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Parte II – Estudo da armaria dos bispos de Lamego

2. A Diocese de Lamego nos séculos XVI a XVII

2.5. D António Teles de Meneses

2.5.1 As armas do bispo na Igreja do convento das Chagas

Ao contrário do que se passou com a maioria dos bispos apresentados nesta dissertação, D. António Teles de Meneses157 apenas teve Lamego como único episcopado. Porém, terá tido alcança a mesma magnificência e empreendedorismo que os restantes, ao tutelar, naquela cidade, um grande convento dedicado à Ordem de Santa Clara. Fundado em 1588, o convento das Chagas tornou-se o primeiro exemplar feminino da Ordem dos Frades Menores, em Lamego. Esta casa foi mandada edificar em honra das cinco chagas de Cristo, tendo o bispo escolhido sete irmãs religiosas provenientes do convento de Santa Clara de Monchique, do Porto, para o habitarem primeiramente.

Assim, foi escolhido o lugar de implantação da capela de S. Sebastião, junto ao Largo do Tablado, no termo do burgo e fora dos limites do couto episcopal. Por autorização de Sisto V, em 1589, foram transferidas as ditas irmãs do convento do Porto, para o novo mosteiro das Chagas constituindo, assim, a primeira comunidade sob a regra

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Ver Figura 1, na Ficha prosopográfica, p. 92.

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Ver Figura 2, na Ficha prosopográfica, p. 93.

156 SILVA, Francisco Ribeiro da – O Bispo do Porto, o Prior do Crato e o General, p. 121 Apud FERREIRA,

Mons. J. Augusto – Memórias Archeológico-Históricas da Cidade do Porto. Braga: Livraria Cruz e C.A. Lda, Vol. II, 1923, p. 55.

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de Santa Clara, em clausura, na área de Lamego. A 11 de Maio do referido ano deu-se a tomada de posse das mesmas religiosas, tendo como cargo de primeira abadessa do mosteiro uma das irmãs do próprio bispo D. António Teles de Meneses, D. Joana da Conceição158. No ano de 1793, por ordem da Rainha Dona Maria I, o convento uniu-se à comunidade religiosa de Barrô. Após a extinção das ordens religiosas, em 1834, e na sequência da morte da última abadessa, em 1902, o convento foi encerrado já com a maior parte da sua estrutura arquitetónica bastante arruinada.

É precisamente neste local, fundado pelo bispo D. António Teles de Meneses que encontramos todo o seu espólio heráldico; nomeadamente no portal sudeste da fachada da igreja159, no cruzeiro da capela-mor revestido a talha, e na sua sepultura. Sendo estas as únicas representações heráldicas deixadas pelo bispo, iremos abordar de uma forma geral a sua função social e simbólica da heráldica na arquitetura deste mesmo convento.

A seguinte inscrição encontra-se no portal da igreja:

Do Antonio Tellez de Meneses bpo de Lamego erigio edificou e dotou este mosteiro da ordem de S. Clara em louvor das cinco Chagas. Anno MDLXXXVIII160

Logo abaixo da mesma inscrição podemos observar colocado o escudo do bispo D. António Teles de Meneses, esculpido em granito161. O mesmo escudo que repete-se, com outros formulários decorativos, também no interior e que será o alvo da nossa investigação.

Comecemos por identificar as famílias representadas no escudo do bispo que, desta forma, o formam. Verifica-se que este é esquartelado, sendo o primeiro e o quarto quartéis de prata com um leão de púrpura (pertencente aos Silvas); e o segundo e

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Apesar de em várias obras estar referenciado o nome de Joana da Conceição, existe uma crónica que menciona o nome Theodora da Conceição e não Joanna. SOLEDADE, Frei Fernando de – História Seraphica. Tomo IV. 568. 1721, p. 313.

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Ver Figura 6, no Apêndice Iconográfico, p. 118.

160 “D. António Teles de Meneses bispo de Lamego erigiu, edificou e dotou este mosteiro da ordem de S.

Clara em louvor das cinco Chagas. Ano 1588”. Traduzido da inscrição no portal da igreja do mosteiro da Chagas.

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terceiro quartéis de ouro liso (pertencente aos Meneses). Segundo A. Braamcamp Freire,

os Tellez não têm armas próprias […]. Para ter armas, precisam de se encontrar ligados aos apelidos Meneses ou Silva, resultando desta união os Tellez de Meneses, Tellez da Silva, Tello de Meneses, Tello da Sila e Silva Tellez162.

