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Conceitos/projectos favoráveis ou facilitadores de virtuosidade organizacional

Capítulo I – VIRTUOSIDADE ORGANIZACIONAL

2. Virtuosidade organizacional

2.3 Conceitos/projectos favoráveis ou facilitadores de virtuosidade organizacional

A fraca qualidade de vida experimentada em muitas organizações, as histórias dramáticas acerca da desumanização do trabalho, as estatísticas sobre doenças e acidentes de trabalho, a perda de equilíbrio entre a vida privada e profissional, o desempenho deficiente, o absentismo, a liderança disfuncional e os efeitos perversos de alguns processos de downsizing e de reengenharia são fonte de “insalubridade psicológica” em muitas organizações modernas (Kets de Vries, 2001).

Mas o trabalho pode funcionar como uma “âncora para o bem-estar psicológico, sendo uma forma de estabelecer a identidade e de manter a auto-estima” e as organizações são meios ideais para isto se conseguir (Kets de Vries, 2001, p. 101). Dada a importância do bem-estar psicológico individual, a criação de locais de trabalho “saudáveis”, onde nos sintamos bem, deve ser uma prioridade. Neste sentido, vários autores têm-se debruçado sobre estas temáticas propondo conceitos/projectos que possuem uma ampla área de sobreposição com o conceito de virtuosidade organizacional (Cameron et. al., 2004). Alguns exemplos são os “melhores locais para trabalhar” (Levering & Moskowitz, 2003), as “organizações autentizóticas” (Kets de Vries, 2001; Rego & Cunha, 2008a; Rego & Souto, 2004a), as “empresas vivas” (De Geus, 1997a), as “empresas amigas da família” (Den Dulk, Van Doorne-Huiskes & Schippers, 1999; Thompson, Beauvais & Lyness, 1999) e as “empresas humanizadas” (Vergara & Branco, 2001).

2.3.1 Os melhores locais para trabalhar

Muitos dos trabalhos que se inscrevem nesta linha de investigação colheram influências no projecto The 100 best companies to work for in America (Levering & Moskowitz, 1993). Este modelo foi desenvolvido, em 1983, nos EUA, por Levering e Moskowitz e, desde 1998, têm vindo a ser publicadas listas das “100 melhores nos EUA” (Levering & Moskowitz, 1998, 2003). A relevância destes trabalhos recai no facto de as classificações das empresas terem como base respostas a inquéritos feitos a trabalhadores. Esta perspectiva interna era particularmente nova em 1998. Este projecto está presente em diversos países, incluindo na União Europeia, tendo sido seleccionadas pela primeira vez,

em 2003, as “100 melhores empresas para se trabalhar na Europa”. De salientar que estas listas não só classificam as empresas, como também descrevem detalhadamente práticas no local de trabalho. Segundo este modelo, um “bom local para trabalhar” é caracterizado pela confiança na gestão, orgulho no trabalho e na empresa e um bom sentido de camaradagem.

As 100 melhores são empresas que criam locais de trabalho atractivos e, em muito casos, têm um desempenho superior. O estudo de Fulmer, Gerhant e Scott (2003) foi o primeiro a demonstrar essa relação, utilizando dados ao nível empresarial, entre a estratégia de desenvolver um local de trabalho atractivo (cujo êxito é julgado, em primeiro lugar, pelos próprios empregados) e o facto de ter um desempenho financeiro superior ao dos concorrentes. As conclusões de tal estudo sugerem que as diferenças na atractividade do local de trabalho e na atitude da força de trabalho têm um papel importante na criação de diferenças no desempenho da empresa.

Kets de Vries (2001) foi influenciado pelo projecto The 100 best companies to work e descreve as “melhores” como empresas que se baseiam num determinado conjunto de valores que se traduzem em formas específicas de comportamento: confiança, divertimento, honestidade, empowerment, respeito pelo indivíduo, justiça, trabalho de equipa, inovação ou empreendedorismo, orientação para o cliente, responsabilização, aprendizagem contínua e abertura à mudança. Empresas como a Southwest Airlines, a W. L. Gore, a Microsoft, a Merck, a Hewlett-Packard, a Corning e a Harley-Davidson são consideradas “especiais” e constituem uma excepção à regra. O leque de benefícios que estas empresas oferecem é vasto: formação, conciliação trabalho-família, sistemas de partilha de lucros, licenças sabáticas, políticas de seguros de saúde generosos, apoio médico, áreas desportivas, infra-estruturas de entretenimento, jardins de infância no local, apoio jurídico, horários flexíveis, códigos de vestuário informais, sistemas de partilha de informações, políticas contra despedimentos, entre outras. É possível contemplar os esforços que as empresas do topo da lista empreendem para criar culturas empresariais humanas que influenciam positivamente o bem-estar dos seus trabalhadores.

Importa notar que objectivos meramente instrumentais podem induzir as empresas a “trabalharem” para estarem presentes no ranking das “melhores”. Em qualquer caso, o projecto/ranking não deixa de reconhecer o papel de algumas virtudes na vida organizacional.

