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2.1. Origem e aspectos culturais do município

2.1.2. Entre Bahia e Sergipe

Portanto, o município de Paripiranga foi fundado por famílias sergipanas que avançavam em direção ao sertão em busca de terras e aqui se fixaram em virtude das características naturais encontradas: clima agradável, terras férteis e água. Quando a colonização se intensificou, entre o século XVIII e o século XIX, a região nordeste da Bahia estava sob a influência política da família Dantas. Com efeito, os colonos que chegavam para

117 O Interventor da Bahia Artur Neiva mudou o nome de Patrocínio do Coité para Paripiranga (Decreto Estadual

7 341, de 30 de março de 1931) devido à existência no estado de outro município com o mesmo nome. Quem batizou de “Paripiranga” a então Patrocínio do Coité foi o engenheiro Teodoro Sampaio, designado por Arthur Neiva para resolver a questão das denominações de municípios. O nome Paripiranga surgiu da junção dos vocábulos tupis "pari" ("cercado de peixes") e de "pyranga" ("vermelho"), de onde viria também Ipiranga, o antigo nome do Rio Vaza-barris que banha o município. Ademais, a mudança já era defendida pelo Professor Abreu desde 1919 quando em artigo no “A Lucta” propõe o nome de “Crescência”, designação que na botânica corresponde à família da planta “coité”.

se estabelecer no local, precisavam construir alianças com os Dantas. Foi dessa aliança que surgiu também uma vinculação política com a Bahia, já que os Dantas eram influentes na política estadual e nacional.

Geograficamente situado na faixa de fronteira entre Sergipe e Bahia – sendo reivindicado principalmente pelo lado sergipano118 –, o território que hoje compõe o município de Paripiranga foi oficialmente integrado ao lado baiano em 1813 quando um Alvará de D. João VI cria a freguesia de Bom Conselho (atual Cícero Dantas) compreendendo a povoação de “Malhada Vermelha”. Foi nesse ano que a localidade ganhou sua primeira autoridade representante da Bahia, como registrou Francino Silveira Déda:

Em 1813, como ‘Matas de Simão Dias’ que éramos, do termo e julgado de Jeremoabo, passamos a ter um Vintenário, cuja posse se dera de 22/2/1813, conferida na ‘Ladeira Grande’, pelo Juiz Ordinário Tenente João Martins Cézar, ao nosso primeiro Juiz ou Vintenário, Auferes José Euzébio Correia, conforme carta de usança, que apresentou, assinada pelo Ouvidor Geral da Comarca da Bahia, Dr. José Raimundo de Passos de Porbom Barbosa. Possuíamos assim uma única autoridade, sem nenhum movimento social ou associativo. (“O Ideal”, edição nº 302 de 3 de maio de 1959).

Portanto, a Bahia designou um juiz para a povoação de “Malhada Vermelha” e, assim, incorporou o território. Ademais, a ligação com a Bahia deu-se devido à aliança entre a oligarquia local – basicamente as famílias Menezes, do Major José Antônio de Menezes, e Carvalho do Capitão Joaquim José de Carvalho – e a oligarquia dos Dantas de Jeremoabo (principalmente com Cícero Dantas Martins que herdara e ampliara o poder e o prestígio de seu pai). No pedido de instalação da escola pública em 1869, por exemplo, os moradores locais se dirigiram à Câmara de Jeremoabo, que tinha à frente justamente o coronel João Dantas dos Reis.

