• Nenhum resultado encontrado

4.1. As mudanças no cenário político-institucional e seus desdobramentos locais

4.1.3. Burocracia, carisma e crise de liderança

Com as mortes de João Vitorino e Clarival Trindade Paripiranga viu-se diante de uma transição política. Os personagens que assumem papel de protagonismo na política local acionam outros recursos para a intervenção política, marcando uma mudança no perfil da liderança. Com efeito, ao contrário de João Vitorino e Clarival Trindade, que eram “políticos profissionais”, mas que preservavam aspectos de “tradição”, os novos chefes políticos, destacadamente os prefeitos, se caracterizam como políticos profissionais que exercem a liderança com base no cargo que ocupam dispensando muitas vezes elementos como carisma e prestigio pessoal336. A tabela a seguir apresenta o perfil dos prefeitos do período:

Quadro 5 – Perfil dos Prefeitos (anos 1990)

GESTÃO PREFEITO PARTIDO PROFISSÃO PERFIL POLÍTICO 1993-1996 José Vieira Sobrinho PFL Comerciante/Vereador Carismático-

assistencialista 1997-2000 José Menezes de Carvalho PTB Comerciário/secretário

municipal

Burocrático-gerencial 2001-2004 e

2005-2008

Carlos Alberto Andrade de Oliveira

PFL Secretário municipal Carismático- assistencialista 2009-2012 e

2012-2016

George Roberto Ribeiro Nascimento

PFL/PSD Comerciário/Secretário municipal

Burocrático-gerencial Fonte: Elaborado com dados do TRE-BA.

O primeiro dado que chama a atenção na tabela é a profissão ou atividade dos políticos antes de se tornarem prefeitos. Todos já tinham alguma passagem pela vida pública, sendo um vereador e, os demais, secretários municipais. Portanto, observa-se que a passagem pelo mais alto posto da administração municipal depois do de prefeito, isto é, o de secretário de administração, passou a ser fundamental para a ascensão política, assim como o fora o cargo de delegado até os anos 1970. José Menezes foi o precedente desta tendência e, já no início dos anos 1980, conseguiu a preferência no interior da facção graças ao papel que exercera na administração de Clarival Trindade entre 1977 e 1982.

336 Em seu estudo da comunidade de Santa Brígida, Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973b) identifica o

prestigio pessoal como principal base da liderança. Ela identifica três líderes na comunidade e os distingue da seguinte maneira: Uma se caracteriza pelo grande prestigio pessoal alcançado como fazendeiro e comerciante que presta favores à comunidade como “vender fiado”. Sua liderança é fundamentada neste prestigio pessoal que se converte em “carisma”. A outra liderança não disfruta de prestígio social, mas exerce uma representação do chefe político regional. Sua liderança é, portanto, fundamentada na intermediação que exerce entre os eleitores e o chefe político. Há ainda o beato Pedro Batista que exerce uma liderança baseada no prestígio pessoal relacionado não só aos favores prestados, mas a seus “poderes sobrenaturais”.

No caso de Carlos Alberto, a passagem pela secretaria de administração (entre 1995 e 1996) não foi tão marcante, mas foi fundamental para sua iniciação política. Já no caso de George Nascimento, a passagem pela secretaria foi tão importante quanto para José Menezes sendo que no seu caso foi o prefeito que o escolheu e não os “cabos eleitorais”. George nasceu em 1979 em Paripiranga e antes de ocupar cargos de destaque na prefeitura, trabalhou como assistente num escritório de advocacia, como comerciário, instrutor de informática e auxiliar administrativo da prefeitura. Tornando-se o “homem de confiança” do prefeito, George foi escolhido por este como o candidato à sucessão em 2008. Portanto, em sua estreia na política contou com a “máquina” da prefeitura e o prestígio do prefeito que em 2008 estava no auge de sua popularidade337.

