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Capítulo III – COMPORTAMENTOS DE CIDADANIA ORGANIZACIONAL

5. Antecedentes dos CCO

5.3 Antecedentes atitudinais

A satisfação e a justiça, cujos efeitos nos CCO são muito semelhantes, estão entre as variáveis atitudinais que mais atenções têm recebido dos investigadores (Fassina, Jones & Uggerslev, 2008a).

A satisfação foi a primeira variável atitudinal a receber o interesse dos investigadores, nomeadamente de Organ (1977) que focou a relação entre esta e o desempenho. Com base na evidência empírica que dificultava a explicação da influência da satisfação no desempenho, este autor anteviu o desempenho como algo mais do que a quantidade de outputs ou o cumprimento rigoroso de prescrições técnicas, nele incluindo os CCO como uma nova faceta do desempenho que a referida atitude podia explicar.

Segundo Bateman e Organ (1983), duas bases conceptuais podiam presumir a referida relação. A primeira é a teoria das trocas sociais (Adams, 1965; Blau, 1964). Face a experiências de trabalho satisfatórias, os membros organizacionais tenderiam a agir reciprocamente para com a organização e os gestores, não através de melhor desempenho no papel, mas adoptando os ditos CCO. Mas porque servirão os CCO de instrumento de reciprocidade e não os comportamentos próprios do papel? Por um lado, os CCO estão mais provavelmente sob o controlo individual, pela sua possível discricionariedade, e porque são executáveis independentemente das capacidades cognitivas de um indivíduo, da tecnologia ou dos recursos disponíveis. Por outro, se um indivíduo responde a uma injustiça, na perspectiva da reciprocidade, com pior desempenho no papel, pode incorrer em sanções e/ou sacrificar a obtenção de recompensas, enquanto ao reduzir os CCO expressa impunemente a sua própria insatisfação. É então mais provável que diminua os seus comportamentos extra-papel do que se prejudique directamente a si próprio e, possivelmente, aos colegas (Rego, 2000a).

A segunda base conceptual assentava na ideia de que os indivíduos, quando experienciavam um estado de espírito generalizado caracterizado por afectividade positiva, manifestavam com maior probabilidade gestos pró-sociais (comportamentos de ajuda). Bateman e Organ (1983), ao considerarem que a satisfação reflectia este estado afectivo positivo, defenderam que provavelmente as pessoas mais satisfeitas demonstravam mais comportamentos deste tipo. Apesar de não ter sido possível estabelecer nexos de causalidade, segundo os autores, as correlações entre a satisfação e os CCO mostraram-se mais fortes do que as que foram encontradas anteriormente em relação ao desempenho. Smith et al. (1983), ao trabalharem com as duas dimensões de CCO já referidas (altruísmo e obediência generalizada), concluíram que a satisfação apresentava poder explicativo

directo em relação ao altruísmo. Porém, tanto estes autores como Bateman e Organ (1983) chamaram a atenção para que este resultado não fosse sobrestimado, bem como para a necessidade de considerar outras variáveis que pudessem relacionar-se simultaneamente com a satisfação e com o CCO.

Na base do estudo desta relação esteve a divisão do desempenho em papel versus extra- papel proposta por Organ (1977). Porém, aquando desta proposta, não lhe ocorreu que a satisfação poderia ser alvo de uma análise semelhante. Mais de uma década depois, o autor distinguiu duas componentes nas medidas de satisfação: uma afectiva e outra cognitiva, baseando-se a “satisfação afectiva” na avaliação global emocional positiva do cargo, e a “satisfação cognitiva” numa avaliação mais lógica e racional das suas condições. Organ (1988b) defendeu que ambas as componentes da satisfação não se relacionavam tão fortemente como era suposto, podendo mesmo “operar de modo semi-independente”, e acrescentou que, “na medida em que são separáveis, parece que as medidas de satisfação reflectem mais cognição do que afecto” (p. 551). Mais tarde, Organ (1990a) insistiu que “a robusta relação encontrada entre a satisfação e o CCO reflecte uma componente cognitiva dominante nas medidas de satisfação” (p. 61). Também Moorman (1993), suportado pela pesquisa de Organ e Konovsky (1989), defendeu que “é melhor pensar no CCO como o resultado de uma decisão controlada, dominada pela cognição” (p. 774).

Importa ainda salientar a hipótese colocada por Organ (1990a), segundo a qual as cognições estão relacionadas com os CCO, na medida em que reflectem julgamentos de justiça, e quando estas medidas são usadas separadamente, maior quantidade de variância de CCO é explicada pela justiça. Daqui, resultaram diversos trabalhos destinados a explicar a relação entre as percepções de justiça e os CCO. A justiça organizacional tem sobressaído como um elemento preponderante nas pesquisas dedicadas ao estudo dos antecedentes dos CCO. Por exemplo, Moorman, Niehoff e Organ (1993) avaliaram o impacto das percepções de justiça nos CCO e encontraram algum apoio para o seu efeito imediato ou a curto prazo nos referidos comportamentos. Para melhor entendimento desta relação, é necessária uma breve alusão à natureza deste construto e à delimitação das suas fronteiras. Com efeito, o seu enquadramento passa por determinar a distinção entre justiça como resposta psicológica subjectiva, e justiça como um estado objectivo. Ou seja, “diz-se

que uma decisão organizacional específica é objectivamente justa ou injusta quando adere ou não a um determinado critério normativo de justiça. Afirma-se que é subjectivamente justa ou injusta quando as pessoas a percepcionam como tal” (Cunha et al., 2003, p. 214).

