• Nenhum resultado encontrado

Em nome da ciência moderna, o esvaziamento do estofo 109 educativo

No documento A função pendular do educador (páginas 140-151)

2.3.5 – Discursos da Histeria e do Analista

3. O ato educ(a)tivo de Anne Sullivan

3.2 Em nome da ciência moderna, o esvaziamento do estofo 109 educativo

A professora não era coerente. No entanto, foi a única mulher que eu conheci intimamente capaz de se entregar às asperezas de uma discussão e sair vitoriosa. Era preciso cautela com suas impetuosas réplicas quando falava

108

Pequeno a: “Termo introduzido por Lacan, em 1960, para designar o objeto desejado pelo sujeito e que se furta a ele a ponto de ser não-representado, ou de se tornar um “resto” não simbolizável. Nessas condições, ele aparece como uma “falha-a-ser”, ou então de forma fragmentada, através de quatro objetos parciais desligados do corpo: o seio, objeto de sucção, as fezes (matéria fecal), objeto de excreção, e a voz e o olhar, objetos do próprio desejo.” (ROUDINESCO ; PLON, 1998, p. 551). “Freud conduziu a questão do objeto na psicanálise à de um objeto perdido em jogo na repetição, e Lacan acrescentou a isso a questão do traço que inscreve a repetição. (...) o objeto perdido na repetição leva também à questão do ato em que ele pode estar em jogo” (KAUFMANN, 1996, p. 377). Ver nota de rodapé n. 17, pág. 26.

109

Estofo: Termo retomado de Lacan para a metáfora do ponto capitonê (point de capiton) ao ponto de basta, o que na linguagem se faz representar pela pontuação, produzindo sentido pela retroação. Capitonner, em português, traduz-se por acolchoar, estofar, sendo o ponto capitonê aquele que une as duas faces de um estofado, geralmente com botões costurados de forma geométrica, em intervalos regulares, dando firmeza e acabamento estético à estrutura. “Novas formas de enlace, sem o apoio do Nome-do-Pai, podem funcionar como ponto de capitonê, sustentando a estabilização e a construção de laços com o Outro”, in MONTEIRO, Cleide Pereira; QUEIROZ, Edilene Freire de. A clínica psicanalítica das psicoses em instituições de saúde mental.

Psicol. clin., Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, 2006 . Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652006000100009&lng=en&nrm=iso>. access on 15 Dec. 2010. doi: 10.1590/S0103-56652006000100009. Acesso em 15/12/2010.

com demasiada firmeza ou entusiasmo em favor disto ou daquilo. Aborrecia- se com o lugar-comum em qualquer assunto: educação, política, religião ou qualquer outra esfera de intercâmbio social. Uma conversa arrastada sobre Ciência ou Filosofia era um suplício para seus nervos, mas a palestra agradável de um Mark Twain ou de um Dr. Alexandre Graham Bell prendia- lhe a atenção sobre um tema profundo, durante um tempo suficiente para fazê- la sentir-se arejada e inspirada. Detestava a retórica, mas era sensível a qualquer expressão das faculdades superiores de outrem. Eu procurava não discutir com ela – e poucas vezes o conseguia – pois sabia que ela me faria ficar confusa e sem argumentos, principalmente quando ela estava zangada ou com a imaginação inflamada. Os seus comentários brotavam espontaneamente, de modo convincente e incisivo, deixando-me “ofuscada, encantada e muda ao mesmo tempo”. Não falava como um poeta, exceto quando descrevia para mim as belezas arrebatadoras da Natureza, mas secretamente anotava fragmentos de poesia, à medida que estes lhe ocorriam. (p.79) (...) Um dia ela me disse: “De vez em quando mudo as minhas teorias sobre a vida e isto mantém o tédio à distância”. Ela não era coerente, como já declarei, e não compreendia que afastar de si, impulsivamente, as suas próprias conclusões era como desenterrar sementes para ver se estão germinando. Suponho que a sua ideia era de que todos os dias perdemos algo de nós mesmos. As nossas ilusões se desfazem, os nossos ideais mudam, as amizades se dissipam e tudo aquilo que nos é familiar como que escorre por entre os nossos dedos. Tornamo-nos estranhos ao eu que viveu como se não fosse nós próprios. Contudo, o que a protegeu contra os conceitos desprovidos de sensação foi o seu inextinguível amor pela beleza exterior, e contra as sensações desprovidas de conceitos, foram a vontade dominadora, a pertinaz recordação da sua infância e adolescência e das personagens e incidentes em torno dos quais se centralizou a sua vida, naquela época.

