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Parte II – Estudo da armaria dos bispos de Lamego

2. A Diocese de Lamego nos séculos XVI a XVII

2.12. D Frei Luís da Silva Teles

2.12.1. As armas do bispo na escrivaninha do Paço Episcopal de Évora

D. Luís da Silva Teles231 enveredou desde cedo pela carreira eclesiástica, tendo integrado a ordem dos Frades Trinitários. Foi em 1664 eleito pelo Capítulo Provincial Reitor do Colégio de Coimbra e, mais tarde, ascendeu na ordem religiosa da Santíssima Trindade, a que pertencia232. Foi nomeado Capelão Mor e Deão da Capela Real e, mais tarde, Deputado da Junta dos três Estados; em 1671, foi apresentado por D. Pedro II como, Bispo de Ticiopoli. Tomou posse do bispado de Lamego no ano de 1677, onde permaneceu durante oito anos, para mais tarde abdicar e tomar a cadeira prelatícia da Guarda. Em 1691, com a morte do Papa Alexandre VIII e a eleição de Inocêncio XII, foi nomeado Arcebispo de Évora tendo fundado em Estremoz a casa dos Congregados do Oratório.

Mostrou-se sempre misericordioso pelos mais pobres, reservando sempre uma parte da colheita do seu celeiro para os mais necessitados. Durante toda a sua vida renunciou a luxos reduzindo os adornos nos paços episcopais e, das diversas vezes que visitava as Dioceses, repartia esmolas pelos pobres, dava instruções e castigos, quando necessários. Todos os domingos e, nas festa solenes, repartia esmolas aos estudantes

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A cor verde que cobre o galero e as borlas é usada para distinguir o arcebispo e o bispo dos outros cargos eclesiásticos. RIBEIRO, J. A. Corrêa Leite – Tratado de Armaria. Technica e regras do brasão d’armas, p. 128.

231

Ver biografia do bispo D. Luís da Silva Teles na Ficha prosopográfica, p. 108.

232

SAO JOSÉ, Jerónimo de - Historia chronologica da esclarecida ordem da SS.Trindade, redempçao de cativos, da provincia de Portugal […] Lisboa: Off. De Simão Thaddeo Ferreira, 1789-1794, Vol. II, p. 290.

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mais pobres. Para os mais necessitados, nunca as portas do seu Palácio estiveram

fechadas; mas sempre patentes para o socorro233. Na diocese de Lamego para além das obras que mandou efetuar no paço episcopal, D. Frei Luís da Silva Teles ordenou a execução da capela do Santíssimo Sacramento, na Sé de Lamego. Nesta mesma cidade mandou imprimir as Constituições Sinodais, assistidas por D. Miguel de Portugal, em 1639.

Em Évora mandou fazer as portas da catedral com madeiras oriundas do Brasil, assim como outros trabalhos no interior da igreja. Na mesma cidade fundou o Colégio dos Meninos do Coro e a Casa da Congregação do Oratório, de Estremoz. Mandou executar obras nas igrejas de Santo Antão, São João de Montemor e São Sebastião e nos conventos de Santa Mónica e São José, entre muitos outros234. Morreu em Évora no ano de 1703, aos setenta e seis anos de idade, tendo sido tumulado na capela-mor da Sé de Évora. Na História Genealógica da Casa Real, D. António Caetano de Sousa refere a epígrafe gravada na sua sepultura:

sepultura do Senhor Dom Frey Luiz da Sylva Telles, religioso da Santissima Trindade, de ilustre família dos Sylvas Telles, Mestre em Theologia, Bispo, e Deão da Capella Real, da Junta dos Tres Estados, Bispo de Lamego, e da Guarda, Arcebispo de Évora, insigne no Pulpito, magnifico bemfeitor das Santas Igrejas, singular esmoler para as Religioens, admirável na caridade para os pobres, e perfeito exemplar de Prelados. Faleceo em Evora com ditosa morte, aos 13 de Janeiro de 1703, aos setenta e seis da sua idade; viverá para sempre a memoria das suas virtudes235.

A escrivaninha236 adquirida por D. Frei Luís da Silva Teles foi executada entre 1690 e 1700, durante o seu arcebispado em Évora. Segundo consta no inventário do Museu de Évora, este móvel foi executado por um ourives de Lisboa, conforme podemos verificar nas marcas deixadas pelo mesmo e, pela fiscalização realizada a cabo pelo ensaiador

233

Ibidem, p. 291.

234

SAO JOSÉ, Jerónimo de - Historia chronologica da esclarecida ordem da SS.Trindade, redempçao de cativos, da provincia de Portugal […], p. 291.

235

SOUSA, António Caetano de – História Genealógica da Casa Real Portuguesa […]. Lisboa: Oficina de Joseph António da Sylva, 1735-1749, tomo IX, p. 205-206.

