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Parte II – Estudo da armaria dos bispos de Lamego

2. A Diocese de Lamego nos séculos XVI a XVII

2.11. D Luís de Sousa

2.11.1. As armas do arcebispo na fachada da igreja de S. Vítor

Nascido no seio de uma família aristocrática, D. Luís de Sousa213 rapidamente se revelou uma das figuras diplomáticas mais importantes do século XVII português. Desde cedo e, ao longo de toda a sua vida, teve como objetivo a carreira eclesiástica, primeiro como bispo de Lamego e, mais tarde, como arcebispo de Braga. No entanto, foi como na função como embaixador extraordinário do rei D. Pedro II, em Roma, que recebeu mais destaque. Enquanto bispo de Lamego terá reedificado os paços episcopais e, como lhe

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LARANJO, F. J. Cordeiro – Escudos de Armas dos Bispos de Lamego: (1492-1976), p. 126.

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RIBEIRO, J. A. Corrêa Leite – Tratado de Armaria. Technica e regras do brasão d’armas, p. 126.

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impunham os preceitos pastorais de um antístite tridentino, visitado o território diocesano214.

Em 1674, aquando uma deslocação a Lisboa, onde já tinha estado anos antes como deputado da Mesa da Consciência e Ordens, com a finalidade de participar nas Cortes onde iria ser declarada D. Isabel Luísa, filha regente de D. Pedro, como herdeira do trono, é-lhe atribuída a nomeação como embaixador extraordinário de Portugal em Roma, a D. Luís de Sousa, com o objetivo de reativar os tribunais do Santo Ofício, há muito suspensos. D. Luís de Sousa, porém, só a 18 de Setembro de 1675 partiria para Roma.

Durante os cinco anos que permaneceu em Roma, o embaixador terá ficado alojado no então Palácio Poli215. Segundo relatos do seu próprio diário216, não só de objetivos de negócios da corte se fez esta viagem; mas, também, de conhecimentos sobre a nova corrente artística e cultural do último quartel do século XVII. É em Roma que nasce o Barroco – tal como tinha acontecido com a maior parte dos movimentos artísticos – nas artes plásticas.

Sendo este um estilo correspondente aos anseios propagandísticos da Reforma Católica, o Barroco não tardou em disseminar-se por toda a Europa católica. Os seus efeitos teatrais, assim como a complexidade do espaço na arquitetura, deslumbraram o embaixador e prelado D. Luís de Sousa que, de certo modo, na chegada a Lisboa, terá trazido consigo todos os apontamentos necessários para que firmar o gosto e magnificência daquele estilo.

A sumptuosidade daquele estilo viria a ser implementada mais tarde na edificação de umas das igrejas mais imponentes de Braga, totalmente reerguida por iniciativa de D. Luís de Sousa. Após a chegada a Lisboa, em 1682, o arcebispo217 D. Luís de Sousa encaminhou-se para Braga para iniciar assim as suas funções na arquidiocese. A ele se

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AZEVEDO, Joaquim D. – História eclesiástica da cidade e bispado de Lamego, p. 87.

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VALE, Teresa Leonor M. do – Palácio Poli: residência de um embaixador de Portugal na Roma barroca. Porto: Revista da Faculdade de Letras de Ciências e Técnicas do Património, I série, vol. IV, 2005, pp. 155-168.

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Ver transcrição em: VALE, Teresa Leonor Magalhães do – Diário de um Embaixador português em Roma (1676-1678), 2006.

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O cargo de arcebispo ter-lhe-á sido atribuído durante a sua missão em Roma. Decorria então o ano de 1677, quando o Papa Inocêncio XI, pela bula Romani Pontificis, invetiu D. Luís de Sousa como arcebispo de Braga. AZEVEDO, Joaquim D. – História eclesiástica da cidade e bispado de Lamego, p. 88.

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deve, portanto, a refundação da igreja de S. Vítor, onde viria a aplicar as suas armas, quer no seu interior, quer na fachada do edifício.

A igreja de S. Vítor218 foi mandada levantar por D. Luís de Sousa, tomando o lugar de um antigo templo ali implantado. A ele se deve a ideia da arquitetura, da decoração a azulejo e o retábulo-mor da igreja. Projetando a igreja como da sua responsabilidade no urbanismo bracarense, a mesma devia impor-se na paisagem com imponência. É deveras interessante o local onde esta igreja foi edificada, no alto de uma pequena elevação

artificialmente alterada […] visível de vários os lados, inclusive das muralhas da cidade219. Algo que nos remete para a tipologia de igreja-santuário.

Por outro lado, é interessante e pertinente o facto de esta se encontrar sensivelmente no centro do percurso a porta da cidade e o santuário do Bom Jesus. Para a o projeto e construção do edifício o arcebispo nada quis com os artistas da cidade tendo escolhido, entre outros, Michel de l’École220, um conhecido engenheiro militar francês. É ainda no Porto que D. Luís de Sousa encontrou o entalhador Domingos Lopes, que irá executar o retábulo-mor.

Desde o início que o projeto de L’École, de certo modo, já se traduz numa linguagem mais barroca. É certo que o seu exterior não é mais do que uma fachada ainda muito austera, executada em granito escuro sem qualquer tipo de decoração. Porém, já se vê nota novidade estética como a introdução de floreados nas cartelas e o óculo. É no meio de toda esta grandiosidade exterior que o arcebispo D. Luís de Sousa introduz no frontão da fachada da igreja de S. Vítor, a sua pedra-de-armas221.