À frente da prefeitura, George fez um governo diferente do antecessor no que diz respeito ao relacionamento com a população: não atendia as pessoas em sua residência e nem fazia “assistencialismo”. Embora seu estilo tenha gerado queixas na população, ao final de sua primeira gestão George tinha uma boa aprovação338. O fato é que ao tempo em que não

repetia o estilo do antecessor, George criava um estilo próprio baseado, sobretudo, no mote da “gestão” e da “honestidade”. Cultivava também a fama de “homem de família” e “jovem” sempre se apresentando em eventos religiosos e esportivos. Todavia, trata-se de um tipo “burocrata-gerencial”, diferente do antecessor (um “carismático-assistencialista”), cuja principal fonte de poder é o cargo que exerce, isto é, o de prefeito.

A tabela mostra também que ocorreu uma disputa e uma alternância entre políticos de perfil “carismático-assistencialista” e “burocrático-gerencial”. Os binômios associam perfil político ao recurso mais utilizado. Assim, o perfil burocrático se apoia nas virtudes “gerenciais” e o perfil carismático se apoio no “assistencialismo”. O caso de Carlos Alberto, prefeito entre 2000 e 2008, é típico desta associação do carisma à prática assistencialista. Desenvolvendo pessoalmente um trabalho de encaminhamento de pessoas para os hospitais e clínicas de Aracaju, Carlos Alberto adquiriu prestigio político e fama de “homem do povo”339, um contraponto direto ao perfil formal e sisudo do prefeito José Menezes de Carvalho.

337 Em 2004 Carlos Alberto venceu a eleição com uma expressiva vantagem em relação ao principal adversário.

Ao obter mais de 9 mil votos contra pouco mais de 6 mil de José Menezes, Carlos Alberto alcançou um êxito político ainda maior que Clarival Trindade nos pleitos que disputou. Portanto, o prefeito era o principal “cabo eleitoral” do município em 2008.

338 De acordo com pesquisa realizada em junho de 2012, cerca de 59% da população avaliava a administração de

George Nascimento com ótima (17%) ou boa (41,9%) (PARIPIRANGA: AVALIAÇÕES. ADMINISTRAÇÃO E QUADRO POLÍTICO-ELEITORAL. Pesquisa de Opinião. 16 a 17 de jun. 2012. Sociólogo: Agenor Gasparetto; Direção: Carla Mauricio Gasparetto. Itabuna, 19 de jun. de 2012).

339 O carisma de Carlos Alberto, que era trata pelo diminutivo “Carlinhos”, era baseado nas relações face a face,

Importante observar que a disputa entre políticos de perfis diferenciados foi uma batalha à parte ocorrida no interior das facções como nos casos das eleições de 1992 e 2000. Conforme já dito, em 1992 José Vieira Sobrinho venceu a batalha interna no PFL contra dois adversários de perfil burocrático-gerencial: o então secretário de administração Jorge Luiz Rabelo de Morais e o advogado e presidente da Câmara de Vereadores Renivaldo Pimentel Lima. Em 2000, Carlos Alberto venceu a batalha interna contra Renivaldo Pimentel Lima que queria disputar mais uma vez a eleição, mas acabou sendo pressionado a renunciar.

Derrotado no interior do PFL nos pleitos de 1992 e 2000, Renivaldo Pimentel Lima acredita que foi preterido pelo partido justamente por seu perfil “técnico”. Segundo contou em seu depoimento (15/11/2013): “[...] aqui é assim, quem pensa não presta pro grupo, tem que ser uma pessoa que tem que ser manipulado. Esse mesmo grupo que não me queria levou Zé de Nezinho [em 1992] e depois Carlinhos [em 2000]”. E acrescenta: “Eu entrei em política por causa da Lei Orgânica. Ruy Trindade chegou pra mim, junto com Vavá, e disse: olha vem uma Lei Orgânica aí e a gente precisa de uma pessoa pra fazer”. Portanto, sua formação garantiu-lhe a presidência do legislativo municipal (entre 1989 e 1992), mas impediu-lhe de galgar voos mais altos como o comando da prefeitura para o qual só teve a chance de concorrer em 1996, num cenário adverso e quando seus vícios de profissão ainda falavam mais alto que a cartilha política: “Eu joguei as coisas muito juridicamente nas minhas eleições e muito pouco de povo” (Renivaldo Pimentel Lima, 15/11/2013).

