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2.1. Origem e aspectos culturais do município

2.1.3. Antônio Conselheiro, Lampião e a seca

Não se pode compreender a cultura e a gente de Paripiranga sem que se leve em consideração três fenômenos que marcaram (e marcam) essa faixa do semiárido nordestino:

Canudos, o cangaço e as secas. Dizem os historiadores locais que por este município esteve em peregrinação Antônio Vicente Mendes Maciel, o “Antônio Conselheiro”, por volta de 1896. Sendo expulso da frente da Matriz pelo pároco, foi acolhido e alimentado pela esposa do “Major Justino”, a Sra. Verediana Francisca Vieira de Andrade (“Sinhá”). Em seguida Antônio Conselheiro foi acolhido por João Fraga Pimentel, no sítio “Lagoa Salgada” (LIMA, 2004). Ali o beato fez suas pregações e depois de pernoitar, saiu em direção ao sertão sendo acompanhado por alguns novos seguidores da vila do Coité (DEDA, 2008).

Portanto, entre os cerca de 25 mil habitantes que Canudos contava entre 1893 e 1897, alguns, certamente, eram provenientes das matas de Paripiranga. Porém, provavelmente não eram muitos tendo em vista que a vida dos moradores locais não era tão dura como a dos sertanejos das caatingas e, além disso, o catolicismo tradicional que aqui se configurou era incompatível com o misticismo do beato. Parte das tropas federais que combateram os seguidores de Antônio Conselheiro também passou por essa terra126. As marcas de Canudos já não se encontram presentes na memória dos paripiranguenses, mas certamente naquele turbulento fim de século, os moradores de “Patrocínio do Coité” assistiram a passagem das tropas federais com muito espanto.

O “Cangaço”, outro movimento nordestino derivado da situação política e socioeconômica do incipiente período republicano, por sua vez, marcou a vida dos moradores da localidade, fazendo-se presente na memória dos mais velhos até os dias atuais. Desde o início do século XX, tem-se notícias de “banditismo” no município. Em 1913, por exemplo, um homem conhecido por “João Capelão” assassinou uma criança, enterrando-a viva num povoado de Paripiranga, deixando a população perplexa e as autoridades em total tensão127. O caso foi um precedente do que aconteceria nos anos seguintes quando o cangaço surgiu na região. O Livro de Tombo da paróquia de “Nossa Senhora do Patrocínio”, isto é, da secretaria da igreja católica de Paripiranga, contém registro de 1937, assinado pelo pároco João de Mattos Freire de Carvalho, relacionado ao cangaço. No texto nota-se a preocupação do pároco com a segurança dos moradores da “Vila de Patrocínio do Coité”, sobretudo, “daqueles que

126 Tratou-se da 4ª Expedição comandada pelo Coronel Carlos Teles que seguiu para Canudos em maio de 1897,

como atesta Carvalho Deda (2008) e o próprio Euclides da Cunha. De acordo com este último, a 4 de maio de 1897 o Cel. Carlos Teles “modela” sua tropa em Simão Dias e depois segue para Canudos (CUNHA, 2002, pp.361-362). Ora, há 8 km de Simão Dias e no caminho entre esta e Canudos, Paripiranga certamente esteve no trajeto dos combatentes.

127 O crime que ocorrera na fronteira entre a Bahia e Sergipe é considerado por Carvalho deda (2008) o estopim

de uma disputa de limites, pois os dois estados processaram o assassino e o governo sergipano chegou a ocupar dois povoados com força policial. Em Amaral (1916, p.32-34) há troca de correspondência entre os governadores de Sergipe (Siqueira Menezes) e da Bahia (J. J. Seabra) tratando do caso comprovando, assim, que, de fato, ambos reivindicavam o processo.

habitavam as matas”, pois eram estes as presas mais fáceis para os bandos de cangaceiros (LT 2, p.79).

De fato, o clima de pânico se instalou na localidade assim como em todo o sertão nordestino. Em seu livro, Erathostenes Fraga Lima (2004, p.64) narra a rotina dos habitantes de Paripiranga no período:

O clima era de total insegurança. Normalmente meu avô, que tinha muitas filhas moças em casa (apenas as mais velhas eram casadas), mandava a família para a cidade, onde estariam mais seguras. Elas vinham da cidade pela manhã, passavam o dia no sítio e à tarde voltavam. Lá na Lagoa Salgada ficavam ele, minha avó e eu... Mas por precaução nós não dormíamos em casa. Antes do anoitecer nós tomávamos café e íamos com três redes para debaixo dos cajueiros, em meio aos cafezais.