De acordo com a leitura de F. J. Cordeiro o escudo de armas de D. Luís de Sousa apresenta-se esquartelado: o primeiro e o quarto, de prata, cinco escudetes de azul, em

cruz, carregados cada um de cinco besantes do campo, bordadura de vermelho carregada de oito castelos de ouro e por diferença, filete negro sobreposto em barra, o segundo e o

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Ver Figura 13, no Apêndice Iconográfico, p. 124.

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OLIVEIRA, Eduardo Pires de – A Freguesia de São Vítor (Braga). Braga: Junta de Freguesia de São Vítor, 2001, p. 132.

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Poucos estudos existem sobre a obra de Michel l’École, porém veja-se: MOREIRA, Rafael – Dicionário de Arte Barroca em Portugal. Lisboa: Presença, 1989, p. 259-260.

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terceiro de vermelho, caderna de crescentes de prata222, da família dos Sousa de Arronches.

É interessante perceber que apesar de todo o rigor heráldico existente nesta pedra-de-armas, por exemplo no timbre, onde podemos encontrar a simbologia referente à carreira eclesiástica do arcebispo, deparamo-nos com alguns erros. Na data da edificação da igreja, D. Luís de Sousa já se encontrava no cargo de arcebispo de Braga. Porém, se numerarmos as borlas presentes nas armas do prelado, podemos perceber que apenas são seis, em três ordens (1, 2, 3), quando no caso dos arcebispos contam-se sempre dez borlas em quatro ordens. No que respeita a ordem das borlas, no caso do arcebispo, conta-se sempre quatro e não três223, como vemos neste exemplo. Deste modo, teríamos de indicar que estaríamos perante as armas de um bispo e não de um arcebispo.

O seu posicionamento no frontão da fachada pode-se dizer que é estratégico. O facto de esta igreja ter sido construída em grande parte por iniciativa de D. Luís de Sousa e, de igual forma, pela sua fama como embaixador extraordinário em Roma, fez do prelado uma das personalidades de então, mais destacadas da época. No nosso entender as armas que aqui apresentamos em estudo, servem para salientar essa mesma importância, não só pela sua decoração barroca, através dos floreados em torno do escudo mas, essencialmente pela sua dimensão.

Ao confrontarmos estas armas com outras enunciadas na nossa dissertação podemos observar que, mais nenhuma teve o destaque dado às armas de D. Luís de Sousa, na fachada da igreja de S. Vítor. A sua dimensão de certa forma traduz a sua grandeza enquanto arcebispo de Braga, entre outros cargos que foi tendo ao longo da sua vida. Do nosso ponto de vista, o facto de ter nascido no seio de uma família aristocrática e, ao mesmo tempo, por ter chegado a embaixador do rei D. Pedro II em Roma, contribuiu para elevar o seu nome ao nível mais alto do clero. Também podemos observar as

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LARANJO, F. J. Cordeiro – Escudos de Armas dos Bispos de Lamego: (1492-1976), pp. 126-127.

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mesmas armas mas, desta vez gravadas em talha, no interior da igreja quer no cruzeiro224 da capela-mor225, quer ainda no retábulo-mor226.

2.11.2. As armas do arcebispo no órgão positivo do coro da Nossa Senhora da Conceição da capela de S. Geraldo

Uma das peças de maior importância já alguma vez encomendadas pelo arcebispo foi de facto este magnífico órgão positivo227, com o intuito de o integrar na capela de S. Geraldo228, na Sé de Braga. Desconhece-se ao certo o nome do seu artífice, mas sabe-se que foi um trabalho realizado por autores portugueses, tendo como base a linguagem artística oriental. Executado na segunda metade do século XVII, este órgão apresenta uma pintura acharoada, com traços de desenhos e policromia de influência ultramarina. As figuras presentes são de facto europeias, porém com um carácter oriental. Toda a superfície da caixa paralelepipédica é decorada por ornamentos vegetalistas, dourados e contornados a negro.

A peça era para ser vista na sua totalidade, e daí encontrarmos a mesma decoração em torno do órgão. Neste órgão as armas229 do arcebispo D. Luís de Sousa são colocadas em lugar de destaque, desenhadas e policromadas no cimo da caixa superior em forma de maceira. Tal como acontece com a pedra-de-armas no frontão da fachada da igreja de S. Vítor aqui, as armas de D. Luís de Sousa recebem um lugar de destaque.

Da mesma maneira que as dimensões do escudo continuam a ser extravagantes, por forma a mostrar a grandeza do arcebispo, o mesmo floreado barroco é apresentado

224 As armas de D. Luís de Sousa talhadas no cruzeiro foram realizadas entre o ano de 1905 e de 1906,

na oficina bracarense do artista Sousa Braga. COSTA, Luís – Igreja de S. Vítor. Elementos para a História deste templo. Braga: Edição da Paróquia de S. Vítor, 1979.

225 Ver Figura 15, no Apêndice Iconográfico, p. 126. 226

Ver Figura 3, na Ficha prosopográfica, p. 106.

227

Ver Figura 16, no Apêndice Iconográfico, p. 127.

228 Presume-se realmente que este tenha sido o seu destino. Contudo, alguns estudiosos, assim como

conservador do museu do tesouro da sé de Braga, ainda põem em causa se esse terá sido realmente o local para onde terá sido encomendado ou antes capela privativa do Paço Arquiepiscopal.

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nas armas deste órgão. Desta vez, porém, porém, o desenho é conseguido através de policromia dourada e verde230. No fundo esta forma de enquadrar as suas armas de família e eclesiásticas nas peças e edifícios que encomendava, serviam alguma maneira para estabelecer uma relação de proximidade do sentimento pela sua obra, quase como se fosse a sua própria assinatura por meio de símbolos heráldicos.