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Os “fundadores” e os “conquistadores” de Paripiranga

3.1. Ascensão, concorrência e declínio oligárquico

3.1.1. Os “fundadores” e os “conquistadores” de Paripiranga

Conforme mostrei no capítulo anterior, em meados do século XIX o então arraial de “Malhada Vermelha” estava sob a influência regional do coronel João Dantas dos Reis, pai de Cícero Dantas Martins, o “Barão de Jeremoabo”. Seus prepostos locais eram o major José Antônio de Menezes (sobrinho de Manoel de Carvalho Carregosa do Engenho Moendas em Lagarto) e seu primo capitão Joaquim José de Carvalho. Com o tempo multiplicaram-se no distrito os fazendeiros, donos de engenhos e de comércio que alcançaram prestígio político e títulos, como o de “coronel”190. Cabia a esta elite local exercer as funções administrativas, legislativas e judiciais do município, além de garantir os votos para os “chefes políticos” regionais que, por sua vez, distribuíam os títulos e cargos191. Sob o signo do “Partido

190 Identificados popularmente por “Coronel” só se tem conhecimento de dois, Cel. Joaquim de Matos e Cel.

Santa Rosa, mas com a ajuda de entrevistas, jornais da época e documentos oficiais constatei que Paripiranga teve pelo menos oito homens com o título de coronel: Victor Marcolino de Menezes (chamado de Capitão), Joaquim de Mattos Carregosa, Manoel de Matos Santa Rosa, Justino José das Virgens (chamado de Major), João Carregosa da Trindade, Francisco Dias Sobrinho, João Rabelo de Morais e Jonathas Lima Menezes.

191 Encontrei em cartas de Victor Marcolino, então líder político máximo do município, ao Barão de Jeremoabo,

pedido de nomeação de cargos da Guarda Nacional vagos a pessoas que são “amigas” e “dispostas a pagar” (ver citação de carta na página 97). Todavia, essa distribuição de cargos e títulos custava aos chefes locais uma total submissão aos chefes regionais. Em uma carta de 12 de novembro de 1898, Victor Marcolino de Menezes (então chefe político local) escreve a Cícero Dantas Martins (filho do Cel. João Dantas Reis): “tenho adorado a Vossa Excelência, quando o sol é nascente, do mesmo modo tenho adorado quando o sol é poente ou que está no ocaso” (CARNEIRO, 2005, pp.2316-2319).

Conservador” esta facção exerceu seu poder de mando por décadas seguidas a partir de seus engenhos e através dos cargos que controlavam. Num relato do juiz de direito de Jeremoabo, Dr. Caetano Vicente d’Almeida Júnior, datado de 20 de dezembro de 1860, sobre supostas prisões “ilegais” feitas em “Malhada Vermelha” pelo “subdelegado” Joaquim José de Carvalho com a conivência do Coronel João Dantas dos Reis, consta:

[...] é preciso fazer ver a V. Exa. que existe neste Termo um partido capitaneado pelo coronel João Dantas dos Reis, que tem sabido ter às suas mãos todas as authoridades, quer policiais, quer judiciárias, e a quem portanto é fácil por em prática, por esses seus emissários, todos os planos que lhe vem à mente, ainda os mais iníquos, contanto que lhe sirvam para satisfazer paixões suas, ou dos seus alliados; e aquelle que, ou por seus princípios de moralidade, ouza oppor-se-lhe, ou aos seus por qualquer forma, tem de soffrer prompta e infalível perseguição (AMARAL, 1916, pp.400-402).

Observa-se que o mando oligárquico neste período não tinha limites. Todavia, o domínio dos “conservadores” sofreu revezes em virtude das oscilações na conjuntura nacional e do surgimento de rivalidades locais. Sob a liderança local da família Rabelo de Morais192 e com o apoio regional de João dos Reis de Souza Dantas193, sobrinho do coronel João dos Reis Dantas, os “liberais” (Partido Liberal) venceram o pleito de 1884194. No ano seguinte

novamente controlaram as eleições195 e se animaram para levar à frente um plano ambicioso, qual seja: emancipar o distrito para enfraquecer o poder do Barão de Jeremoabo e seus aliados locais que compartilhavam a administração de Bom Conselho, município ao qual o então distrito de “Patrocínio do Coité” estava integrado no período.

