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Empenhamento instrumental: os custos da saída e/ou a ausência de alternativas

Capítulo II – EMPENHAMENTO ORGANIZACIONAL

4. Modelo tridimensional de Meyer e Allen

4.3 Empenhamento instrumental: os custos da saída e/ou a ausência de alternativas

A vertente instrumental do empenhamento é o segundo grande referencial teórico considerado nas pesquisas sobre o tema e deriva dos trabalhos de Becker (1960). Este autor definiu empenhamento instrumental como uma disposição do indivíduo para seguir “linhas de actividade consistentes”, resultantes da acumulação de “apostas laterais” (side bets) que se perderiam caso a actividade cessasse (p. 33). O termo “linhas de actividade” pode ser entendido como a manutenção da pertença à organização e as “apostas” como algo de valor em que o indivíduo investiu (Meyer & Allen, 1984). O indivíduo permanece na organização pelos benefícios daí decorrentes ou devido aos custos que a sua saída acarreta, ou seja, opta por permanecer enquanto perceber vantagem nessa sua opção. Em alguns casos, o desenvolvimento dos potenciais custos resultam de acções conduzidas pelos trabalhadores com total reconhecimento de que irão dificultar a sua saída. Noutros casos, os potenciais custos acumulam-se ao longo do tempo sem que o trabalhador se aperceba, situação apelidada por Becker (1960, p. 38) de “empenhamento por erro”. Independentemente da sua origem, os custos associados à saída da organização só irão produzir empenhamento instrumental com o seu reconhecimento (Meyer & Allen, 1991).

Kanter (1968) definiu o “empenhamento cognitivo-instrumental” como aquele que ocorre quando existem “benefícios associados à participação contínua e um «custo» associado à saída” (p. 65). O empenhamento instrumental é assim uma forma extrínseca de empenhamento que deriva de princípios económicos e instrumentais, “baseando-se na crença de que sair da organização sai caro” (Bergman, 2006, p. 645). Aqueles que sentem empenhamento instrumental continuam na organização porque precisam (Meyer & Allen, 1997) dos aspectos pecuniários associados a essa permanência ou porque percepcionam negativamente o mercado de trabalho (Caetano & Vala, 1994).

A percepção dos custos de saída da organização, custos directos (recompensas monetárias) ou indirectos (desenvolvimento profissional, prestígio social, tipo de trabalho), é influenciada pelas alternativas de emprego ou pela falta delas, conduzindo esta última situação, ao aumento do empenhamento instrumental (Caetano & Vala, 1994; Rusbult & Farrel, 1983). Também os sacrifícios pessoais, no que respeita aos investimentos feitos ou benefícios alcançados, incrementam os custos associados ao abandono da organização e, portanto, aumentam o empenhamento instrumental (Ferreira, 2005). Contudo, estes investimentos e alternativas só terão impacto no empenhamento instrumental se houver consciência deles e das suas implicações (Meyer & Allen, 1997). Podemos assim dizer que o conjunto de factores (e. g., percepção do mercado de trabalho, qualificações profissionais, idade e antiguidade na empresa) que influencia o empenhamento instrumental é idiossincrático.

Neste enquadramento, constatamos que foram identificadas duas sub-dimensões do empenhamento instrumental. McGee e Ford (1987) foram pioneiros no que respeita à dimensionalidade desta faceta do empenhamento. Ao examinarem as propriedades psicométricas das escalas desenvolvidas por Meyer e Allen, encontraram duas dimensões distintas na escala instrumental “a primeira dimensão baseia-se no reconhecimento de que existem poucas alternativas de emprego, e a segunda assenta em elevados sacrifícios pessoais associados ao abandono da organização” (p. 640). Descobriram ainda que as duas sub-escalas se correlacionavam com o empenhamento afectivo em direcções opostas e defenderam um maior desenvolvimento destas. Também Meyer e colegas (1990) mencionaram as duas dimensões do empenhamento instrumental: (1) percepção da falta de

alternativas e investimentos efectuados na organização; (2) sacrifício pessoal oriundo da saída da organização. Segundo Allen e Meyer (1996), “um modelo que coloque a hipótese de uma estrutura bidimensional do empenhamento instrumental, oferece claramente uma melhor adequação aos dados do que o modelo unidimensional. No entanto, observa-se que, em todos os estudos realizados, esta superioridade é ainda humilde, e que os dois factores estão altamente relacionados” (p. 259).

