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Antes de abordar o tema específico da Educação Inclusiva e da formação docente, entendo ser importante refletir um pouco sobre a história da Educação Brasileira até os dias atuais e seus contextos de mudança, assinalando importantes passagens que formaram a trilha que possibilitou o surgimento da Educação Inclusiva.

Ao nos debruçarmos na “janela” da história da Educação Brasileira podemos perceber que houve mudanças significativas no que tange a diversos aspectos da prática educativa no

Tais modificações históricas sofreram influências de fontes diversas que englobam aspectos e contextos históricos, econômicos, políticos, culturais e sociais.

Gostaria de salientar que não pretendo descortinar toda história da Educação Brasileira, nem mesmo acredito que isso seja possível no espaço do texto desta dissertação. Por esse motivo quero deixar claro desde já que meu objetivo limita-se a realizar um breve resumo histórico, considerando as influências provocadas por diversas conferências internacionais e nacionais, bem como por documentos e leis importantes das últimas décadas, perpassando brevemente pela Educação Especial. Esses foram os elementos que possibilitaram o aparecimento da Educação Inclusiva tal como é entendida hoje.

É sabido que ao longo da história da Educação Brasileira era comum que crianças com deficiência recebessem atendimento em instituições especializadas, mais conhecidas como escolas especiais, inclusive o atendimento educacional com uma grade de conteúdo própria diferente do currículo adotado pela escola regular.

De acordo com Grassi (2014, p. 15) o conceito de Educação Especial considera essa modalidade de ensino como uma “modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos portadores de necessidades especiais”. Entendo que é importante destacar o caráter “complementar” da Educação Especial, que de acordo com o que versa o sexto item do Documento da Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão intitulado “O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular” informa o seguinte:

A Educação Especial é um instrumento, um complemento que deve estar sempre presente nas Educações Básica e Superior para os alunos com deficiência que delas necessitarem. Uma instituição especializada ou escola especial é assim conhecida justamente pelo tipo de atendimento que oferece, ou seja, atendimento educacional especializado. Sendo assim, suas escolas não podem substituir as escolas comuns em todos os seus níveis de ensino (BRASIL, 2004, p. 14)

A grade curricular das escolas especializadas não era idêntica à grade das escolas regulares, conforme destacou Carneiro (2008), ou seja, não era ofertado ao aluno destas escolas o conteúdo curricular oferecido aos alunos das escolas regulares. Esse foi um dos argumentos utilizados pelos defensores da escola inclusiva: favorecer o acesso de todos ao mesmo conteúdo didático pedagógico, conforme previsto na lei, além do benefício social da convivência com a diversidade, tanto para as pessoas consideradas deficientes, quanto para os demais.

Silva (2009, p. 17) afirma que foi em decorrência do “desenvolvimento tenaz da exclusão” que passou a ocorrer um maior esforço de diversos atores, políticos e sociais, com intuito de tornar o ensino mais objetivo, racional e inclusivo. Assim sendo, o principal objetivo consistia na tentativa de eliminar as discrepâncias entre as garantias legais e a realidade vivenciada pelas pessoas com deficiência. Que embora tivessem garantidos na lei o direito de estar incluídas em todas as esferas sociais permaneciam excluídas do exercício de direitos básicos, como por exemplo, o direito à educação. A autora enfatiza que as reformas na Educação Brasileira ocorridas nas últimas décadas se deram não apenas em decorrência de princípios políticos, mas também e principalmente pelas exigências sociais que se tornaram mais acentuadas.

Gostaria de salientar que foi justamente o reflexo dessa maior consciência política da sociedade, o maior entendimento dos seus direitos, inclusive o direito de exercer a cidadania,

que estimulou e continua estimulando as modificações nos sistemas de ensino. Tais modificações são percebidas nas formas de avaliação curricular, nos avanços legais sobre

o tema, e especialmente na criação, implantação e implementação de um novo modelo educativo baseado na acessibilidade e inclusão de todos.

Conforme assinalam Quatrin e Pivetta (2008) foram essas transformações do processo educacional brasileiro que possibilitaram o acesso de crianças com deficiência às escolas regulares. Evidentemente, todas essas mudanças não ocorreram repentinamente, mas foi e continua sendo um processo histórico, moldado e implantado gradativamente ao longo de décadas.

Também quero ressaltar que um dos pontos cruciais que possibilitou o acesso da pessoa com deficiência aos sistemas educacionais do país ocorreu de forma mais significativa em 1981, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou o Ano Internacional do Deficiente. A partir de então, a nível mundial, a sociedade passou a pensar de forma mais efetiva sobre a problemática da pessoa com deficiência, enfatizando suas possibilidades de vida e não somente suas limitações.

Porém, conforme assinalam Rios e Novaes (2009), tais práticas de inclusão somente tornaram-se mais efetivas a partir dos anos noventa. Foi nesse período que passou a ocorrer um maior engajamento dos governos em relação à inclusão das pessoas com deficiência, sendo também nesta época que estas pessoas começaram a se destacar como um grupo especial da sociedade e acirraram-se as discussões acerca dos conceitos de normalidade e anormalidade com intuito de modificar a consciência das pessoas sobre as deficiências e promover a inclusão.

Vale destacar que de acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) o posicionamento mundial a favor da Educação Inclusiva transformou-se num ato político, cultural, social e pedagógico que teve sua origem fundamentada em movimentos que defendem a não discriminação e o direito de estar e aprender juntos para todos os alunos.

