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Parte II – Estudo da armaria dos bispos de Lamego

2. A Diocese de Lamego nos séculos XVI a XVII

2.10. D Miguel de Portugal

2.10.1. As armas do bispo na cruz de assento da Sé de Lamego

No que respeita à diplomacia portuguesa do século XVII, D. Miguel de Portugal199 foi um dos prelados que mais se destacou, sendo bispo de Lamego. Descendente dos Duques de Bragança, foi-lhe atribuído um lugar no Santo Ofício de Coimbra como deputado, assim como o de Inquisidor em Évora. Nomeado bispo de Lamego ainda durante o domínio filipino200, ocupou aquela cadeira prelatícia entre os anos de 1636 e 1643 e, na sequência da Restauração, em 1640, logo se apresentou em Lisboa a pedido de D. João IV, sob pretexto de visita ad Sacra Limina201exercendo o papel de embaixador extraordinário em Roma.

Para que se compreenda a ida do nosso bispo a Roma, é fundamental recuarmos até 1580, data do início da dinastia espanhola, em Portugal. Após a Batalha de Alcântara, o rei Filipe II de Espanha (depois Filipe I de Portugal), jurou nas cortes de Tomar respeitar

as leis, costumes e posturas de Portugal, nomeadamente a manutenção da língua

197 FREIRE, Anselmo Braamcamp – Brasões da Sala de Sintra, p. 49-59. 198

ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins – Armorial Lusitano: genealogia e heráldica, p. 129-130.

199

Ver biografia do bispo D. Miguel de Portugal na Ficha prosopográfica, p. 102.

200 SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa (coord.) – Espaço, Poder e Memória: A Catedral de Lamego, sécs.

XII a XX, p. 91.

201

BORGES, A. Antunes – Provisão dos Bispados e Concílio Nacional no Reinado de D. João IV. Lisboa: Lusitania Sacra: Revista do Centro de Estudos de História Religiosa, 1957, Tomo II, pp. 111-219.

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portuguesa como a única língua oficial de todas as chancelarias202. De um modo geral, o domínio espanhol foi bem aceite pela nobreza portuguesa muito devido à influência de Espanha na Europa e, também, no mundo.

Esta aceitação veio a deteriorar-se nos reinados de Filipe II203e, principalmente, no reinado de Filipe III que, optou por não respeitar o juramento feito pelos seus antecessores e por ele mesmo, nas cortes de Tomar. A nobreza e a burguesia viram perdidos os seus negócios e possessões. No caso desta última classe, verifica-se como facilmente as frotas portuguesas eram atacadas pelos holandeses e ingleses, assim como por piratas, sem que houvesse uma intervenção ou proteção do lado castelhano. A população estava revoltada com a subida de impostos e a subida do preço do trigo, aumentando a tensão popular e propiciando o início de motins e manifestações.

A Restauração de 1 de Dezembro de 1640 restabeleceu o governo de Portugal aclamando D. João IV como rei de Portugal. De maneira a ser reconhecida a independência portuguesa, D. João IV determinou o envio de missões diplomáticas às

principais Cortes europeias204, com o intuito de conseguir apoio financeiro e militar. Uma dessas missões diplomáticas foi a de D. Miguel de Portugal que, em 1641, partiu como embaixador para a Santa Sé, a fim de recuperar uma antiga tradição dos nossos soberanos, prestando obediência ao Papa, em Roma.

Apesar da tentativa de assassinato do bispo, por parte de Castela, D. Miguel de Portugal permaneceu em Roma na esperança de poder ser ouvido pelo Papa. Com a recusa deste em recebê-lo, o bispo de Lamego retornou a Portugal, ficando em Lisboa onde ocupou o cargo de conselheiro do Estado e, mais tarde, o de Arcebispo de Lisboa, lugar que nunca chegou a ocupar, tendo falecido no mesmo ano da sua nomeação.

