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Parte II – Estudo da armaria dos bispos de Lamego

2. A Diocese de Lamego nos séculos XVI a XVII

2.2. D Manuel de Noronha

2.2.1. As armas do bispo nas grades da capela de São João Batista, da Sé de Lamego

Sem dúvida o principal mentor artístico e encomendante da Lamego no século XVI, na esteira de alguns antecessores, deve-se a este bispo grande parte dos grandes empreendimentos e benfeitorias arquitetónicas e urbanísticas desta cidade. Encaminhado desde cedo para a carreira eclesiástica, D. Manuel de Noronha114 ascendeu a cargos de grande importância no reino português e em Roma, onde terá permanecido como camarista-mor do papa Leão X, função que lhe foi atribuída com apenas 12 anos115. Pelo que pudemos apurar e, contrariamente ao que se veio a passar com os restantes bispos do nosso estudo (exceto com D. Agostinho Ribeiro), D. Manuel de Noronha não teve nenhum nível de formação académica116. Em todo o caso, o facto de ter estado ao serviço do Papa conferiu-lhe o estatuto necessário a singrar no estado de eclesiástico117.

Do tempo que ficou em Roma foi-lhe concebido pelo Papa Leão X o título de representante da Santa Sé em Portugal, para além de outros benefícios. Marcou a presença no seu tempo ao introduzir a cultura renascentista em Lamego na arquitetura civil. Fundou o Colégio de S. Nicolau o qual durante muito tempo como seminário

destinado a desenvolver a cultura do clero, segundo o que as diretrizes tridentinas

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Ver biografia do bispo D. Manuel de Noronha na Ficha prosopográfica, p. 86.

115 AZEVEDO, Joaquim D. – História eclesiástica da cidade e bispado de Lamego, p. 75. 116

SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa (coord.) – Espaço, Poder e Memória: A Catedral de Lamego, sécs. XII a XX, p. 95.

117 Pelo que pudemos apurar, após o Concílio de Trento era exigido aos novos clericais formação

académica ao nível da licenciatura ou doutoramento, nas áreas de Cânones ou Teologia:” Além disto terá capacidade tal, que possa satisfazer às obrigações, para que é destinado; pelo que convém, que tenha estado em alguma Unversidade , obtido o grau de mestre, Doutor, ou Licenciado na sagrada Theologia, e em Direito Canonico; ou que por testemunho público de alguma Academia seja declarado capaz de instruir os outros”. REYCEND, João Baptista – O Sacrosanto, e ecuménico Concilio de Trento em Latim e Portuguez. Lisboa: Oficina Patriarca de Francisco Luiz Ameno, Tomo II, 1781, p. 121.

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impunham118. E na catedral mandou D. Manuel edificar várias capelas, como as de São Nicolau, Santo António e São João Batista, todas viradas ao claustro da catedral, espaços que aqui propomos abordar.

A capela de São João Batista foi edificada entre as datas de 1557 e 1563, tendo participado na obra os pedreiros João do Rego e Duarte Coelho119 às ordens de D. Manuel de Noronha.120. O seu interior demonstra uma extraordinária riqueza, composta por diferentes intervenções artísticas. De cobertura em abóbada estrelada com uma pedra- de-armas que a remata e as paredes revestidas com painéis de azulejo figurativos, a capela é dedicada ao Precursor de Cristo.

Pouco se sabe sobre esta capela, hoje inexistente, podendo apenas ser comprada à vizinha capela de São Nicolau, a nível de trabalho de azulejaria e talvez da talha dourada, edificada já nos episcopados seguintes. No entanto, o nosso estudo centra-se no gradeamento121 armoriado que protege a capela de São Nicolau – espaço central entre as capelas de São João Baptista e Santo António.

Apesar de já ter perdido a maior parte da policromia inicial, nota-se a existência de pequenos fragmentos de dourado que cobrem o ferro e o banco do friso superior. O friso, dividido em três secções, é guarnecido com querubins e decoração vegetalista. No remate, representa-se uma pequena arquitetura, lembrando os templos clássicos, que alberga o escudo de armas do bispo D. Manuel de Noronha. Esta pequena arquitetura é suportada por dois atlantes finalizada com um frontão com uma inscrição no meio. De cada lado desta epígrafe podemos ver o sol e a lua e o acabamento, numa figura humana esculpida que nos parece ser S. Brás. Podemos ainda observar neste gradeamento, duas

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PINTO, Lucinda De Jesus Barros – O Santuário de Nossa Senhora dos Remédios em Lamego. Contributo para o estudo da sua construção 1750-1905/69. Dissertação de Mestrado em História da Arte, orientado pelo Professor Doutor Joaquim Jaime B. Ferreira Alves apresentado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1997, p. 14.