Carvalho (2005), Carneiro (2008), Garcia (2010), Sartoretto (2011) e Grassi (2014) salientam que diversas conferências nacionais e internacionais apoiaram as mudanças da política educacional brasileira, sendo estas de grande importância para o aparecimento do conceito (e das práticas) da Educação Inclusiva. Devido à importância dessas conferências e avanços legais no Brasil gostaria de relatar aqui alguns dos marcos históricos que culminaram nos posicionamentos defendidos pela Educação Inclusiva na atualidade:

 Constituição Federal Brasileira de 1988 – coloca a educação como um “direito de todos e um dever do Estado e da família” (Capítulo III, artigo 205); estabelece como um dos princípios para o ensino a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (artigo 206, inciso I) e coloca como dever do Estado a oferta de atendimento educacional especializado a pessoas com deficiência “preferencialmente na rede regular de ensino” (artigo 208, inciso III).

 Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, realizada entre 5 e 9 de março de 1990, em Jomtien, Tailândia. Esta conferência foi preparada após constatação de que um em cada cinco seres humanos no mundo não tinha acesso à educação. O esforço principal da conferência foi o de conscientizar os governos sobre a prioridade da educação básica e em sua conclusão surgiu a “Declaração Mundial sobre a Educação para Todos”, bem como a proposta de um “Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem”.

 Lei nº 8.069de 1990. Esta lei reforça os direitos da criança e do adolescente, já previstos na Constituição Federal, através da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que lhes garante perante a lei o acesso aos direitos básicos e benefícios sociais da cultura, da vida, da saúde, da dignidade, da convivência familiar e social, do respeito e da educação, entre outros.

 Conferência Mundial de Educação Especial, realizada em junho de 1994 na cidade de Salamanca, Espanha. Nesta conferência foi aprovada a Declaração de Salamanca, que versa sobre os princípios, as políticas e as práticas da Educação Especial. Este documento atesta que o princípio básico que orienta esta modalidade educativa é o da inclusão, ou seja, todas as crianças devem aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças. Conforme Carvalho (2005) é fundamental entender que a Declaração de Salamanca não está voltada exclusivamente para o público alvo da Educação Inclusiva, mas para “todos”, ou seja, a “universalização da escola”. Segundo a autora:

Lendo o texto da Declaração, parece não haver dúvidas de que os sujeitos da inclusão são todos: os que nunca estiveram em escolas, os que lá estão e experimentam discriminações, os que não recebem as respostas educativas que atendam às suas necessidades, os que enfrentam barreiras para a aprendizagem e para a participação, os que são vítimas das práticas elitistas e injustas de nossa sociedade, as que apresentam condutas típicas de síndromes neurológicas, psiquiátricas ou com quadros psicológicos graves, além das superdotadas/com altas habilidades, os que se evadem precocemente e, obviamente, as pessoas em situação de deficiência, também. (CARVALHO, 2005, p. 3)

 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – lei n. 9.394 de 1996. Esta lei torna a Educação Especial modalidade de ensino a ser oferecida preferencialmente na escola de ensino regular. Vale destacar o artigo 59, incisos 1, 2 e 3, onde se afirma que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos:

Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender suas necessidades, [...] terminalidade específica àqueles que não atingirem o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências e a aceleração dos estudos aos alunos com altas habilidades para que concluam o programa escolar em menor tempo. [...] professores capacitados na rede regular de ensino para propiciar a inclusão dos alunos com necessidades especiais, possibilitando as aprendizagens. (BRASIL, 1996, p.24)

 Convenção de Guatemala. O documento final desta convenção foi aprovado no Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 198, de 13 de junho de 2001, tendo sido promulgado pelo Decreto 3.956, de 8 de outubro de 2001. Este é um documento que afirma explicitamente a obrigação do cumprimento da Educação Inclusiva no Brasil.

 Resolução CNE∕CEB nº 2 de 2001 que institui as diretrizes e normas para a Educação Especial na educação básica: “Os sistemas de ensino devem matricular todos os

alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento dos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos.” (MEC∕SEESP∕2001).

 O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular também foi tratado por um Documento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão elaborado em 2004. Este documento evoca o princípio da não discriminação, que certamente também diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência (dentre estes o da inclusão na área educacional) ao declarar que:

A Constituição Federal elegeu como Fundamentos da República a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1°, inc. II e III), e, como um dos seus objetivos fundamentais, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3°, inc. IV). (BRASIL, 2004, p. 6)

 Decreto n. 6.094 de 2007 que trata sobre a realização do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Entre outros temas, este documento assinala a necessidade de esforço conjunto entre União, Estados e Municípios para garantia de acesso e permanência das pessoas com deficiência nas escolas regulares.

 Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) do Ministério da Educação (MEC). Como consequência dos avanços do conhecimento e das lutas sociais, este documento foi elaborado objetivando constituir e orientar políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos.

 Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014. Fruto de debates nacionais com atores sociais da educação, este documento é composto por 20 metas a serem alcançadas até 2020. A Meta número 4 trata da Educação Inclusiva e prevê a universalização do atendimento escolar na rede regular de ensino para: alunos com deficiência, alunos com transtorno global do desenvolvimento, bem como alunos com altas habilidades, na faixa etária entre 4 e 17 anos.

Desta forma, com base em diversos estudos, a exemplo do desenvolvido por Stella e Sequeira (2013), posso concluir que a Educação Inclusiva encontra-se atualmente alicerçada na legislação que permite o surgimento de uma nova possibilidade de educar. Um novo

caminho educativo que não se espelha mais num modelo homogêneo de aprender, mas sim na compreensão da heterogeneidade humana. Enfim, a Educação Inclusiva fundamenta-se em preceitos e princípios legais baseados no acolhimento e no atendimento das necessidades individuais e singulares dos alunos, sejam estes pessoas com deficiência ou não.