202

DIAS, Eurico Gomes – A intervenção de D. Miguel de Portugal, bispo de Lamego, no arranque da diplomacia portuguesa na Restauração, p.9.

203

Ibidem, p. 10.

204

DIAS, Eurico Gomes – A intervenção de D. Miguel de Portugal, bispo de Lamego, no arranque da diplomacia portuguesa na Restauração, p. 10.

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Em toda a sua vida enquanto bispo de Lamego, dedicou grande parte do seu tempo à embaixada205e como tal deixou poucas obras, sendo uma delas, porém de grande importância: uma cruz de assento206 que mandou realizar para uso privado. Produzida no século XVII, esta magnífica obra feita em bronze dourado e prata fundida apresenta uma cruz em forma de tau, de haste e braços lisos, de secção retangular, com

escultura de vulto de Cristo e inserção de tabela com inscrição, no topo da haste207. Objeto valioso, este trabalho de ourivesaria apresenta uma decoração austera, própria de seiscentos, dando maior importância ao trabalho da cruz e da figura de Cristo do que o resto do conjunto, que é ainda sublimada pelo contraste cromático em relação à cruz,

contribuindo para o sentido de equilíbrio208.

Na base retangular desta cruz posicionam-se as armas209 do bispo D. Miguel de Portugal. O escudo apresenta-se lavrado sem policromia, de bordo ovalado e com um floreado barroco decorativo em torno da bordadura, atribuindo uma melhor conceção às armas, tal como era caraterístico na heráldica desta época. Na bordadura do escudo podemos ler a seguinte inscrição:

+ D.MICAELIS.DE.PORTUGAL.EPISCOPI.LAMACENSIS210

Por norma, mesmo sem policromia, são atribuídas às peças esculpidas formas que identifiquem esmaltes referentes a cada família. Não podemos deixar de observar que existem alguns erros nas armas de D. Miguel de Portugal referente à posição dos esmaltes e à sua representação.

205 Com o domínio filipino, Portugal começou a perder a nível económico principalmente no interior do

reino. Deste modo, as dioceses começaram a perder alguma da sua importância a termos económicos e culturais, tal como aconteceu em Lamego. SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa (coord.) – Espaço, Poder e Memória: A Catedral de Lamego, sécs. XII a XX, p. 136.

206

Ver Figura 11, no Apêndice Iconográfico, p. 123.

207

RESENDE, Nuno – O Compasso da Terra. A arte enquanto caminho para Deus. Lamego: Diocese de Lamego, Vol. 1, 2006, p. 202.

208

Ibidem, p. 202.

209

Ver Figura 12, no Apêndice Iconográfico, p. 123.

210

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Segundo a leitura de F. J. Cordeiro Laranjo, as armas da família de D. Miguel de Portugal, descendente da Casa de Bragança e dos Condes de Vimioso, apresentar-se-iam da seguinte maneira: de prata, aspa de vermelho, carregada de cinco escudetes das

armas do reino, diferenciadas por um filete negro sobreposto em barra, e de quatro cruzes floridas de prata, vazias de vermelho, alternando com os escudetes211. Nas armas desta peça aspa apresenta-se de prata em vez de vermelho e o fundo do escudo apresenta-se de azul em vez de vermelho. O chapéu prelatício de perfil possui o esmalte púrpura em vez de verde, com o número de borlas pendentes referentes a um arcebispo em vez de bispo.

É certo que no final da sua vida foi nomeado arcebispo de Lisboa; no entanto, é da nossa opinião que antes desse cargo esta peça já seria usada por D. Miguel de Portugal enquanto bispo de Lamego, tendo sido usada como devoção privada. Mas se assim for o número de borlas estará igualmente incorreto, atribuindo a D. Miguel de Portugal a dignidade errada em que estava então empossado. Cabe-nos focar, ainda, a coroa no timbre do escudo referente ao título de conde usado na sua família212.