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Deste artista sabemos que permaneceu em alguns países como Itália, onde estudou sistemas de fortificação. Por ordem de D. João III, Duarte Coelho juntamente com João de Castilho examinou as fortalezas das praças de África, a fim de poderem ser reconstruidas ou arranjadas. VITERBO, Sousa – Dicionário e documental dos architectos, engenheiros e construtores portugueses ou a serviço de Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional Vol. 1, 1899-1904, p. 215.

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SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa (coord.) – Espaço, Poder e Memória: A Catedral de Lamego, sécs. XII a XX, p. 131.

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figuras míticas que guardam a arquitetura que sustenta o escudo de armas e duas outras figuras humanas assentes em pedestais, cuja sua identificação nos foi impossível de desvendar.

Retomemos às armas do bispo, presentes na entrada do pequeno templo. O escudo aqui presente exibe as armas dos Câmara122, nome de família do lado paterno. O apelido de Noronha que o bispo faz questão de usar, provém da família de D. Joana de Castelo Branco, sua mãe; porém, esse apelido não faz parte das armas do bispo. Assim, o escudo apresenta-se com um bordo de formas curvilíneas de negro, com uma torre de

prata, assente num monte de verde, sustida por dois lobos rampantes de ouro123. No timbre o chapéu de prelado em perfil – que, provavelmente terá recebido policromia – e sobe o escudo uma cruz124. Do interior do chapéu caem longas cordas com as respetivas borlas, atribuindo a dignidade eclesiástica de bispo, a D. Manuel de Noronha.

No que respeita às borlas presentes, para que representassem a honra de bispo teria de apresentar três ordens. Porém, estas armas ostentam um número de borlas superior, com uma ordem de quatro. Assim sendo, estaríamos aqui a atribuir a honra de arcebispo a D. Manuel de Noronha, dignidade que não alcançou.

No chão da capela de São Nicolau encontra-se a sua sepultura, coberta por lápide armoriada (com as armas atrás descritas) e com a seguinte inscrição:

AQUI. IAS. DOM. MANOEL. DE. NORONHA. BISPO. QVE. FOI. DE. LAMEGO. FILHO. DE. SIMÃO. GLZ. DA. CAMARA. CAPITÃO. DA. ILHA DA MADEIRA. E DE DONA IOANNA. VALENTE. SVA MOLHER. FALECEO AOS XXIII DIAS DO MES. DE. SETEMBRO. DE 1569. ANNOS.

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No dia 4 de Julho de 1460, D. Afonso V, atribui a João Gonçalves Zarco – avô de Simão Gonçalves da Câmara, pai de D. Manuel de Noronha, o apelido Câmara de Lobos (nome dado por João Gonçalves Zarco a uma localidade do Funchal, donde era governador). Porém, na geração que se seguiu, o apelido foi alterado ficando apenas o nome Câmara. ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins – Armorial Lusitano: genealogia e heráldica, pp. 129-130.

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Ibidem, p. 130.

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Neste caso, as armas apresentam uma cruz, porém, D. Manuel de Noronha, terá adotado uma outra simbologia, uma estrela atributo da devoção a Maria.

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Contudo, a presença das armas de D. Manuel de Noronha nas grades da capela de São João Batista, vieram confirmar o bispo fundador deste monumento e do local da sua sepultura125. Verificamos assim existir empatia de D. Manuel com esta devoção visto ter escolhido este espaço para tumular-se126.

2.2.2. O escudo de armas do bispo na fachada da capela de Nossa Senhora dos Meninos

Provavelmente mandada erguer por D. Manuel de Noronha, entre 1551 e 1569 na freguesia do Bairro do Ponte, a capela de Nossa Senhora dos Meninos127 passou por várias cronologias de construção e remodelação, desde o século XVI ao XIX, sendo considerada localmente a mais preciosa joia dos moradores do Bairro da Ponte128. O local

escolhido para a sua implantação terá sido outrora um pequeno terreiro, junto ao rio Balsemão, sobre uma escarpa de rochas aguçadas129; posteriormente, em tempos mais recentes, este largo foi modificado, dando o sítio origem a um pequeno jardim.