192 Segundo Roberto Santos de Santana (2008), os Rabello de Morais chegaram a Paripiranga vindos de Carira

(Sergipe) no início do século XIX. Em Amaral (1916, p.418) encontra-se registro de Manoel Hipolyto Rabello de Morais (provável patriarca da família) como morador do povoado “Pau Preto”, distrito de “Patrocínio do Coité”, em 1857. A atuação política dos Rabello de Morais iniciou neste período como pode ser concluído da indicação de Manoel Hipolyto Rabello de Morais pelo juiz de direito de Jeremoabo, Dr. Caetano Vicente d’Almeida Júnior, para substituir o Capitão Joaquim José de Carvalho como subdelegado do distrito de Patrocínio do Coité em 1860 (em AMARAL, 1916, pp.400-402). Encontra-se também referência à família Rabello de Morais nas eleições de 1884 e 1885 (citadas à nota 38) como membros da “mesa diretora”. Já num “protesto” de 1886 (Ver “Livro de Notas de Paripiranga”, 1885-1887) aparecem Pedro Rabello de Morais (4º juiz de paz, substituto), Acylino Rabello de Morais, Vicente Rabello de Morais, Manoel Conceição Rabello de Morais, João Evaristo Rabello de Morais, Eleuttério Rabello de Morais, Alexandre Rabello de Morais, Joaquim Rabello de Morais, Francisco Antonio Rabello de Morais, João de Deus Rabello de Morais e Martinho Rabello de Morais. Em documento da “intendência” datado de 1900 (In AMARAL, 1916, p.419) aparece assinatura de Pedro Rabello de Morais como “tesoureiro”. Já nos idos de 1920 tem-se a figura do “Cel. João Rabello de Morais” como comandante da “2ª linha do exército” (Ver Almanaque Laymmert, 1921).

193 Irmão de Manuel Pinto de Souza Dantas, o “Conselheiro Dantas” (líder baiano com prestígio na Côrte ao lado

de Rui Barbosa), João dos Reis de Souza Dantas era primo de Cícero Dantas Martins, mas teve maior influencia política que o primo no final do Império e nos primeiros anos da República sendo o responsável pela liderança política dos “liberais” no nordeste da Bahia até 1897, quando faleceu (CARVALHO JR., 2006).

194 Com grande abstenção dos conservadores, João dos Reis de Souza Dantas venceu o primo Cícero Dantas

Martins, filho do Coronel João Dantas dos Reis, por 30 votos a 3, e conquistou uma vaga na última legislatura do Império (Ver “Livro de Notas de Paripiranga (1883-1885)”).

195 No pleito de 1885 – conforme “Livro de Notas de Paripiranga (1883-1885)”, ver referências bibliográficas –

A emancipação foi decretada em 1° de maio de 1886 – quando o arraial de Patrocínio de Coité foi elevado à categoria de vila pela Lei Provincial 2.553 – e as eleições para o “conselho municipal” foram convocadas para o dia 1º de junho de 1886, porém, na ocasião houve intervenção policial do subdelegado José Joaquim de Carvalho (filho do Capitão Joaquim José de Carvalho) e o pleito não se realizou. Em resposta, as lideranças liberais enviaram um “protesto196” às autoridades da província, mas só em 1º de fevereiro de 1888 as

eleições foram realizadas e o município definitivamente instalado. Os liberais assumiram o comando político-administrativo, liderados pelo tenente João Cardoso dos Santos (presidente do conselho) que era aliado da família Rabello de Morais.

Portanto, a emancipação política do município resultou de uma disputa entre oligarquias locais e regionais e teve seu desfecho determinado por uma alternância de poder na esfera nacional entre conservadores e liberais. Tratava-se de uma conjuntura marcada por instabilidade no poder central decorrente das intrigas entre conservadores e liberais e os Dantas estavam divididos internamente entre duas facções que buscavam o domínio de cada distrito ou povoado da região. Ademais, a exemplo do caso nacional, também aqui o movimento não contou com participação popular. Foram atos decididos em gabinetes e voltados principalmente para atender interesses das oligarquias, como os Dantas.