Quando o distrito de Bom Conselho foi emancipado em 1876, tendo à frente Cícero Dantas Martins, o “Barão de Jeremoabo”, o distrito de “Patrocínio do Coité” passou a integrá- lo e, inclusive, fazendo parte de sua primeira administração119. Assim, sucederam-se vários episódios que fortaleceram os laços locais com a Bahia. Todavia, no início do século XX o governo de Sergipe começa a contestar o domínio e dá início a uma disputa que só cessaria nos anos 1930. O mapa abaixo indica a área objeto da contenda entre os dois estados:

118 Em História de Sergipe Felisbello Freire defende a tese de que o território de Paripiranga pertenceria, por

direito, ao seu estado. Após citar uma série de documentos sobre sesmarias e estabelecimento de colonos na região, o autor conclui: “Logo, onde está edificada hoje a villa do Coité ou Malhada Vermelha, por onde a Bahia quer que passe a linha divisória, pertencia à doação de Simão Dias Fontes que, se estendia mais duas léguas para o occidente, e por conseguinte deve pertencer a Sergipe” (FREIRE, 2013, p.393). O texto original é do século XIX e por isso o autor se refere a Paripiranga como “villa do Coité ou Malhada Vermelha”.

119 O Conselho constituído na instalação do município de Bom Conselho em 1876 teve entre seus membros José

Mapa 1 – mapa sergipano de 1918 abrangendo a área onde localiza-se o município de Paripiranga (Patrocínio do Coité à época) indicada como “território contestado pela Bahia”.

Fonte : Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Os interesses sergipanos foram cultivados no município desde a virada do século, quando assumiu a paróquia local o Pe. João de Mattos Freire de Carvalho, que era procedente de uma oligarquia local estabelecida no município de Simão Dias (SE) e com muita influência no cenário político sergipano. João de Mattos Freire de Carvalho nasceu e viveu sua infância numa fazenda localizada nas imediações entre Simão Dias e Paripiranga. Enviado a Roma por seus pais, formou-se em Direito Canônico e recebeu a ordenação de presbítero. De acordo com Sandra Correia (2005), ao retornar a sua terra natal, não teve meios para assumir sua paróquia devido a contendas políticas de sua família. Sendo assim, assumiu a paróquia de

“Patrocínio do Coité” como forma de está mais próximo de seus parentes, fixando uma segunda moradia120 na Fazenda Tavares, distante cerca de 2 km apenas da Matriz, embora ainda no território de Sergipe (ibidem).

Seu envolvimento nas questões de fronteira foi tornado público em 1904 quando fez uma “conferência” no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe que seria publicada no ano seguinte com o título “Sergipe e Bahia (Questões de Limites)”. Na conferência João de Mattos Freire de Carvalho explica que seu interesse pelo assunto começou quando ele teve acesso a um documento do governo baiano, datado de 1891, que “desqualificava” Sergipe. Segundo o padre, o território de Paripiranga fora “usurpado pela Bahia aos poucos” e seu próprio pai, que morava do lado sergipano da fronteira, era “assediado” por políticos locais para declarar-se do lado baiano. Indignado com os fatos, o padre teria feito viagem pelo sertão com binóculo, mapa e documentos históricos para certificar-se dos verdadeiros limites (CARVALHO, 1905).

No mesmo ano que proferiu a conferência, o padre João de Mattos Freire de Carvalho fez circular um panfleto entre a população local defendendo a causa sergipana, o que deu início a uma série de intrigas com políticos. Conforme consta em Carvalho (2001, p.310), em 1905 o padre recebeu em sua residência a visita de uma comitiva de políticos sergipanos que incluía o então senador “Olímpio Campos”. Tal visita deve ter animado o padre e estimulado a ira dos políticos locais.

Mas a defesa da permanência no território baiano era para os políticos locais um meio de aproximação com os governantes estaduais demonstrando-lhes fidelidade. Por isso, entre os políticos não tinha quem fosse contra os interesses baianos. Um caso exemplar foi o Major Justino José das Virgens que era sergipano de nascimento, assim como padre João de Mattos, e, ao ocupar o cargo de intendente municipal, ficou do lado da Bahia. Num telegrama encaminhado ao governador J. J. Seabra, em 6 de janeiro de 1914, o intendente apela para o apoio do governo baiano em virtude de uma incursão militar sergipana:

Resto município Coité imminencia recahir poder Sergipe que tem cincoenta praça Simão Dias, Sacco e Apertado de Pedras. Esperamos auxilio vosso benemérito Governo fim garantir vida, propriedade; povo coiteense disposto arrostar todas difficuldades manter integro território glorioso Estado (AMARAL, 1916, p.119).

