparece “o íntimo essencial que é outro. Mas esta mesma relação parece ter por intermédio o fantasma do outro, que cada um traz em si. São as variações de intensidade que este fantasma sofre que regulam o nível de nossas relações com o outro (Idem, ibidem, p. 58).

Por conseguinte, conclui Dunker, Wallon defende uma ideia que poderia ser de Freud: a identidade expulsa a si mesma para se conservar: o recalcado, o infantil e o sexual. O sujeito, portanto, não se constrói apenas, também se constitui ao reconhecer em si aquilo que o nega como tal. “A linguagem pode ser uma instância reflexiva ... mas não toda. (...) O falso reconhecimento e o reconhecimento do falso se combinam na problemática da constituição (em ) uma auto-afecção descontínua” (Idem, ibidem, p. 59).

Basta considerar para tanto o si mesmo como um efeito de refração e desvio, imagem alienada, reflexivamente distorcida. O que o sujeito apreende do sistema (linguístico, cultural ou social) jamais se identifica ao próprio sistema simplesmente porque o sistema determina o lugar de onde o sujeito apreende o sistema. Assim fica claro como a noção de constituição é o que melhor se aproxima, em uma versão dialética, da ideia de estrutura. Como tal, a estrutura possui uma anterioridade lógica em relação ao sujeito, não é a sua história apenas, mas as condições que localizam e instalam o sujeito como tal: fundamentalmente a linguagem e o desejo (Idem, ibidem, p. 59).

Então, o autor defende que a teoria da intersubjetividade em Wallon, relida por Lacan, traz uma boa alternativa para os impasses da concepção freudiana de narcisismo, quando permite uma separação entre a dimensão imaginária e simbólica nas mediações constitutivas e construtivas do sujeito.

Imaginário e simbólico menos que realidades autônomas correspondem a sistemas de relações, formas de uso dos signos ou mais precisamente dimensões distintas da alteridade. O que sincroniza a constituição do sujeito com a constituição da realidade é justamente esta costura conhecida como simbólico 32. (...) No fundo, a perspectiva da constituição implica a análise desta experiência entendida como processo de socialização da instância linguística que diz Eu33em associação com o processo de realização (= tornar real) das instâncias simbólicas da alteridade (cultura, sociedade, lei, morte) . Isso se ilustra muito bem na seguinte afirmação de Wallon:

“Para unificar seu eu no espaço, a criança tem que obedecer a uma necessidade dupla. Em primeiro lugar é preciso que admita a existência de imagens que têm apenas uma aparência de realidade; em seguida, deve afirmar a realidade de uma existência que escapa à

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PRADO JR. B. Lacan: biologia e narcisismo (ou costura entre o real e o imaginário). In: PRADO JR. B. (org). Filosofia da Psicanálise. São Paulo: Brasiliense, 1991.

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percepção. (...) de um lado encontra imagens sensíveis mas não reais e, do outro imagens reais mas subtraídas do conhecimento sensível. Para aceitar o fato de sua existência espaço-temporal a criança tem que subordinar progressivamente os dados da experiência imediata à representação pura. (...) através dela forma-se a noção de corpo próprio, que conduz à unidade do eu”34(Idem, ibidem, p. 60-61).

Entretanto, alerta, se temos que a operação de constituição do sujeito passa pelo reconhecimento de seu caráter puramente simbólico, isso não torna possível identificarmos nenhuma positividade como agente desta constituição. É viável pensar a identidade, mas sem essencializá-la: “A personalidade, o caráter, o si mesmo, a identidade podem ser apreendidos apenas como formas de preenchimento desta falta a ser. A imagem que se forma é algo diferente do que a constitui” (Idem, ibidem, p. 62).

A unidade interiorizada individual é vista como um fenômeno precário, instável, de assumpção jubilatória da imagem de si, captada reflexivamente a partir do semelhante. Novamente o que é constitutivo nesta operação é o que a imagem não revela, é o que o representante não representa. Leitura semelhante se encontrará nos desenvolvimentos de Lacan sobre a lógica do tempo35, da causalidade36e da alienação37. Temos assim um eu concebido como instância de desconhecimento e negação, meio ou instrumento pelo qual o sujeito coloca sua questão Daí o fato de que o eu não seja considerado uma instância sem contradições (Idem, ibidem, p. 63-64).

! Ahhhh... ãããã... Ió, Ió... Hão há como negar: Ressoa como música em meus ouvidos...! Por isso os manuais de “como educar tudo em todos e todas” não costumam operar...

Se o estranho volta sempre, à tona, e na transferência com o educador não se mostrará diferente, eis porque se faz necessário tentar tecer os pontos, não em sutura, mas em bordados, da articulação entre sujeito, mediação e real, concordamos. Será como na dialética hegeliana do senhor e do escravo:

(...) perspectiva da dominação e do conflito intersubjetivo que dominará o entendimento da socialização e não a pressuposição de adequação e

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ROUDINESCO, E. História da Psicanálise na França, Vol . II, p. 86.

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LACAN, J. O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada (1945). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, ,1998.

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LACAN, J. Formulações sobre a causalidade psíquica (1946). O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada (1945). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, ,1998.

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LACAN, J. O Seminário, livro 11: os conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

autonomia: “... no movimento que leva o homem a uma consciência cada vez mais adequada de si mesmo, sua liberdade confunde-se com o desenvolvimento de sua escravidão”38(Idem, ibidem, p. 65).

Em suma, inferimos, estando o sujeito na posição de educando, haverá como adequar-se e conquistar a tão almejada autonomia como projetam pais e escolas? Claro que sempre haverá aqueles que conseguirão fazê-lo por conta própria, enquanto outros, na contrafeita, seguirão esperneando toda vez que se depare com a castração e a Lei da proibição do incesto, em situações nas quais o diálogo, possivelmente, de pouco adiantará, por termos ali, na situação de conflito entre Cila e Caribde, em tentativa de diálogo, a lógica de dois, em contratempos – di!a!logos – e não em relação de um para o outro, compreesiva e colaborativa, mas muitas vezes coercitiva, alienante e dominadora.

No itinerário aberto por Dunker, resta ainda um conceito citado da Fenomenologia do Espírito, de Hegel, ligado à questão do sujeito, qual seja, a formação (Bildung), esta que designa, genericamente, o trabalho de apropriação da cultura, do cultivo e aperfeiçoamento de si, propriamente não “uma meta a ser atingida, mas um percurso, um caminho, uma experiência a ser realizada” (Idem, ibidem, p. 69). Formação como um momento histórico preciso da trajetória de constituição do espírito, em que a consciência realiza o fato de que a cultura diante de si simultaneamente a aliena, e então, pelo engajamento a um trabalho de cultivo de si, o homem coloca em questão sua própria educação, num trajeto em que a consciência advém a si mesma quando se reconhece nisto que lhe era, até então, estranho,

No documento A função pendular do educador (páginas 33-48)