Com a Proclamação da República ocorreram mudanças na condução política do país e na organização administrativa das municipalidades. Assim, em Paripiranga os conservadores retomaram o poder com Victor Marcolino de Menezes.

Foto 4 – Victor Marcolino de Menezes, “Capitão Victor”, descendente dos fundadores de Paripiranga e chefe político local do Partido Conservador no final do século XIX.

Fonte: CARNEIRO, 2005, p.1673.

Em carta encaminhada a Cícero Dantas Martins, o novo mandatário da Vila – na condição de presidente de um “conselho provisório” – presta contas ao líder conservador da região e encaminha pedidos para a consolidação do poder de sua facção. Segue um trecho da referida correspondência:

Illustríssimo Excelentíssimo Senhor Barão de Geremoabo S Crus 8 de dezembro de 1890

Prestei juramento da Intendência assim como os demais amigos porém só o fiz as nomeações feitas houve a falta de ter sido nomeado, um indivíduo para dous empregos, por quanto Vossa Excelência sabe que aqui na nossa terra todos querem ser, e quando não são ficam descontentes. Achei justo o que Vossa Excelência disse sobre a Coletoria para o Zeze em vista do que tenho procurado outro amigo, e nem um tenho encontrado que possa prestar a fiança, ainda vou ver se convenço a um amigo, e avisarei a Vossa Excelência já chegou a nosso amigo o Alferes Sepulveda.

Veja se pode conseguir a nomeação de Joaquim de Mattos Conego para primeiro suplente de Delegado por que o nosso amigo Elpidio não aceita, assim como a nomeação do Joze Gregorio dos Reis para primeiro Suplente de Subdelegado.

Aqui está o Doutor Souza Dias, e Doutor Promotor, e de ambos tenho gostado, e lamento não ser Vossa Excelência amigo de aquele, se bem que ele não seja seu desafeto segundo disse-me, e acrescentou mais que ainda espera prestar-lhe algum serviço. Lembrai-vos da fraqueza humana porque é próprio da natureza a incorrer em falta. O Doutor Paulo Fontes até a fazer desta não é chegado; é tão amolador quanto o meu irmão que tão bem é Paulo.

Tenho feito uma figura na Câmara quando querem qual quer cousa é por escrito, apenas compreendo quando pedem a palavra pela reverência que fazem-me, que tal? bonita, figura de papelão, já estou velho, não sirvo mais para pilheria. Adeus disponha de Vossa Excelência seu amigo e fiel criado Victor Marcolino de Menezes. (CARNEIRO, 2005, pp.2308-2314).

A carta ilustra como o nascimento da república não alterou a forma como as oligarquias locais e regionais intercambiavam entre si e teciam o poder de mando sobre as municipalidades. No entanto, nos anos seguintes ocorreram mudanças no cenário político estadual que liquidaram a força do Barão de Jeremoabo e de seus protegidos. O Barão ocupava o importante posto de presidente do senado estadual, cargo fundamental para a política devido ao papel exercido nas eleições, quando os conservadores, então organizadas no Partido Republicano Federalista e no controle do Estado através de José Gonçalves, são enfraquecidos com a dissidência de Luiz Viana.

Conforme mostra Soo Pang (1979), a partir de 1894 viu-se a “tribalização” da política baiana e a instauração de uma anarquia institucional sem precedentes. É neste ano que o Barão de Jeremoabo, assim como outras lideranças conservadoras da Bahia, perde força no cenário político estadual (CARVALHO JR., 2006). Com efeito, a facção “liberal” se fortaleceu e conseguiu afastar o intendente em 1894. O episódio foi dramático e, ameaçado de expulsão, o padre empreendeu fuga, com a ajuda dos conservadores, para livrar-se da

humilhação197 (CORREIA, 2005; SILVA, 1982). Os liberais novamente conquistaram o poder e nele se mantiveram até o início do século XX198, quando novas mudanças no cenário nacional e regional possibilitaram a alternância local.