Já Meyer e Herscovitch (2001) afirmaram ser conveniente assumir que ambas as componentes “são duas bases para o mesmo mind-set do empenhamento” (p. 316). O estudo publicado por Iverson e Buttigieg (1999), baseado numa amostra de 505 bombeiros australianos, sugeriu que o empenhamento organizacional seria melhor representado pelo modelo de quatro factores. Outros autores concluíram que as duas sub-componentes do empenhamento instrumental estão mais intercorrelacionadas do que aquilo que foi inicialmente relatado por McGee e Ford (1987) e que as suas correlações com o empenhamento afectivo e normativo são opostas nos sinais (Meyer et al., 2002). Meyer et al. (2002) concluíram ainda na sua meta-análise que o empenhamento afectivo e o normativo se relacionavam significativamente com a intenção de turnover, enquanto que, dentro do empenhamento instrumental, tal só era verificado para os sacrifícios percepcionados. Por conseguinte, parece adequado excluir esta sub-componente, porém, como advertiram Stinglhamber, Bentein e Vandenberghe (2002), a questão permanece em debate e, por isso, mantiveram ambas as componentes. Como já foi referido anteriormente, em Portugal, também foi testado “se o empenhamento instrumental deveria ser dividido em duas componentes” (escassez de alternativas e sacrifícios elevados) e concluiu-se que “pouco há a ganhar com esta divisão” (Rego et al., 2004, p. 213). No entanto, segundo os autores do estudo, se quisermos caracterizar o perfil de empenhamento de um indivíduo, convém levar em consideração as duas orientações, promovendo uma análise mais aprofundada deste assunto.

4.3.1 Antecedentes do empenhamento instrumental

O empenhamento instrumental pode desenvolver-se com base no reconhecimento dos investimentos realizados pelo indivíduo e na inexistência de opções alternativas fora da

organização (Meyer & Allen, 1991; Rusbult & Farrel, 1983). Os empregados que sentem que investiram muito na organização e que têm poucas alternativas fora dela terão um empenhamento instrumental mais forte do que aqueles que investiram pouco e conseguem ver várias alternativas (Allen & Meyer, 2000). Aos investimentos e alternativas de trabalho, Oliver (1990) acrescenta a variável recompensas oferecidas pela organização. Já Hrebiniak e Alutto (1972) tinham defendido uma relação directa entre o empenhamento e as recompensas e os custos, enquanto Whitener e Walz (1993) advogaram uma relação indirecta entre as variáveis.

Alguns estudos presumem que variáveis demográficas, tais como o estado civil, a idade, a antiguidade, e o nível de educação se encontram relacionadas com a faceta instrumental do empenhamento. Por exemplo, propõem que o estado civil pode ter implicações no empenhamento instrumental. As responsabilidades extra-laborais dos indivíduos casados e/ou com filhos, diminuem a sua predisposição a sacrificar os investimentos feitos, levando-os a aumentar os seus níveis de empenhamento (Cohen & Gattiker, 1992; Ritzer & Trice, 1969). Pelo contrário, o facto de os indivíduos solteiros e/ou sem filhos terem menos responsabilidades não-laborais, retira valor aos investimentos efectuados (Alluto, Hrebiniak & Alonso, 1973). Mathieu e Zajac (1990) admitiram uma relação positiva entre o estado civil e o empenhamento instrumental devido aos encargos financeiros dos empregados casados.