As dimensões mais comuns da justiça organizacional são a distributiva, procedimental e interaccional (Byrne & Cropanzano, 2001; Greenberg & Lind, 2000). A justiça distributiva (pioneira na conquista da atenção dos investigadores) focaliza-se no conteúdo, ou seja, na justiça dos fins alcançados ou obtidos (e.g., salários, notações de desempenho, sanções disciplinares, promoções, aceitação/rejeição de candidatos). A justiça procedimental tem o seu foco no processo (e.g., procedimentos usados nos acréscimos salariais, processos disciplinares, sistemas de avaliação de desempenho, processos de recrutamento e selecção), isto é, focaliza-se na justiça dos meios usados para atingir os referidos fins. A justiça interaccional reflecte a qualidade da interacção entre quem decide e quem é alvo das decisões. Outras conceptualizações consideram que a justiça interaccional é constituída por duas facetas (e.g., Colquitt, 2001; Greenberg, 1993; Rego & Cunha, 2009): (1) justiça interpessoal que refere até que ponto o supervisor trata as pessoas com dignidade e respeito; (2) justiça informacional que se focaliza nas explicações fornecidas aos empregados que se expressa em informação acerca das razões de certos procedimentos e da forma como são usados.

Progressos empíricos assinaláveis têm sido alcançados no domínio da complexa relação entre a justiça distributiva e procedimental. A sua génese reside no modelo dos efeitos diferenciais, segundo o qual a justiça procedimental e distributiva têm diferentes consequências: “a procedimental está associada com as avaliações do sistema organizacional (reflectidas em variáveis como a lealdade à organização, a implicação organizacional e a confiança na gestão), enquanto a distributiva se associa preferencialmente com a satisfação com os resultados específicos em questão ou os resultados de determinada decisão” (Rego, 2000a, p. 84). Cropanzano e Folger (1991) apresentaram uma visão diferente: “os resultados e os procedimentos agem conjuntamente para criar uma sensação de injustiça. Não se pode compreender completamente a justiça examinando os dois construtos separadamente. É necessário estudar a interacção entre

resultados e procedimentos” (p. 136). Esta perspectiva retrata o modelo interactivo que tem vindo a complementar o modelo dos efeitos diferenciais.

No que diz respeito à importância das referidas dimensões da justiça organizacional nos CCO existe alguma divergência acerca de qual delas assume maior relevância, ou seja, os resultados não são claros quanto à faceta da justiça predominante. Apesar da maior parte das pesquisas sugerir a supremacia da justiça procedimental e interaccional, algumas continuam a apontar a influência da justiça distributiva nos CCO. Por exemplo, algumas têm defendido que a percepção de injustiça relativamente a resultados recebidos tende a desenvolver nos indivíduos menores índices de comportamentos extra-papel (Farh et al., 1997; McNeely & Meglino, 1994).

Outros estudos têm realçado a predominância da justiça procedimental sobre a distributiva, na promoção dos CCO (Moorman, 1991; Moorman et al., 1993; Niehoff & Moorman, 1993). Por exemplo, Moorman (1991) referiu que a única vertente da justiça que explicava os CCO era a justiça interaccional. Este autor defendeu a prevalência da justiça interaccional com base em duas explicações: (1) os superiores influenciam directamente os CCO dos seus empregados, na medida em que incrementam a justiça das interacções que com eles estabelecem; (2) há maior facilidade em gerir estas percepções do que actuar sobre os procedimentos organizacionais e a distribuição dos resultados. Porém, segundo Niehoff e Moorman (1993), a justiça procedimental sobressaiu em relação à justiça interaccional na explicação dos CCO. Os resultados dessa investigação demonstraram que a justiça procedimental explicava (positivamente) três das cinco dimensões de CCO, enquanto a interaccional apenas uma (negativamente), e a justiça distributiva não explicava significativamente nenhuma dimensão.

Mais recentemente, um estudo empírico realizado em Portugal (Rego & Cunha, 2009) demonstrou que os empregados são mais sensíveis às dimensões interaccionais de justiça, e que a dimensão interpessoal da justiça interaccional é a melhor preditora de CCO. Embora a justiça organizacional tenha sobressaído, em determinada altura, como o antecedente “maior” dos CCO, “numerosas pesquisas continuam a atribuir à satisfação um potencial explicativo significativo e, por vezes, de magnitude idêntica ao proporcionado

pelas percepções de justiça” (Cunha et al., 2003, p. 253). Segundo Organ e Ryan (1995), existe idêntica relevância dos efeitos da satisfação e da justiça. Em alternativa, pode admitir-se a sua relevância contingencial ou a hipótese de que a justiça se relaciona mais fortemente com determinadas dimensões de CCO, e a satisfação com outras (Rego, 2000a).

Outras variáveis potencialmente promotoras de CCO podem ser encontradas, nomeadamente, o apoio organizacional percepcionado (Einsenberger, Cummings, Armeli & Lynch, 1997), o sentido psicológico de comunidade de trabalho (Burroughs & Eby, 1998) e o empenhamento organizacional (MacKenzie et al., 1998). Seguidamente, tendo em conta as premissas da presente investigação focaremos (a) o empenhamento organizacional como antecedente dos CCO e (b) a virtuosidade organizacional como antecedente dos CCO.

5.4 Empenhamento organizacional e CCO: Fundamentação teórica e hipóteses de