Certamente, essa mudança no perfil dos prefeitos eleitos (e também nos derrotados) do período também se deve às mudanças sociais que favoreceram à perda de importância de elementos de tradição como ascendência familiar, classe social e outros. Por outro lado, esta mudança também está associada às mudanças institucionais do período, que tiveram como um de seus aspectos, o fortalecimento das administrações municipais e mesmo das câmaras de vereadores. Como observa Renivaldo Pimentel Lima (15/11/2013) “[...] desde as administrações de Vavá (1977-1982 e 1989-1992) houve um aumento de poder no secretário geral e, a partir de 1997, o cargo de secretário passou a equivaler ao de primeiro ministro”. Ele cita os casos de José Wilson dos Santos, proprietário da faculdade AGES, na administração de José Menezes (1997-2000) e do próprio George Nascimento na segunda administração de Carlos Alberto (2005-2008).

Ademais, a mudança no perfil das lideranças políticas, em particular dos prefeitos que são as lideranças mais importantes, tem gerado um desligamento destes com a população. Dito de outro modo, o novo tipo de liderança se caracteriza pelo controle de uma máquina e não pelo relacionamento direto com a população. Mesmo entre aqueles que se enquadram no

perfil “carismático” se observa que a ligação com a população se estabelece através de uma ação assistencial diferentemente dos antigos líderes que estavam ligados aos seus liderados por redes de compadrio e outros laços simbólicos e orgânicos em que pesavam um reconhecimento mútuo.

Trata-se de uma situação em que as relações de reciprocidade que antes consumavam ligações duradouras entre lideranças e liderados vão dando lugar a relações mais efêmeras e passageiras que ligam candidatos e eleitores estritamente no âmbito de uma eleição. Tem-se então uma crise de liderança cuja percepção da população pode ser notada nas palavras de um famoso cordelista local:

Naquele tempo político/Trabalhava sem ganhar/Vivia de porta aberta/O povo podia entrar/Sem ter posse agradecia/O eleitor popular.

(...)

Paripiranga precisa/Resgatar sua missão/Do tempo de Vavá/ Que era aberto o portão/ Pra conversar com seu povo/ Pra sair opinião

(...)

Quando o povo esperava/ O prefeito de Salvador/ Conversando com vizinhos/ Tinha paixão e amor/ Era curiosidade/ Do nosso povo eleitor.

Naquele tempo sem droga/ Nossa cidade vivia/ Tempo que Paripiranga/ Foi feliz e não sabia/Político sem ter salário/Dava atenção e sorria.

Paripiranga precisa/ Resgatar sua missão/ Do seu tempo de Vavá/ Que era aberto o portão/Pra conversar com seu povo/Pra surgir opinião.

O retrato de um povo/Transparência e solução/Onde todos tem direito/Mostrar uma sugestão/O nordeste da Bahia/ Também tem democracia/ Pela constituição.

Me aperto atrás da razão/ Que só um pinto no ovo/ Encontro burocracia/ Do idoso ao mais novo/ Democracia é falar/Como pode resgatar/ O retrato de um povo. (ROSA, 2010, pp.2-11).

Observa-se que as mudanças na forma de relacionamento entre os políticos e a população ou, em outras palavras, a ascensão de um novo tipo de liderança, gera uma reação negativa da população que apela para o saudosismo em relação aos antigos líderes. Neste quadro, o prestígio pessoal não é mais a única base da liderança, pois emergiram outras formas de exercer a chefia política como o cargo público. O carisma, por sua vez, quando surge como no caso do prefeito Carlos Alberto, não apresenta uma perspectiva renovadora, mas de restauração340.

340 Neste sentido, o tipo de carisma acionado destoa da abordagem weberiana clássica e se aproxima do

messianismo sertanejo estudado por Maria Isaura Pereira de Queiroz em Santa Brígida. Ao estudar a liderança exercida pelo beato Pedro Batista nesta comunidade, Queiroz (1973) aponta que nele o carisma é o meio de restauração da ordem, julgada como enfraquecida ou perdida, e não do novo. Baseado no prestigio pessoal alcançado com sua atividade de assistencialismo, o prefeito Carlos Alberto exerceu um carisma com uma perspectiva restauradora uma vez que se colocava em contraponto ao antecessor e apontava para um retorno à tradição (na concepção nativa), isto é, à prática de manter as portas abertas e a disposição de sempre ajudar os eleitores como Clarival Trindade e outros chefes políticos do passado.