Por outro lado, os elementos externos revelam a hierarquia do seu título eclesiástico. Tendo sido atribuído a D. António Teles de Meneses a dignidade episcopal, o escudo é encimado por um capello ou galero, de cor verde, com dois cordões pendentes, com as correspondentes 6 borlas da mesma cor, relativas aos bispos. No que respeita à simbologia que encontramos no brasão, ela traduz de algum modo factos históricos que nos ajudam na leitura do escudo.

O leão, símbolo da força, da bravura e da nobreza é-nos apresentado como uma figura heráldica natural, de rampante, de perfil e em pé. As patas dianteiras levantadas e as traseiras afastadas, estando a da direita levantada, em pose de ataque163. O galero, por sua vez, é usado na heráldica eclesiástica desde o século XIV, porém só a 21 de Fevereiro de 1905 é que terá sido regularizado pelo Papa Pio X164. As cordas que saem do interior do chapéu acabam em borlas que caiem sobre o peito. Tendo vindo a substituir a mitra, o galero teve como origem os chapéus dos peregrinos.

O Barroco trouxe para a heráldica as formas mais estranhas nos escudos tornando, por vezes, difícil o desenho de peças no seu interior. De modo a seguir as linhas artísticas da época, os escudos apresentam-se, assim, com curvas ondulantes, simétricas e assimétricas, associando elementos não heráldicos à sua estrutura. Do ponto de vista decorativo, estes demonstram ser exemplares cuja produção é claramente condicionada pelos gostos estéticos da época.

Analisemos assim as armas do bispo mediante o local onde foram assentes. Comecemos pelo interior da igreja, precisamente no arco cruzeiro, forma arquitetónica que separa a nave da capela-mor ou do coro. Aqui as armas165 do bispo sobressaem na

162 FREIRE, A. Braamcamp – Armaria Portuguesa. Lisboa: Cata d’Armas, Editores e Livreiros, 1989, p. 28. 163

RIBEIRO, J. A. Corrêa Leite – Tratado de Armaria. Technica e regras do brasão d’armas, p. 77.

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ARCO Y GARCIA, Fernando del – Heráldica Eclesiástica, p. 145.

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parede entre o arco e a abóbada [...] com o brasão das Cinco Chagas, sob baldaquino, e na parte inferior o escudo de D. António Teles de Meneses166.

Poderíamos entender o bordo do escudo, como sendo peninsular se não fossem as formas sinuosas que se apresentam. Claramente classificamos este escudo como barroquista, não só pela forma do escudo como, também, pela sua envolvência decorativa a talha. No exemplar que remata o cruzeiro, os leões tomam posições diferentes daquilo que encontramos no portal, ocupando a segunda e terceira partição. Algo que acontecia frequentemente com as armas dos Teles de Meneses167.

Um pouco por todo o território português podemos verificar que são muitas as armas que se encontram colocadas no arco cruzeiro. A maneira como as insígnias do bispo são projetadas, demonstram a sua dignidade e urbanidade, como fundador desta igreja; e pela sua importância como bispo de Lamego e inquisidor do reino.

Todavia, podemos encontrar a mesma figura emblemática quer no portal da igreja das Chagas, quer no túmulo do bispo em questão. No portal, as armas do bispo posicionam-se por cima da porta mas, mesmo assim, fora do frontão ao contrário de outros casos estando colocadas dentro do frontão e em grande destaque. Destacamos aqui o bordo ovalado diferenciando-se do escudo do arco cruzeiro. No nosso entender, a razão desta colocação das armas poderia ter vários significados: por um lado, as armas no portal, podem ter sido executadas posteriormente à edificação da igreja e de toda a sua decoração, tendo vindo a ser colocada em tempos mais recentes – algo que não podemos aclarar com toda a certeza, por falta de documentos.

Por outro lado, a figura de D. António Teles de Meneses sobressai através de todos os seus contributos para o engrandecimento da diocese de Lamego, edificando, entre outros edifícios, o convento das Chagas e o Convento de S. João Pesqueira. Assim, a pedra-de-armas que se apresenta no portal da igreja das Chagas poderá ter pertencido a

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SILVA, José Sidónio Meneses da – O Mosteiro das Chagas de Lamego. Vivências, espaços e espólio litúrgico. 1588-1906. Vol. I. Dissertação de Mestrado em História da Arte em Portugal, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, orientado pelo Professor Doutor Fausto Sanches Martins, em 1998.

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um outro ponto do convento ou da igreja. Ou, porventura, a um outro edifício ou arquitetura de caráter público.