A idade pode estar relacionada com os investimentos feitos na organização, reforçando os laços instrumentais (Alluto et al., 1973; Meyer et al., 2002), bem como a antiguidade que é considerada por Wallace (1995) o melhor indicador dos investimentos feitos na organização. Quanto mais tempo um indivíduo trabalhar numa organização, maior o número e diversidade de investimentos efectuados e, consequentemente, maior o nível de empenhamento instrumental (Sommer, Bae & Luthans, 1996). Todavia, Meyer e Allen (1984) e Abdulla e Shaw (1999) defenderam que a idade e a antiguidade não são antecedentes do empenhamento instrumental, em oposição a Mayer e Schoorman (1998) que defenderam que a antiguidade está fortemente relacionada com o empenhamento instrumental. A associação positiva entre a antiguidade e as apostas pode induzir os indivíduos a permanecerem na organização, enquanto o aumento da idade reduz a

percepção das alternativas e aumenta, assim, o empenhamento instrumental. Na opinião de Mottaz (1988), a relação entre a antiguidade e o empenhamento instrumental é indirecta (mediada pelos níveis de recompensas do trabalho e valores associados à antiguidade).

No que diz respeito ao nível de habilitações académicas, poderá existir uma relação forte mas negativa com o empenhamento instrumental (Mayer & Schoorman, 1998). Neste sentido, quanto mais o indivíduo perceber que as suas habilitações não lhe proporcionam alternativas viáveis, mais se empenhará instrumentalmente. Por outro lado, aqueles que acreditam que as aptidões e a educação não são facilmente transferidas para outra organização, apresentam maior empenhamento instrumental, ou seja, o empenhamento instrumental correlaciona-se negativa e fortemente com a consciência da transmissibilidade das aptidões e da educação (Meyer et al., 2002).

Segundo Wallace (1997), os preditores tradicionais do empenhamento instrumental são o género, o estado civil, a posição na organização, o nível de educação, o salário, o facto de ter filhos, e as oportunidades de emprego. O autor sugeriu que se podem acrescentar a estas outras variáveis, tais como a aquisição de competências específicas relacionadas com a organização, o grau de participação nas decisões e o número de horas de trabalho semanal.

As dimensões de justiça organizacional também foram usadas no sentido de explicar esta faceta do empenhamento. Com efeito, verificou-se que a justiça procedimental se relaciona com os laços instrumentais (Rego et al., 2004) e que a justiça distributiva surge igualmente relacionada com a componente instrumental (Rego & Carvalho, 2002).

4.3.2 Consequências do empenhamento instrumental

As pesquisas mostram que o empenhamento instrumental se relaciona negativamente com o turnover (Abelson, 1987; Farrell & Rusbult, 1981; Meyer & Allen, 1997). Embora a evidência empírica mostre que o empenhamento instrumental se relaciona negativamente com as intenções de saída e com a saída efectiva (Cunha et al., 2003; Meyer & Allen, 1997), esta relação tem originado alguma controvérsia. Alguns estudos defendem que o

empenhamento instrumental não contribui de forma independente para a previsão da intenção de sair da organização ou abandono efectivo da mesma. Para Somers (1995), o empenhamento instrumental constitui uma variável moderadora do efeito do empenhamento afectivo sobre o referido comportamento. Mayer e Schoorman (1992) comprovaram a relação negativa entre o empenhamento instrumental e a ausência dos trabalhadores ao emprego.

Em relação ao desempenho, Meyer, Paunonen, Gellatly, Goffin & Jackson (1989) alegaram que este se relaciona negativamente com o empenhamento instrumental. Meyer e Allen (1991) formularam a hipótese de que o empenhamento instrumental não se relacionaria ou estaria relacionado de forma negativa com o desempenho, mais tarde confirmada por Allen e Meyer (1996). Os indivíduos empenhados instrumentalmente não se sentirão propensos a contribuir para a organização para além do que é necessário para manterem os seus empregos, logo esperam-se desempenhos que não vão além do que aquilo que lhes é estritamente obrigatório (Rego et al., 2004; Rego & Souto, 2004a).

Meyer et al. (1993) relacionaram três reacções (voz, lealdade e negligência) com as componentes do empenhamento organizacional, e concluíram que o empenhamento instrumental estava positivamente relacionado com a reacção negligente. Na sua meta- -análise, Meyer et al. (2002) encontraram uma associação negativa entre o empenhamento instrumental e o turnover, intenções de turnover e desempenho, e positiva com o absentismo, stress e conflito trabalho-família.

Segundo Meyer e Herscovitch (2001), as consequências comportamentais do empenhamento instrumental são mais específicas (continuar no emprego) do que as do empenhamento afectivo (e.g., continuar no emprego, assiduidade, desempenho).