Segundo uma antiga tradição foi trazida uma imagem da padroeira para a capela- mor, ainda no século XVI por D. Manuel de Noronha, proveniente da Sé de Lamego onde antes era aclamada de Nossa Senhora do Amparo. O título conferido a Nossa Senhora como “dos Meninos” estava ligado aos muitos milagres concedidos aos mais pequenos e inocentes130. No geral, a capela foi totalmente remodelada no século XVII restando poucas lembranças do século anterior. Como exemplo de construção seiscentista temos a fachada principal do templo e a capela-mor131.

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Ver Figura 3, no Apêndice Iconográfico, p. 115.

126 Sobre a relação de D. Manuel com o culto Nicolino, ver o artigo de Resende, Nuno - São Teotónio:

patrono da diocese e da cidade de Viseu Viseu: Diocese de Viseu/C.M.Viseu, 2013. - São Nicolau, bispo de Mira. 978-989-98269-0-8

127 Ver Figura 4, no Apêndice Iconográfico, p. 116. 128

LARANJO, J. Cordeiro – Capela de Nª S.ª dos Meninos. Lamego: Câmara Municipal de Lamego, 1990, p. 3.

129LARANJO, J. Cordeiro – Capela de Nª S.ª dos Meninos, p. 10 Apud MARIA, Frei Agostinho de Santa –

Santiuário Mariano (…). Lisboa: Oficina de Antonio Pedrozo Galrao, 1711, tomo III, p. 206.

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Ibidem, p. 205.

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A fachada deste templo traduz-se numa expressiva construção maneirista onde se eleva a pedra-de-armas do bispo D. Manuel de Noronha. A fachada é composta por um portal de volta perfeita assente em pilastras, sucedido por uma arquitrave que, por sua vez, é rematada por pináculos. No portal arquitravado podemos ler uma inscrição dedicada à Virgem Maria:

LOUVADO.SEJA.O.SANTISIMO.SACRAMENT.º.E.A.IMACVLADA.CÕSEISAO.DA.VIRGE.SNRA.NOSA132.

Ladeada por pináculos encontramos na fachada a pedra-de-armas do bispo D. Manuel de Noronha133 com o chapéu de prelado e no meio uma estrela símbolo da devoção mariana134. Contrariamente à capela de São Nicolau, D. Manuel de Noronha poderá ter apenas conhecido o projecto exterior da capela de Nossa Senhora dos Meninos, partindo desta vida sem a ver completa, uma vez que sua morte ocorreu em 1569. Apesar de tudo as obras foram continuadas sem que se documentem outras intervenções mandadas executar, diretamente, por bispos desta diocese. De tal modo que, como pudemos apurar, não subsiste em parte alguma da ermida outro emblema que não a do bispo fundador (ou refundador), D. Manuel de Noronha.

2.2.3. Armas na torre sineira da catedral de Lamego

Na torre sineira da catedral de Lamego exibem-se, outrossim, as armas de D. Manuel de Noronha. Correspondem, em termos heráldicos, às representações anteriores e devem assinalar intervenções do bispo na estrutura do campanário, que podem corresponder à construção do remate e cobertura dos vãos que albergam os sinos, ainda existente.

132Ibidem, p. 14. 133

Ver a leitura heráldica do escudo no texto anterior, referente à capela de São João Batista.

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É do nosso conhecimento que existe no Museu de Lamego, uma pedra-de-armas do bispo que, para além da estrela tem ainda uma legenda referindo: ESTA.É.BOA.GVIA.

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2.2.4. Armas depositadas no Museu de Lamego

Dentro do expressivo conjunto de emblemas heráldicos de D. Manuel de Noronha no termo da cidade de Lamego, conta-se a estrutura tradicionalmente associada a um chafariz erguido no Rossio. Nela se exibem as armas do bispo empreendedor que com este registo acrescenta a ideia de um prelado ativo e determinado em deixar a sua marca no urbanismo do couto de Lamego, espaço de intervenção, por excelência, dos antístites135.