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Capítulo III – COMPORTAMENTOS DE CIDADANIA ORGANIZACIONAL

3. Dimensões dos CCO

3.1 Dimensões convencionais

Bateman e Organ (1983), numa das primeiras operacionalizações deste construto que pouco ofereceu para a compreensão da sua estrutura dimensional, apresentaram um instrumento com 30 comportamentos de dois tipos: (1) os “pró-activos” que incluem, por exemplo, as manifestações de interesse pelo trabalho de outrem, as sugestões de melhoria, o acolhimento e integração de novos colaboradores, e (2) as acções que os indivíduos, embora se inibam de por em prática, têm a possibilidade (e o direito) de o fazer, tais como a expressão de ressentimentos e queixas acerca de assuntos triviais.

Tendo surgido na mesma altura, o trabalho de Smith et al. (1983) resultou num instrumento mais elaborado contendo 16 itens oriundos de entrevistas a supervisores de duas empresas. Os referidos supervisores descreveram acções dos subordinados que apreciavam e consideravam úteis, mas que dificilmente poderiam ser solicitadas com base na autoridade formal ou promessa de recompensa. Por outras palavras, o CCO operacionalizou-se nos actos que os supervisores gostavam que se praticassem mas que

não podiam obrigar ou garantir recompensa que fosse além da sua apreciação. Surgiram duas grandes categorias de comportamentos: (1) o altruísmo23 que estava relacionado com comportamentos de ajuda directa e intencionalmente dirigidos a pessoas específicas, tais como o supervisor, um colega ou um cliente (e.g., acolher e orientar um colega recém- -chegado, ajudar o supervisor, prestar auxílio a um colega num trabalho difícil); (2) a obediência gerenalizada24 (mais tarde, rebaptizada de “conscienciosidade”) que representava um aspecto mais impessoal de CCO, pois não pressupunha ajuda imediata a qualquer pessoa específica, mas ajuda indirecta aos outros actores envolvidos no sistema (e.g., assiduidade e pontualidade, não utilização de recursos organizacionais para tratar de assuntos pessoais).

Posteriormente, Graham (1986) propôs uma outra dimensão dos CCO designada virtude cívica que se refere a comportamentos alusivos ao envolvimento responsável na administração e vida política da organização, tais como participar em reuniões voluntariamente, estar “a par” dos assuntos da empresa, executar tarefas não prescritas mas relevantes para a boa imagem da empresa, etc. Para além das três dimensões supracitadas, Organ (1988a, 1990a, 1990b) sugeriu que os CCO abarcavam outras categorias, tais como a cortesia que visa prevenir a ocorrência de um problema (e.g., ser cauteloso com acções que podem afectar o trabalho dos outros) e o desportivismo que é revelador de comportamentos de fair-play, ou seja, disposição em tolerar circunstâncias menos ideais sem reclamar ou “fazer tempestades num copo de água” (Organ, 1988a, p. 11) (e.g., não despender tempo com queixas ou ressentimentos acerca de assuntos triviais).

Mais tarde, Williams e Anderson (1991) apresentaram uma categorização dicotómica segundo a qual os CCO podem dirigir-se directamente à organização (CCO-O) e/ou podem focalizar-se em indivíduos específicos (CCO-I), beneficiando indirectamente a organização. Para Williams e Anderson (1991) e Coleman e Borman (2000) é importante distinguir o CCO-I (altruísmo e cortesia) do CCO-O (virtude cívica e desportivismo). De referir que a conscienciosidade foi assumida por alguns autores como pertencendo ao CCO-O (LePine, Erez e Johnson, 2002; Organ, 1988a; Williams & Anderson, 1991) e por

23 Esta dimensão de Smith et al. (1983) sobrepõe-se à noção de altruísmo e cortesia de Organ (1988a). 24 Há vários itens nesta dimensão que se sobrepõem à noção de virtude cívica de Organ (1988a).

outros como CCO-I (Fassina, Jones & Uggerslev, 2008b; Harrison & Price, 2003; Masterson, Lewis, Goldman & Taylor, 2000), justificando que representam comportamentos que beneficiam mais directamente a unidade de trabalho e o supervisor.

Outros autores (e.g., Mackenzie, Podsakoff & Ahearne, 1998; Mackenzie, Podsakoff & Fetter, 1991, 1993; Podsakoff et al., 1997; Podsakoff & Mackenzie, 1994) trabalharam com três dimensões de CCO: desportivismo, virtude cívica e comportamento de ajuda. Esta última categoria engloba o altruísmo (acções voluntárias que ajudam outra pessoa com problemas relacionados com o trabalho), a cortesia (acções que ajudam a prevenir a ocorrência de problemas de trabalho com os outros), o pacifismo (acções que ajudam a prevenir, resolver e a atenuar conflitos interpessoais disruptivos) e o encorajamento (palavras e gestos de apoio e estímulo a colegas com o intuito de os ajudar no cumprimento das suas obrigações, no seu desenvolvimento e no aumento do moral). Justificaram a opção pela referida categoria, em alternativa a dimensões mais específicas e conceptualmente distintas, pela dificuldade que os gestores têm em fazer estas “finas distinções e tenderem a colocá-las num só grupo” (Podsakoff & Mackenzie, 1994, p. 353).