O principal candidato a prefeito da oposição nos pleitos de 2008 e 2012 tentou construir um modelo de liderança que mesclava carisma com o que se pode chamar de virtudes gerenciais. Embora sem ter chegado à prefeitura, José Carlos Bezerra de Carvalho, o Dr. Zé Carlos, tentou, e em boa medida conseguiu, imprimir uma marca nova no perfil de liderança política. Dr. Zé Carlos nasceu em Paripiranga em 1965 e, embora de família simples, conseguiu estudar medicina na Universidade Federal de Sergipe. Concluiu o curso em 1990 e no mesmo ano regressou para Paripiranga com o objetivo de montar consultório para trabalhar no município. Conheceu de perto o prefeito Clarival Trindade de quem cuidou até a morte em 1994. Neste período trabalhou no hospital municipal, mas consagrou-se como médico ao criar sua própria clínica médica com especialidade em obstetrícia.

Como médico da cidade341 e empresário emergente, Dr. Zé Carlos foi adquirindo papel

importante no cenário político local, desde os anos 1990. Participou da campanha de José Menezes em 1996 e em 2000 resolveu engajar-se na campanha oposicionista encabeçado por Carlos Alberto (PFL). Foi secretário de saúde por pouco mais de um mês no início da gestão de Carlos Alberto em 2001, mas afastou-se do cargo e do prefeito, alegando pouca disposição deste para imprimir mudanças no município342. Depois de apoiar novamente José Menezes em 2004, Dr. Zé Carlos convenceu-se de entrar ele próprio na disputa em 2008. Filiou-se ao PSDB, que era comandado por amigos próximos e disputou a eleição com um discreto apoio do ex-prefeito José Menezes.

Dr. Zé Carlos foi derrotado, mas seu desempenho quantitativo (foi o mais votado entre os três candidatos oposicionistas) e qualitativo343 lhe credenciou para uma nova disputa. De 2009 até o início de 2012, Dr. Zé Carlos comandou um programa na emissora de rádio do município, de segunda à sexta, ao meio dia, onde discutia política com convidados e tecia críticas à administração local. Consolidou-se, assim, como principal líder oposicionista do município e opção principal para uma alternância de poder em Paripiranga. Nesse mesmo

341 Com a precariedade na saúde pública do município, Dr. Zé Carlos constituiu-se numa espécie de médico

particular da população inteira do município. Especializado em obstetrícia, realizava partos de quase todas as grávidas do município e como clínico geral recebia em seu consultório dezenas de pessoas de segunda a sábado.

342 Era o que sempre repetia em seus discursos e o que me explicava quando conversávamos informalmente. 343 No período eleitoral inteiro e particularmente no dia do pleito de 2008 Dr. Zé Carlos chamou atenção pela

disposição e coragem de enfrentar pessoalmente as situações tensas como enfrentamento com “pitbuls” nas ruas. Ademais, Dr. Zé Carlos ainda protagonizou um fato inusitado ao fazer-se presente na Câmara de Vereadores quando se realizava a posse do prefeito. A presença de Dr. Zé Carlos foi uma manobra para a eleição da mesa da casa na qual sua bancada saiu-se vitoriosa ao juntar-se ao vereador eleito em 2008 na chapa do PMDB. Esse estilo assumido por Dr. Zé Carlos se contrastava com o antigo líder da oposição que era apático e passivo e, portanto, marcou uma mudança no comportamento da oposição em Paripiranga.

período se deu seu afastamento do PSDB344 e sua filiação ao PT do governador Jaques Wagner, partido pelo qual disputaria a eleição de 2012.

Portanto, sua principal fonte de poder era o prestigio pessoal adquirido como médico e empresário. Além disso, o jeito simples e informal ajudou Dr. Zé Carlos a desenvolver o carisma que ele usaria como grande trunfo político em 2012. Diferentemente do ex-prefeito Carlos Alberto cujo carisma era eminentemente restaurador, Dr. Zé Carlos tinha um discurso voltado para eficiência administrativa e para o desenvolvimento social, ainda que buscasse referências nos líderes do passado para criticar seus oponentes. Trata-se então de um tipo intermediário, isto é, “carismático-gestor”.