(KELLER, 1959, p. 94-95).

Em Um mundo sem limites: ensaio para uma clínica psicanalítica do social (Companhia de Freud, 2004), Jean Pierre Lebrun põe-se a pensar o contexto de um mundo construído sobre os implícitos do discurso da ciência, destacando uma série de traços que marcam e constituem o social no qual funcionamos. Entre as características estão: 1) perda do bom senso, saber interno ao sujeito que não precisa de conhecimentos exteriores para funcionar como uma espécie de bússola resultante da instalação da ordem simbólica humana a nos dar o sentido de limite; 2) supervalorização da eficácia via tecnicização, cujo objetivo é o domínio do real, introduzindo no real como impossível um novo possível, confundindo querer o impossível com o tornar tudo possível; 3) supremacia da binaridade, ou tudo ou nada, origem da dificuldade que temos em encontrar nuances, em poder determinar responsabilidades compartilhadas, desaparecendo, assim, a possibilidade do discernimento da dialetização possível dos contraditórios; 4) prevalência da servidão voluntária com relação a enunciados acéfalos, que se apresentam como se nada mais devessem à enunciação, cujo efeito é promover o saber da última moda, prescindindo de reter o trajeto histórico que foi necessário para chegar a tais produções, estas que acabam por ser

transformadas em enunciados para o consumo e a repetição nos discursos universitário e capitalista; 5) saber o que é bom para todos, ditando em nome do científico, o que é válido e universalizante; 6) recusa de reconhecer uma ausência de sentido ao sentido da existência, justamente o que nos dá a condição de encarar a tarefa árdua de inventar um sentido para viver enquanto homem moderno afastado de respostas oferecidas pela religião; 7) atolamento no imaginário pela predominância do registro visual e do simbólico virtual em detrimento da atualização da ordem simbólica, esta que remete à fala, à palavra que, por funcionar na estrutura da linguagem, impõe perda, inadequação da palavra à coisa, exigindo do sujeito um trabalho de simbolização para poder transformá-la em uma falta que deixe a desejar, ratificando a indisponibilidade do objeto e o encontro com a alteridade; 8) evitamento, apagamento da diferença dos lugares estruturais em defesa da simetria, da mesmidade, em ultima instância, a foraclusão do falo, rechaço do mal-entendido, da disparidade, da alteridade, da dissimetria, de forma que os sujeitos passam a ser como se fossem iguais, por onde torna-se imaginariamente possível a “relação”; e 9) dispositivo tecnocientífico fazendo crer que o objeto pulsional pode ser alcançado, efetivando, assim, a pulsão de morte, esta que em verdade é pulsão incestuosa, denominada também, pelo autor, como pulsão de homeostase ou de imobilidade, semelhante ao torpor de uma pulsão que fecha o sistema sobre si mesmo e engaja numa dinâmica que é a da entropia.

É nisso que ela [a pulsão de morte110] está em estreita conivência com o tecnocientífico. Ao deixar crer numa possível realização pulsional, a tecnociência se torna cúmplice da pulsão de morte e é essa cumplicidade que o simbólico não desarma mais, acarretando a confusão de renunciar a seu desejo e renunciar a gozar do objeto primordial do desejo(LEBRUN, 2001, p. 125- 126, acréscimo nosso).

Lebrun neste trabalho, procura esclarecer o “mal-estar na civilização” atual identificando em nosso social marcado pelos implícitos do discurso tecnocientífico a secreta adesão a “um mundo sem limite”, este que termina autorizando a contravenção da Lei da linguagem, a mesma que nos especifica enquanto humanos. O desabono da função paterna, a