Não obstante as ameaças e avisos de invasão, o bando de Lampião não chegou a entrar na sede do município. De acordo com o pesquisador local Roberto Santos de Santana (2008), Lampião teria passado nas imediações de Patrocínio do Coité no ano de 1928, quando saiu de Bom Conselho em direção a Sergipe. Outro historiador local, José de Carvalho Deda (2008), confirma a tese ao narrar um “alarde” em Simão Dias, do mesmo ano, devido à passagem de Lampião com seu bando nas imediações da cidade, vindo “das matas do Coité”. Mas foi Corisco, líder cangaceiro mais conhecido depois de Lampião, que passou em Paripiranga em 1932 gerando pânico na comunidade. O especialista em cangaço Oleone Coelho Fontes narra o episódio da seguinte maneira:

“No dia 15 de julho (32) o bando de Corisco penetra em Paripiranga cometendo saques e depredações. Além dos negociantes Antonio Hilário Santos, Sebastião Carregosa e a viúva Juventina Carregosa (a quem os bandidos submeteram a uma série de humilhações), vários agricultores também foram roubados ou espancados. A população de Paripiranga, todavia, resolve reagir aliando-se a 6 praças do destacamento e saem em perseguição aos assaltantes. Na residência de Maximiano Leal trava-se cerrado tiroteio, os bandidos são desalojados e foram deixando vários objetos que haviam sido surrupiados dos moradores. Dos escaramuças foi ferido José Severo e uma mocinha de 15 foi estuprada pelo bandido Gavião” (FONTES, 2010, pp.283-284).

Fraga Lima (1986) acrescenta que na passagem de Corisco pela cidade houve um assassinato de um rapaz por parte do bando e, por isso, “Dadá” (mulher de Corisco) teria sido apresentada e julgada pelo juiz local. De fato, o episódio, que é lembrado por muitos decanos do município e que repercutiu em todo estado, causou pânico na população e deixou marcas que se estenderam ao longo do tempo.

Nesse período, o cangaço se tornara um destino certo para quem cometia algum crime ou sofresse uma decepção que lhe desprendesse da comunidade. Em Paripiranga, entre as

décadas de 1920 e 1940, muitos homens se engajaram em diversos bandos que atuavam na região128. O caso mais marcante aconteceu em 1939 quando dois moradores do município assassinaram o juiz de direito para obterem o passaporte para o bando de “Corisco”. No livro Cangaceiros de Lampião – de A a Z, Bismarck Oliveira cita “Joaquim de Matos Santa Rosa” como um cidadão paripiranguense que desejava entrar no cangaço e descreve o desfecho da história:

Com este aprendiz de cangaceiro aconteceu um fato interessante: No início de 39, juntamente com o primo, José de Carvalho Matos procurou Corisco e Labareda no intuito de convencê-los a aceita-los em seus bandos. Desconfiados, os cangaceiros exigiram dos mesmos uma prova de que realmente estavam interessados na vida criminosa e exigiram deles uma “prova” de sua disposição. Dias depois, quando assassinaram o Juiz de Paripiranga (BA), Dr. Manoel Vieira Júnior, e se dirigiam ao coito onde se encontravam os bandos de Corisco e Labareda, armados e vestidos a “caráter”, foram descobertos e presos, sendo imediatamente transferidos para Salvador, onde cumpriram penas. (OLIVEIRA, 2012, p.142).

O episódio gerou grande repercussão no município e tornou-se um tabu para os paripiranguenses, que evitam falar do assunto com as novas gerações. Nas entrevistas realizadas, tentei abordar o fato, mas só o agricultor Jorge Jacinto de Santana mencionou o assunto, informando que Joaquim de Matos Santa Rosa era filho do coronel Manoel de Matos Santa Rosa, que foi intendente entre 1924 e 1925 (depoimento em 01/12/2012).