120 O Padre Joaquim de Mattos também construiu uma residência próxima à Matriz – que ainda continua de pé se

destacando das outras casas devido à sua arquitetura colonial de tipo rústico, embora, grandiosa nas dimensões –, mas sempre se refugiava em sua fazenda devido aos recorrentes atentados que sofria, conforme mostrarei a seguir.

A atitude do chefe político local certamente foi reprovada pelo Pe. João de Mattos que passou a considerá-lo um desafeto121. Por sua vez, o governo baiano não perdeu tempo em atender o fiel intendente e, como registrou Fraga Lima (1983, p.144), logo que as tropas sergipanas se retiraram cerca de “cinquenta praças” da polícia baiana chegaram ao município aquartelando-se “tendo em vista evitar nova incursão”.

Diante da crise, foi criada uma comissão integrada por pessoas indicadas pelos governos dos dois estados e com o objetivo de chegar a uma solução. Do lado baiano, foi designado Braz do Amaral122 e, do lado sergipano, Gervasio Prata123. A comissão se reuniu várias vezes e fez visitas in loco nos limites entre Anápolis (Simão Dias) e Coité (Paripiranga) em 1913 e 1914. Em uma destas visitas da comissão, em que esteve presente o próprio General Siqueira, presidente do estado de Sergipe, o Pe. João de Mattos acompanhou os trabalhos e com mapa e bússola na mão tentou provar que as faixas de terras reclamadas por Sergipe pertenciam ao “Cuité”124. Todavia, este fato não diminuiu a desconfiança de Braz do

Amaral, que em seus relatos ao governador J. J. Seabra sempre mencionava o empenho do pároco em prol dos interesses de Sergipe, seja “insuflando o povo”, seja “inflamando as autoridades sergipanas” (AMARAL, 1916, pp.141-142). No entanto, o padre era habilidoso o suficiente para lidar com as circunstâncias e já na conferência de 1904, mostrava-se tanto empolgado com a causa sergipana quanto pronto a aceitar uma possível derrota:

E se somos todos amigos e irmãos debaixo de um só tecto – a bela Pátria Brasileira; continuando o Cuité a ocupar o mesmo recanto dessa caza pátria em que está, nem eu nem Sergipe nos enojaremos por isso; assim como sendo mudado para o nobre compartimento de Sergipe, então é que terá as honras e os commodos do filho pródigo ao reentrar no lar paterno e seus habitantes terão a satisfação de encontrar aquella paz e felicidade, aquelle desvelo e adiantamento que nunca lhes há de chegar da madastra e longínqua Bahia. A Sergipe! (CARVALHO, 1905, p.68).

121 Inclusive, quando em 1920 Justino recebeu a visita em sua residência do então Presidente do Estado de

Sergipe, Cel. Dr. Pereira Lobo, o Pe. João de Mattos protestou afirmando que era acusado pelo Intendente de ser “o conspirador aqui contra a Bahia e a favor de Sergipe de onde sou filho” (LT 2, p.17v). O protesto de João de Mattos era contra a visita do mais alto representante da política sergipana a um conterrâneo que, diferente dele, renegara os interesses de seu estado de nascimento.

122 Braz Hermenegildo do Amaral (1861-1949) foi médico, professor, político, geógrafo e historiador baiano.

Destacou-se justamente como comissário baiano em várias questões de fronteiras da Bahia com Sergipe, Minas Gerais e outros estados.

123 Gervásio de Carvalho Prata (1886-1968) foi um magistrado e intelectual sergipano. Filho de uma oligarquia

originada na fronteira entre Sergipe e Bahia – isto é, na cidade sergipana de Simão Dias que é vizinha de Paripiranga – e pesquisador da história sergipana, Carvalho Prata foi escolhido pelo governo de seu estado para representa-lo na comissão instalada em 1913.