110

Pulsão de morte: “Quanto mais Freud avança em sua obra, mais considera a noção de pulsão de morte, indispensável à psicanálise, chegando a constituir quase toda sua base conceitual. Em particular, julga que ela é a base do princípio primordial de funcionamento do aparelho psíquico. Este último repousa na tarefa – jamais concluída, sempre recomeçada – que consiste em reduzir a excitação e, portanto, a tensão do organismo ao menor nível possível. À primeira vista, é a busca da satisfação – o princípio do prazer – que submete o sujeito pela descarga pulsional, a esse ponto de estiagem. Porém, Freud também viu nisso, fundamentalmente, a expressão da pulsão de morte, pois esse retorno ao ponto de partida, ao nível mínimo de excitação, de alguma forma, é o eco da tendência que leva o organismo a retornar às origens, a seu estado primordial de não-vida, isto é, de morte” (Brigitte Balbure, in CHEMAMA ; VANDERMERSCH, 2007, p. 324).

infiltração por um simbólico virtual, o abalo da responsabilidade e da desinscrição da referência, além das consequências que o fascínio pelo método científico impõe, tudo isso acaba compondo mecanismos que operam na sociedade atual, resultando numa série de sintomas a exigir de nós posicionamento ético e político frente a isto que mais parece uma recusa em assumir as consequências do fato de ser falante (cf. Idem, ibidem: p. 20). As “novas patologias da alma” – toxicomanias, os estados ditos limites ou a colocação do corpo em jogo – , acrescidas de fatos sociais constatados – como a multiplicação de seitas, o recrudescimento da transgressão dos interditos do incesto e do assassinato, ou ainda, a exclusão social – diriam respeito exatamente

(...) à possibilidade específica que um social subvertido pelo desenvolvimento da ciência proporciona ao sujeito: “aproveitar” implícitos promovidos pelo discurso tecnocientífico para aí encontrar o álibi para contravir as leis da linguagem e as implicações do que falar quer dizer(Idem, ibidem , p.21). Imediatamente nossos pensamentos se voltam ao fracasso escolar apontado por Maria Helena Souza Patto111na década de 90, fracasso já anunciado por Maud Mannoni na década de 70 como sendo uma espécie de resto do funcionamento perverso da educação na produção de um exército de reserva cujos sujeitos são crianças e adolescentes dissonantes ou refratários aos processos educativos. Naquela época, Mannoni já detectava como problemática a presença, no educar, da tecnociência acéfala, anódina, anônima, em sua dimensão política:

Colhidos na armadilha dos sistemas, das técnicas e de um absoluto científico, impotentes para avaliar os nossos conhecimentos em termos relativos, nós mesmos tecemos a teia de uma situação paranoica que dá acesso para as violentas dilacerações de nossa época. (...) Através da recusa (recusa escolar, recusa de se adaptar às normas, recusa de viver), os jovens apontam o que lhes parece intolerável em nosso sistema de valores. (...) A cultura escolar tornou- se como que uma parada no jogo das qualificações, das orientações, das seleções políticas e sociais. O jovem recebe-a como um passaporte, um salvo- conduto que deve mostrar nos guichês, sem que tenha a sensação de que ela lhe pertence. (...) O rastreamento obrigatório dos chamados distúrbios mentais desde a mais tenra idade cria uma situação em que a escola terá como sequência o hospital. Os desajustados, que são cada vez mais numerosos, devem ser considerados um sintoma da doença das instituições. Numa formação que tem por finalidade exclusiva a produção e a competição e que se representa como propiciadora dos meios da vida, começa-se a discernir que ela impede de viver. (...) A nossa crença na técnica impede-nos de efetuar uma verdadeira mudança pedagógica. (...) O ensinamento a extrair da Escola de

111

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T.A. Queiroz, 1991.

Barbiana112 é que a sociedade fabrica (e “trata”) o fracasso escolar como se tivesse necessidade de um sistema que assegure a produção de uma elite (para profissões nobres) e de serventes para garantir a mão de obra de que a elite – a classe dominante – precisa (MANNONI, 1977, p. 48 – 52).

Sobre o histórico da ciência, Lebrun defende que, para chegar ao que conhecemos hoje, a humanidade assistiu a três momentos, sendo o primeiro deles na Grécia do século VI antes de nossa era, quando já se visava uma episteme dedutiva, sob a forma de um discurso que fizesse desaparecer qualquer traço de interlocutividade, a fim de que fosse atingida a objetividade, desembaraçando a ciência da dimensão retórica, utilizando a linguagem como ferramenta para a comunicação de descobertas, começando, assim, a operar a formatação da produção científica de enunciados, excluindo o enunciador como sujeito. No segundo momento, uma vez estabelecido o cogito de Descartes, aquilo que os gregos pretendiam torna- se mais próximo do realizável. A ciência passa a se constituir não mais pelas percepções, mas pelas próprias ideias. Graças a Descartes e, antes dele, a Galileu, produziu-se