Foi preocupado com esta presença do cangaço na região que, em meados dos anos 1930, o então interventor da Bahia Juracy Magalhães teria mandado armas e munição129 aos cuidados do prefeito de Paripiranga (Ismael Trindade) para que este os distribuísse entre cidadãos que soubessem atirar e tivessem coragem de enfrentar cangaceiros. A partir de então, como testemunha Francisco Sabino Soares (23/02/2013), organizavam-se guarnições para vigílias noturnas da vila, reunindo dezenas de homens sob a liderança do delegado local que ganhou prestígio e chegou a ser prefeito nos anos 1940 (retomarei essa questão no próximo capítulo). Assim, quando o bando de Ângelo Roque (“Labareda”, no cangaço) se entregou ao delegado local em 1940130, a cidade caiu em festa e, por vários dias, centenas de curiosos

128 Os mais conhecidos são os cangaceiros “Balão”, que pertencia ao bando de “Zé Sereno”, “Saracura”, que

pertencia ao bando de Ângelo Roque (Labareda, no cangaço), e “Vinte e Cinco” que pertenceu a vários bandos, inclusive o de Lampião. Este último morreu em junho de 2014 com 95 anos na cidade de Maceió (estado de Alagoas) onde morava com a família desde os anos 1970. Para mais informações, além da bibliografia já citada ver a página eletrônica http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/search/label/Paripiranga.

129 Todos os entrevistados com mais de 80 anos mencionam este fato. Francisco Sabino Soares chega a afirmar,

inclusive, que teria recebido uma destas armas e participado das “vigílias” noturnas na cidade.

130 O delegado Jerônimo Evangelista de Carvalho obteve a rendição dos cangaceiros porque tinha fazenda nas

“caatingas” do Coité e mantinha relação amistosa com estes. Assim, como os cangaceiros não estavam mais dispostos a continuar se escondendo, teriam escolhido um lugar e uma autoridade apropriadas para a rendição.

revezavam-se nas janelas da casa onde os cangaceiros ficaram custodiados antes de serem levados para Salvador. A foto a seguir registra o momento em que o bando de cangaceiros se entregou às autoridades policiais em Paripiranga:

Foto 1 – bando de cangaceiros presos em Paripiranga em 1940. O então delegado de Paripiranga, Jeronimo Evangelista de Carvalho, que aparece na foto (número 13), ganhou prestigio político e acabou se elegendo prefeito em 1950 pela UDN.

Fonte: Arquivo pessoal de Thomaz Antonio Virgens Araujo.

Com efeito, o cangaço possui fortes marcas em Paripiranga131 e constitui referência central da cultura popular. Conforme apurou a pesquisa, nesse período as rixas políticas foram colocadas em segundo plano em virtude da prioridade do combate ao cangaço. Todavia, tanto os cangaceiros quanto as pessoas que ousavam resistir a suas investidas no município tornaram-se símbolos de virilidade e até referencias sociais. É comum observar as pessoas invocarem a figura de Lampião quando diante de situações de fraqueza e injustiça como se

131 Símbolo concreto desta marca é um prédio (“sobrado”) localizado na zona rural do município (3km da sede)

que teria sido erguido na década de 1930 como uma espécie de fortaleza para abrigar pessoas dispostas a enfrentar bandos de cangaceiros.

essa figura fosse portadora de uma ethos apropriado para o contexto local. Muitos associam atualmente crimes de vingança e outras formas de violência física praticados no município, inclusive em períodos eleitorais, a esse histórico vinculado ao cangaço. Reportagem do programa “Fantástico” da Rede Globo de Televisão, em 7 de fevereiro de 1999, que noticiava a primeira condenação de um réu acusado de homicídio no município em cinquenta anos, traz, por exemplo, depoimentos de autoridades falando de como se tende a “fazer justiça com as próprias mãos”, em virtude de um passado “comandado por coronéis e cangaceiros”.

É a saga das secas que mais marca a vida e os costumes do povo que habita os sertões nordestinos. As secas determinam movimentos migratórios por provocar verdadeiras diásporas dos sertanejos e, portanto, impactam na configuração populacional das cidades sertanejas. Em virtude das secas as paróquias organizam “Missões”132 e os políticos locais

organizam suas pautas de reivindicações junto às autoridades estaduais e federais. Verdade seja dita, a seca por essas bandas não é tão agressiva quanto em áreas totalmente integradas ao semiárido. Devido a sua localização entre a zona da mata e o sertão, Paripiranga possui clima “agradável”133 e recebe chuvas regulares, tanto no verão (quando são abastecidos os

reservatórios e garantida comida para os rebanhos) quanto no inverno (quando se planta e se cultiva produtos agrícolas)134. Todavia, quando as secas alcançam patamares elevados até regiões mais temperadas são afetadas. As grandes secas marcam épocas e constituíram-se em marcos dos grandes ciclos históricos.