Todavia, a dimensionalização penta-partida é a mais comum e, por isso, também utilizada no presente estudo. Segue-se uma breve referência a cada uma das tradicionais cinco dimensões (Konovsky & Organ, 1996; MacKenzie et al., 1991, 1993; Organ, 1988a; Podsakoff, MacKenzie & Hui, 1993; Podsakoff, Mackenzie, Moorman & Fetter, 1990): (1) conscienciosidade25 refere-se ao facto de o indivíduo desempenhar as suas actividades de um modo que ultrapassa os requisitos mínimos ou o normalmente esperado (e.g., assiduidade acima do normal, cumprimento de regras e normas mesmo que ninguém presencie, os recursos organizacionais e o tempo de trabalho não são gastos para tratar de assuntos pessoais); (2) desportivismo reporta-se ao facto de o indivíduo evitar queixas perante contratempos no local de trabalho, suportando situações incómodas sem se lamentar excessivamente (e.g., o tempo de trabalho não é gasto com queixas ou ressentimentos, nem o indivíduo se focaliza no que corre mal); (3) virtude cívica caracteriza-se pelo envolvimento e participação responsável na vida política da

25 Organ (1997) alertou para a possível ambiguidade do rótulo “conscienciosidade” como dimensão dos CCO e como dimensão do grupo de factores de personalidade do modelo big five. Admite, porém, que o risco possa ser tolerável e até trivial.

organização (e.g., são realizadas tarefas não solicitadas mas benéficas para a imagem da organização, participação em reuniões sem obrigatoriedade, e interesse por estar a par dos assuntos da organização); (4) altruísmo revela-se na ajuda prestada a pessoas específicas com problemas ou tarefas importantes para a organização (e.g., ajuda a pessoas que estiveram ausentes, orientação dos membros recém-chegados à organização, ajuda aos colegas que têm sobrecarga de trabalho ou trabalhos difíceis); (5) cortesia caracteriza-se pelo comportamento que previne a ocorrência de problemas com os outros (e.g., cautela com actos que podem afectar outras pessoas ou os seus postos de trabalho, respeito pelos direitos dos outros).

A ausência de consenso em torno da dimensionalidade é confirmada por Podsakoff et al. (2000) ao identificarem cerca de 30 formas potencialmente diferentes de CCO. Segundo os autores, estas podem ser agrupadas em sete dimensões ou temas comuns (Tabela 3.2):

Tabela 3.2 - Dimensões dos comportamentos de cidadania organizacional

Dimensão Caracterização

Comportamento de ajuda O indivíduo ajuda voluntariamente os outros nos problemas relacionados com o trabalho, evitando a sua ocorrência (integra o altruísmo, a cortesia, o pacifismo e o encorajamento).

Desportivismo O indivíduo apresenta boa vontade e uma atitude positiva, sem

queixas nem protestos excessivos. Está disposto a sacrificar o interesse pessoal em prol do grupo de trabalho e não interpreta a rejeição das suas ideias como algo pessoal.

Lealdade organizacional O indivíduo promove a organização junto de entidades externas, apoiando-a e protegendo-a de ameaças exteriores. Mantém o seu empenhamento mesmo sob condições adversas.

Obediência organizacional O indivíduo internaliza e aceita as regras, regulamentos e procedimentos da organização resultando na sua escrupulosa adesão e obediência, mesmo quando ninguém está a observar ou a monitorizar.

Iniciativa individual O indivíduo pratica actos voluntários de criatividade e inovação, que ultrapassam o que é minimamente exigido e geralmente esperado, tendo em vista a melhoria da performance individual ou o desempenho da organização (semelhante ao conceito de conscienciosidade de Organ, 1988).

Virtude cívica O indivíduo apresenta boa vontade e interesse em participar

activamente na gestão da organização, controlar o ambiente em termos de ameaças e oportunidades e zelar pelos interesses desta, mesmo que isso implique sacrifícios a nível pessoal.

Auto-desenvolvimento O indivíduo pratica actos voluntários no sentido de melhorar os seus próprios conhecimentos, competências e aptidões e, por conseguinte, aumentar a sua contribuição para a organização.

Tendo em conta que as raízes dos CCO remontam ao trabalho de Katz (1964), talvez não seja de surpreender que estas dimensões tenham fortes semelhanças com as dimensões de comportamentos de inovação e espontaneidade que o autor identificou. Assim, por exemplo, “cooperar com os outros reflecte-se na dimensão da virtude cívica e do desportivismo; proteger a organização reflecte-se na dimensão da virtude cívica e da lealdade organizacional; sugerir ideias construtivas reflecte-se na dimensão da iniciativa individual; a auto-formação reflecte-se na dimensão do auto-desenvolvimento e manter uma atitude favorável para com a organização reflecte-se na lealdade organizacional e, talvez, na dimensão do desportivismo” (Podsakoff et al., 2000, p. 526).