2.3.2 Organizações autentizóticas

As preocupações de Kets de Vries (2001) no que respeita à questão da “insalubridade” de muitas organizações actuais reflectem a génese do conceito de organizações autentizóticas. O termo é um neologismo que resulta da conjugação de duas palavras gregas: authenteekos (significa que a organização é autêntica, merecedora de confiança) e zoteekos (significa que a organização é essencial para as pessoas, proporcionando significado para o trabalho e para as suas vidas). Afiguram-se como “um espaço no qual se cruzam dois desígnios: elevados desempenhos das organizações e realização pessoal dos seus membros” (Cunha et al., 2007, p. 425)

As organizações autentizóticas possibilitam aos trabalhadores um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, ajudam no combate ao stress e facultam-lhes uma existência saudável (Kets de Vries, 2001). Ou seja, estas organizações proporcionam aos seus membros, sete sentidos para uma existência humana e profissional saudável. Segue-se uma breve explanação do que acabamos de referir com base nos trabalhos de Kets de Vries (2001), Rego e Souto (2005) e Rego e Cunha (2008a):

Estas organizações caracterizam-se por desenvolver um sentido de propósito nos trabalhadores através da criação de uma visão para o futuro e de um propósito para a organização, contribuindo desta forma para a identidade do grupo. A segunda característica, o sentido de autodeterminação, significa que nestas organizações os trabalhadores sentem que controlam as suas vidas e não se vêem como meros “peões” ao serviço de finalidades que os ultrapassam e para cuja definição não contribuíram. Outra característica importante é o sentido de impacto, ou seja, é fundamental que as pessoas sintam que as suas acções influenciam a vida organizacional e podem fazer a diferença. Estas organizações criam ainda condições para fomentar um sentido de competência, que

significa que apostam na aprendizagem contínua dos seus colaboradores, facilitando-lhes um sentimento de crescimento e desenvolvimento pessoal. Uma outra característica destas organizações, designada por sentido de pertença (ou de comunidade), retrata o facto de propiciarem aos seus membros um sentimento de pertença a uma comunidade, desenvolvendo laços de confiança e respeito mútuo. Nas organizações autentizóticas encontramos ainda um maior sentido de divertimento, através da alegria no trabalho promovida pela liderança. Por fim, instilam o sentido de significado, pois as pessoas encontram significado para as suas vidas através do trabalho, sendo-lhes possível colocar a sua imaginação e criatividade ao serviço do trabalho, o que conduz, naturalmente, a um maior envolvimento nas actividades realizadas.

A Tabela 1.3 resume os sete sentidos proporcionados pelas organizações autentizóticas supracitados.

Tabela 1.3 – Características das organizações autentizóticas

Propósito Mediante a articulação de uma visão para o futuro e de um propósito para a organização, os líderes criam um sentido de propósito para as pessoas.

Autodeterminação Os colaboradores sentem que controlam as suas vidas – não se sentindo

meros instrumentos ao serviço de finalidades que os ultrapassam e para cuja definição não contribuíram.

Impacto As pessoas sentem que influenciam a vida da organização. Sentem que

as suas contribuições “contam” e que produzem efeitos significativos sobre o espaço circundante.

Competência As pessoas sentem que podem desenvolver o seu potencial. A

aprendizagem contínua é fomentada.

Pertença (de comunidade) Sentindo que pertencem a uma comunidade, as pessoas desenvolvem laços de confiança e de respeito mútuo e satisfazem as suas necessidades de pertença a um colectivo significativo.

Prazer e alegria A vida organizacional é comandada por líderes que incutem alegria no

trabalho.

Significado As pessoas podem colocar a sua criatividade ao serviço do trabalho, sentem-se envolvidas no que fazem. O trabalho ajuda-as a encontrarem significado para as suas vidas.

Construído por Rego e Souto (2005, p. 4) a partir de Kets de Vries (2001)

Um estudo realizado por Rego e Cunha (2008a) sugere uma relação positiva entre as percepções de clima autentizótico e o bem-estar afectivo e o desempenho individual.

2.3.3 “Empresas vivas”, “amigas da família” e “humanizadas”

Estas diferentes expressões são usadas para designar organizações que, embora se focalizem em determinados aspectos, partilham o mesmo tipo de preocupações.

As “empresas vivas”, além de entidades económicas, são também comunidades humanas duradouras, que agem responsavelmente face ao meio ambiente, permitem que os indivíduos tomem iniciativas, encorajam a experimentação, aceitam e promovem novas ideias. Ou seja, apostam em climas de trabalho agradáveis e no desenvolvimento dos empregados. Estas empresas encaram os colaboradores como membros valiosos, sendo o lucro apenas o meio de concretizar o objectivo real: aumentar a sua esperança de vida (De Geus, 1997a, 1997b).

As “empresas amigas da família” demonstram preocupação com as relações familiares dos seus membros, proporcionando-lhes boas condições de trabalho a este nível: horários flexíveis, salas de amamentação, creches, bons programas para crianças e idosos, serviços de apoio após o horário escolar, entre outras. Procuram conciliar a realização profissional, a realização familiar/pessoal e o desempenho organizacional (Den Dulk et al., 1999).

As preocupações das “empresas humanizadas” recaem sobre as questões ambientais e a melhoria da qualidade de vida no trabalho, bem como encorajam relações mais democráticas e justas, mitigam as desigualdades entre os indivíduos, e contribuem para o desenvolvimento das pessoas a nível físico, emocional, intelectual e espiritual. Ou seja, estas organizações representam uma via para operacionalizar “um novo paradigma centrado na ética, na responsabilidade social, na cidadania corporativa e no desenvolvimento sustentável” (Vergara & Branco, 2001, p. 22). Convém todavia notar que, muitas vezes, os intuitos das empresas são fundamentalmente instrumentais e/ou reputacionais.