Paripiranga (Patrocínio do Coité à época) experimentou duas grandes secas já no início do século XX. A primeira ocorreu por volta de 1900135 e ficou conhecida como a “seca do quebra cangote”, nome recebido dos moradores devido ao fato de que os fazendeiros mais abastados, sofrendo os efeitos dessa estiagem, tiveram que perder um pouco da prepotência. A outra veio logo em seguida, no ano de 1907 e perdurou até 1910. Essa ficou conhecida como seca do “bolachão”, pois o único alimento que se encontrava no período de vacas magras era uma bolacha de tamanho avantajado feita à base de farinha de mandioca (HENRIQUE NOVO, 2001). O Livro de Tombo 2 da paróquia traz registro (à página 32) da realização de

132 Grandes mobilizações religiosas que incluem atividades laboriosas organizadas em mutirão para garantir

benfeitorias à comunidade, entre elas, açudes e poços artesianos, entre outros.

133 O clima do município é quente e seco no verão, e frio e seco no inverno. A temperatura média gira em torno

de 20°C, sendo que para o mês de julho e agosto já se registrou até 8°C (GUIA DO COMÉRCIO DE PARIPIRANGA – 2011-2012. – Aracaju: Info Graphics Gráfica e Editora, 2011).

134 Importante observar que nesta região só se diferenciam duas estações: o verão, que vai de outubro a março, e

o inverno, que vai de maio a setembro.

135 Em carta datada de 12 de novembro de 98, Victor Marcolino de Menezes (líder político local) narra ao Barão

de Jeremoabo (Cícero Dantas Martins): “Continua a seca nos flagelando de um modo nunca visto, e se Deus não se compadecer de nós não sei onde iremos parar” (CARNEIRO, 2005, pp.2291-2329).

missa e procissão em 1907 depois de dias de jejuns orientados pelo Pe. João de Matos em penitência pela seca que assolava o município.

Em 1932 mais uma seca assola o município136 e, então, além de orações e penitencias, o pároco resolve se unir aos políticos para interceder junto ao governo federal no sentido de viabilizar a construção de um açude no município. Também no Livro de Tombo 2 (p.72) encontramos registro da década de 1930 em que o padre João de Mattos encaminha o seguinte telegrama a um ministro do governo do presidente Getúlio Vargas:

Exmo. Ministro da Viação Doutor Marques dos Reis. Rio. Repetidas secas têm expatriado famílias inteiras deste município cujo despovoamento verificamos agora deficiência no alistamento eleitoral. Motivo seguro repatriá-los incentiva alistamento eleitoral, consiste conferência eleitoral número superior a setecentos próximas eleições, é certamente confiança, depositamos na construção do açúde premente aspiração de longa data desta Vila. Saudações. Assinam. Ismael Trindade, prefeito, João de Mattos Freire de Carvalho, pároco, Hermínio dos Reis e Silva.

Percebe-se no telegrama, subscrito pelo pároco e pelo chefe do executivo municipal, que já naquele período havia uma forte migração de moradores desse município para outras regiões do país. Não há dados sobre essas migrações, mas o texto não deixa dúvidas de suas proporções, tendo em vista o impacto sobre o eleitorado local. De fato, até os dias atuais a migração sazonal para o sudeste faz parte da rotina de um grande número de paripiranguenses, particularmente dos moradores das regiões mais secas e pobres do município. Viajam entre setembro e dezembro, quando termina a colheita da lavoura, passam uma “temporada” trabalhando – principalmente na construção civil ou no setor de serviço como garçons, porteiros, seguranças, entre outros – depois voltam para fazer novo plantio (entre abriu e junho).

Historicamente, esse fenômeno tem afetado a política local porque o prolongamento das secas reforça os canais de clientelismo político e define a agenda administrativa do município. A esse respeito é sintomático que obras como construção de açudes137 constituíssem o objetivo primordial das administrações locais, sendo um meio para aprofundar a dependência das municipalidades em relação aos chefes políticos regionais e nacionais (aprofundarei esse ponto no próximo capítulo). Conforme mostrado, o flagelo das secas também ajudou a reforçar o protagonismo político do Pe. Joao de Mattos.

136 Na edição de 31 de outubro de 1954 do jornal O Ideal, Francino Silveira Deda diz que a seca de 1932,

conhecida como a seca do “bocapio”, foi devastadora e que Paripiranga foi “invadida” por pedintes e retirantes de outros municípios sertanejos.

137 Em Paripiranga um açude capaz de abastecer toda a população em período de seca só veio a ser construído no