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municipal237. Conforme refere Túlio Espanca este conjunto foi adquirido, juntamente com outras peças, para a Casa da Relação da Arquidiocese de Évora. O mesmo expõe a reconstrução da sala do tribunal, então ocupada pelo arcebispo,

marcado por um dossel sob o qual se sentava o arcebispo, rodeado pelas cadeiras forradas de couro dos quatro secretários. No lado oposto, um longo bufete, certamente de madeira exótica, estava guarnecido com gavetas de ambos os lados para se guardarem os documentos. O dossel, a mesa e as cadeiras estavam cobertas e decoradas com tecidos de damasco e seda roxos – cor associada à dignidade do arcebispo -, e as três escrivaninhas de prata, colocadas sobre o bufete, sublinhavam a solenidade do próprio ato da escrita, nas determinações emanadas da autoridade arquiepiscopal238.

A escrivaninha era composta por um tabuleiro, dois tinteiros, um areeiro239 e um porta-penas de bases circulares e uma campainha, todos marcados com as armas do arcebispo. Os tinteiros e o areeiro apresentam a forma de uma urna, ao paço que o porta- penas ostenta quatro orifícios para a colocação das penas usadas na escrita. A campainha ornamentada de forma diferente é dividida em quatro tramos com motivos geométricos, como se de uma cúpula se tratasse. Cada chanfro é finalizado com volutas enroladas no interior, como suporte da campainha240. Todo o conjunto foi trabalhado ao modo maneirista com pouca ou quase nenhuma ornamentação, salientando-se as linhas curvas241.

As armas242 de D. Frei Luís da Silva Teles apresentam-se em todas as peças da escrivaninha, esquartelado: o primeiro e o quarto de ouro liso, que é de Meneses; e o

segundo e o terceiro de prata, leão de púrpura, armado e linguado de azul, que é de

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GARCIA, Isabel Penha (co-autor) – Inventário do Museu de Évora: coleção de ourivesaria. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1993, p. 278.

238 ESPANCA, Túlio – Memória da Vida e Morte do 10.º Arcebispo de Évora, D. Frei Luís da Silva Teles.

Évora: Revista “A Cidade de Évora”, n.ºs 69-70, 1986-1987, p. 137-138.

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O areeiro continha areia de modo a ser utilizada para poder absorver o excesso de tinta. GARCIA, Isabel Penha (coautor) – Inventário do Museu de Évora: coleção de ourivesaria, p. 278.

240

GARCIA, Isabel Penha (coautor) – Inventário do Museu de Évora: coleção de ourivesaria, p. 278.

241

SERRÃO, Vítor – História da Arte em Portugal. O Renascimento e o Maneirismo, p. 270.

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Silva243. O bordo oval apresenta-se envolvido numa cartela barroca que, por sua vez, é rematado por uma coroa de cinco florões de trevo e uma cruz prelatícia ou latina. No paquife destacamos o chapéu eclesiástico com as respetivas borlas referentes à sua dignidade. As borlas presentes nesta peça não correspondem ao ano do seu arcebispado, mas sim ao de bispo; porém, a data de execução desta peça, remete aos anos de que ocupou o arcebispado de Évora. Por outro lado, não nos é possível indicar quais as cores refentes a cada parte do escudo, visto não apresentar representações do traçado inciso correspondente aos esmaltes e metais usados.

Podemos verificar noutras peças desta dissertação que, são vários os erros relativos à dignidade eclesiástica dos bispos, sendo-lhes atribuído um número de borlas que não correspondem à data nem ao cargo assumido por estes. Não sabemos ao certo a razão de tais erros, porém é bastante provável que nesta época e em épocas anteriores,

não existissem normas muito precisas quanto à significação de borlas244.

O período vivido por D. Frei Luís da Silva Teles ficou marcado pelas inúmeras obras que mandou executar e continuar, em todas as mitras que ocupou, onde podemos identificar o seu escudo de armas: a Capela de São Lenho245, na Sé de Évora, onde foi sepultado; uma pedra-de-armas no Museu de Lamego246, proveniente da Igreja da Misericórdia da mesma cidade; painel de azulejos247, na Igreja de Santo Antão, em Évora; painel de azulejos, no Museu de Évora, pertencente ao Paço Arquiepiscopal; retábulo da capela-mor de Santo Antão248, em Évora.

Por quase toda a cidade de Évora encontramos o seu escudo de armas identificando desta forma todas as obras que mandou executar. Contudo a colocação do seu escudo de armas não terá sido uma

243

LARANJO, F. J. Cordeiro – Escudos de Armas dos Bispos de Lamego: (1492-1976), p. 127-128.

244

GARCIA, Isabel Penha (co-autor) – Inventário do Museu de Évora: coleção de ourivesaria, p. 278.

245 Ver Figura 18, no Apêndice Iconográfico, p. 128. 246

Ver Figura 3, na Ficha prosopográfica, p. 108.

247

Ver Figura 19, no Apêndice Iconográfico, p. 129.

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fórmula de ostentação pública mas, sim, a demonstração do destino das rendas da arquidiocese, utilizadas em benefício da dignidade episcopal e do engrandecimento da igreja, do qual Frei Luís se reclamava, apenas, um humilde servidor249.