(...) o nascimento do que Heidegger chamou de “projeto matemático da natureza”; essa ideia que aparece pela primeira vez em 1623, quando Galileu afirma que a natureza é descrita em linguagem matemática. Trata-se, aí, de uma petição de princípio, escolha antecipada de matematização do mundo, de redução da cientificidade das ciências ao horizonte matemático, e é nesse sentido da história que se localiza o caráter decisivo do corte com os gregos que levará a uma outra figura da verdade, aquela que Max Plank resumirá, ao afirmar: “É verdadeiro o que é demonstrável”. O procedimentos do Discurso do método [de Descartes] ressoa com aquele do Diálogo sobre os dois maiores sistemas do mundo113 e inaugura o da ciência, e, por isso, o da

112

Segundo Maud Mannoni, a Escola de Barbiana foi uma experiência histórica da pedagogia contemporânea a recusar com êxito o mito da infância. Ao minúsculo vilarejo nas montanhas de Vicchio, em Mugello, Itália, um certo padre de nome Dom Lorenzo Milani foi enviado por entrar em discordância com a cúria de Florença. Chegando lá, na própria igreja, formou uma escola de tempo integral para ensinar as crianças rejeitadas pela Educação Nacional porque eram filhos de camponeses e falavam uma língua materna que não a usada nas escolas italianas. Conta Mannoni que lá as crianças eram mergulhadas na leitura de jornais, na contestação dos programas escolares e no estudo oral de línguas vivas; que o trabalho era quase um trabalho de força, mas realizado com entusiasmo; as crianças eram colocadas em posição de ser, simultaneamente, ensinadas e ensinantes, cada uma devendo ajudar outra menos dotada; as que levavam mais tempo para compreender as lições, sentiam-se como as preferidas e eram tratadas como as primeiras da classe – enquanto não tivessem entendido tudo, as outras não avançavam. Não havia recreio, dias de folga, nem mesmo ao domingo – o que não importunava, porque aquelas crianças sabiam que o trabalho na roça era muito mais pesado. ‘A escola será sempre melhor que lidar com merda’, dito de um professor que certo dia visitara Barbiana, fora gravado sobre a porta da escola, pois ali sabia-se que pelo mundo havia, como ainda há, milhões de pequenos camponeses dispostos a subscrevê-la. Aquelas crianças, conta Maud Mannoni, que teriam permanecido fora do sistema escolar se não fosse a iniciativa de Dom Milani, não só tiveram êxito nos exames nacionais, como se tornaram em grande parte ensinantes revolucionários. Como local de ensino, Barbiana desapareceu com a morte do padre. No entanto, o livro escrito por ele e seus alunos é encontrado com facilidade nos bons sebos do Brasil. Trata-se de livro-manifesto, famoso no final da década de 60, Carta a uma professora: Pelos rapazes de Barbiana, Portugal: Editora Presença, 1982.

113

Texto de Galileu Galilei, publicado em 1632, escrito em forma de diálogo entre três personagens, que comparam os modelos astronômicos de Copérnico e Ptolomeu.

civilização científica, pois o que ela funda é a possibilidade de um saber que não está mais estorvado pela questão da verdade: é um saber sem verdade

(LEBRUN, 2001, p. 58, acréscimo nosso).

Então, Lebrun oferece ao leitor a tradução do que Lacan precisa sobre o procedimento de Descartes. Trata-se de um parágrafo do Seminário XII, Problèmes cruciaux pour la psychanalyse (1964-1965), sessão de 10 de junho de 1965, que tomamos a liberdade de transcrever, já que não foi publicado ainda em português:

(...) não é um procedimento de verdade; o que indica, o que constitui sua fecundidade é que, justamente, ele se propôs uma visada, um fim que é o de uma certeza, mas que, no que se refere à verdade, se desencarrega dela no grande Outro, em Deus, para dizer tudo. Não há nenhuma necessidade interna à verdade, a própria verdade de que dois e dois são quatro é a verdade porque Deus quis que assim fosse. É a rejeição da verdade para fora da dialética do sujeito e do saber que é, propriamente falando, o nervo da fecundidade do procedimento cartesiano, pois Descartes pode ainda, durante um certo tempo, conservar, ele, pensador, a golilha114da segurança tradicional das verdades eternas, elas são assim porque Deus assim quer. No entanto, de certa forma, também se desembaraça dela e, pela via aberta, a ciência entra e progride, constituindo um saber que não tem mais que se embaraçar com seus fundamentos de verdade (...). O procedimento de Descartes não se aguentaria um instante se não houvesse essa enorme acumulação que seguiu o saber, um saber sempre ligado, tomado como que num agarramento ao fato crítico, porque o ponto de partida desse saber está ligado às possibilidades de constituir a verdade; chamarei esse saber de antes de Descartes um estado pré- acumulativo do saber, a partir de Descartes, o saber, o da ciência, se constitui sob o modo de produção do saber (LEBRUN, 2001, p.59).

Daí em diante, como verdade e saber não estão mais obrigados a, incessantemente, se confrontar poderão enfim ser capitalizados, afirma Lebrun. Trata-se da mutação do discurso do mestre ao do capitalista no qual a inversão dos vetores, conforme vimos anteriormente, faz com que a posição de verdade não seja mais indeterminada e fonte do discurso, mas produzida pelo agente.

O saber pode, doravante, sem colocar em perigo sua validade, “esquecer” a questão da verdade. O procedimento de Descartes implica, pois, um movimento de auto-suficiência que, por não ser estorvado pela dimensão da verdade, pôde se tornar operante. Até então, era preciso retornar à confrontação com a coisa existente como estando na origem do saber, no lugar em que o saber se ancorava na relação com a verdade. É evidente que um tal movimento era paralisante e que foi por dele se liberar que pôde se constituir o saber da ciência moderna. O que constitui a força e a potência do procedimento científico moderno é, pois, haver podido libertar-se de sua

114

Golilha: Argola de ferro fixada num poste ou pelourinho, à qual se prendiam criminosos ou escravos pelo pescoço; argola; cabeção com volta engomada; gargantilha de ferro, fixada na antepara de uma coberta, onde se prendia um marinheiro indisciplinado pelo pescoço, mantendo-o de castigo, em pé, por certo tempo.

relação com a verdade da enunciação e, a partir daí, poder se tomar como sua própria origem para progredir (Idem, ibidem , p. 59).

Assim, é conquistada a certeza sobre a qual o saber pode se construir e até ser acumulado, sendo esse movimento duplo de proceder que o homem da ciência moderna enuncia: o de afirmar para logo esquecer que houve enunciação, retendo apenas os enunciados que produziu. Tudo se passa como se desejasse apagar o dizer para só guardar os ditos suscetíveis de serem transmitidos. A partir dessa possibilidade, então, estes se verificam acumuláveis, feito matéria-prima para a ecolalia conceitual.

Nesse movimento, deve ser “esquecido” que o que produziu esse enunciado foi uma bricolagem, uma confrontação com um real, uma enunciação, um sujeito. A ciência se encarrega, então, de esquecer o “dizer” para só reter o “dito”. É nesse sentido que o discurso da ciência moderna, inaugurado por Descartes, é a realização do que já os gregos queriam, quando visavam pela episteme um discurso esvaziado de qualquer traço de interlocutividade. No entanto, pelo fato dessa organização, o procedimento da ciência moderna comporta um implícito maior, a saber, a subversão das relações entre os registros do Real e do Simbólico(Idem, ibidem , p.60).

Se os gregos tentavam simbolicamente dar conta de um real, tentando compreender racionalmente os fenômenos naturais que observavam, diz Lebrun, evidentemente os poucos meios que tinham e a ausência de um procedimento metodológico aos moldes do cogito faziam que Real e Simbólico estivessem sempre intrincados. Entretanto, o projeto de encontrar na linguagem matemática meios para descrever a natureza permitiu ao cientista, daí em diante, instalar um simbólico que, sozinho, eludindo a enunciação, pretendeu dar conta do real, esquecendo que era exatamente dali que ele partia, conforme fez lembrar Melman sobre a verdade dos enunciados e a dor de existir.

O nascimento da ciência moderna como matemático-experimental supõe, então, a extração de um simbólico, mas ao fazer isso, coloca esse simbólico

No documento A função pendular do educador (páginas 140-151)