124 Testemunho de Raul Edgard de Carvalho Passo, juiz da comarca de Bom Conselho (atual município de

Cícero Dantas, Bahia) em ofício encaminhado ao Governador da Bahia, José Joaquim Seabra, no dia 28 de janeiro de 1914, para dar conta de suas atividades na Vila de Patrocínio do Coité para onde a sede da Comarca tinha sido transferida (AMARAL, 1916, pp.213-220).

É razoável aceitar que os argumentos do padre teriam encontrado muitos adeptos no município, pois de fato a Bahia não vinha cuidando muito bem desse seu território como atesta o próprio Braz do Amaral em relato a Seabra, ao visitar o município pela primeira vez para tratar justamente das questões de limites. Segundo ele, apesar de ter um solo produtivo, a Vila era “pobre” e “muito mal cuidada”. Acrescenta que este quadro gera um dilema para os moradores, que esperam da Bahia “ou o abandono definitivo ou um efetivo acolhimento” e em seguida conclui: “O Governo da Bahia carece olhar para a sua fronteira com Sergipe muito melhor do que tem feito até agora” (AMARAL, 1916, p.168).

Ademais, a questão das fronteiras era complexa e mesmo o Pe. João de Mattos tinha atuação dúbia, pois ao tempo que militava pró Sergipe lutava também pela integridade do território da Vila, que era alvo de recorrentes embates com Simão Dias. Em 1904, chegou a enviar telegrama aos dirigentes estaduais da Bahia e de Sergipe informando sobre ameaças de uso da violência por parte de autoridades simão-dienses. O fato é que embora tivesse interesse em anexar Paripiranga ao estado de Sergipe, o padre não queria perder parte de seu território de influência para a paróquia vizinha125. No fim das contas, perderia a batalha Bahia/Sergipe, mas ganharia a batalha Paripiranga/Simão Dias, pois manteve as localidades de conflito sob o controle de sua paróquia.

Mas a questão ainda demoraria décadas para encontrar uma solução política. Não havendo acordo, a comissão levou o caso para o “arbitramento” do vice-Presidente da República no Governo de Afonso Pena (1920-1922), o Dr. Francisco Álvaro Bueno de Paiva, ao qual cada parte encaminhou um “memorial” (PRATA, 1933). O “arbitramento” não foi efetivado e, de acordo com Fraga Lima (1983), no Governo Vargas foi colocada uma “pedra” sobre o tema para favorecer a Bahia que havia contribuído com as tropas federais no confronto com os “Constitucionalistas” de São Paulo em 1932. O mapa a seguir indica a localização de Paripiranga entre os territórios baiano e sergipano:

125 A maior parte dos conflitos com pároco de Simão Dias, o Pe. Filadelpho, ocorreu em virtude do distrito do

Saco que ficava na fronteira com aquele município. Por causa desta contenda, o colega sergipano fez várias denúncias às autoridades eclesiásticas da Bahia e Sergipe ajudando os inimigos locais do Pe. João de Mattos.

Mapa 2 – localização de Paripiranga no limite entre Bahia e Sergipe. A distância entre Paripiranga e Salvador (capital baiana) é de 360km e entre Paripiranga e Aracaju (capital sergipana) é de 110km. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bahia_Municip_Paripiranga.svg

Os dilemas de um município fronteiriço ainda hoje se fazem presentes em Paripiranga, principalmente porque ela está muito mais próxima da capital sergipana do que da capital baiana: 110km e 360km, respectivamente. Com efeito, as relações comerciais, o uso de serviços públicos como saúde e educação por parte da população paripiranguense é muito mais forte com Aracaju do que com Salvador. Ademais, há uma forte identidade cultural – principalmente no que se refere a sotaque, culinária etc. – de Paripiranga com Sergipe.