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4.3 ESCOLA RESPEITO

4.3.2 O que dizem as professoras da Escola Respeito

4.3.2.1 Professora Gisele

A professora Gisele trabalha com o 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Respeito. Graduada em Pedagogia a professora atua há 15 anos na educação de crianças e, conforme relatado pela professora, a mesma teve sua primeira experiência com crianças com deficiência há cerca de sete anos. A professora Gisele dá aulas nos dois turnos e segundo ela em ambas as turmas tem aluno com deficiência.

Na sala da professora Gisele, no turno vespertino, encontra-se matriculadas cerca de 20 crianças, sendo uma delas pessoa com deficiência auditiva que faz uso de aparelho auditivo no ouvido direito. Realizei, como nas escolas anteriores, duas sessões de observação na sala da professora Gisele. Estas foram feitas nos dias 30/04 e 07/05/2015, ambas no turno vespertino.

A sala onde a professora dá aulas está localizada no primeiro andar da escola, é bastante ampla e possui uma janela de ventilação que dá para o corredor da escola. Na sala também tem ventilador de teto. As carteiras são compostas por mesa e cadeiras separadas com laterais arredondadas.

A mesa da professora fica quase em frente à porta de acesso a sala, levemente à esquerda. Na sala tem dois armários, um aberto onde havia vários livros, que supus serem dos alunos, e um armário fechado com chaves.

Os alunos sentam-se em filas e fileiras de acordo com a arrumação das carteiras. A aluna com deficiência auditiva sentou-se, em ambos os dias de observações, na frente da sala, bem próximo a mesa da professora. Ao que me pareceu esse lugar era reservado a essa aluna, uma vez que no dia da segunda observação, 07/05/2015, a mesma chegou com considerável atraso e a carteira esteve todo o tempo vazia, até a sua chegada.

A professora tinha um cuidado especial com a aluna, porém em diversos momentos a mesma falou virada de costas para a aluna ao escrever no quadro. Em nenhuma dessas situações a aluna se manifestou, sempre bastante reservada em sua carteira e com uma postura incorreta, a impressão que dava era de que a mesma queria se “esconder”. As atividades realizadas pela aluna foram as mesmas dos demais colegas e segundo a professora não havia nenhuma alteração de conteúdo ou avaliação em virtude das condições especiais da aluna.

A professora relatou que a aluna consegue acompanhar a aula, porém ainda que a professora se mostrasse bastante atenciosa com a aluna não havia um diálogo entre as duas, eram sempre monólogos onde a professora falava e a aluna acompanhava, não tendo eu como dizer se a mesma entendia completamente ou não. A única afirmativa que posso dar é que foram raríssimos os momentos de comunicação da aluna e sempre bastante tímidos.

No dia da última visita para observação nesta turma da professora Gisele, estava sendo feito, assim como em todo o Ensino Fundamental I, uma atividade de confecção da lembrança que seria ofertada às mães em comemoração ao Dia das Mães. Essa atividade durou boa parte da aula, consistindo na pintura de uma tela onde havia desenhado corações e flores. A professora auxiliou e orientou todos os alunos, um por um, e devido ao grande alvoroço na sala ficou complicada a observação específica para este trabalho. Pretendia retornar a escola para uma última observação, porém em virtude da escassez de tempo tal pretensão não foi realizada.

Conforme informado pela professora e pela coordenadora a aluna fazia tratamento fonoaudiológico e conseguia se comunicar, ainda que não plenamente. A discente não era

usuária de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, e a escola também não possuía em seu quadro tradutor/intérprete de LIBRAS.

Confesso que acompanhar a aula da professora Gisele, com uma aluna com deficiência auditiva, me foi deveras penoso, apesar de ter sido recebida com toda boa vontade e ter tido ao meu alcance todo apoio de que necessitei.

A situação delicada para mim consistiu em ver refletidas na aluna as minhas próprias experiências como pessoa com deficiência auditiva severa. Era como se naquele momento eu me transportasse para o passado não tão distante e sentisse na minha pele todo sentimento que conseguia ver nos olhos daquela aluna. Uma sensação de não pertencimento, de estar invisível, ou como pude perceber várias vezes no olhar da professora, um sentimento de piedade, de comoção, que ao menos a mim nunca me fez bem.

Cada vez que a professora falava virada de costas para a aluna, ao escrever no quadro, ainda que tivessem duas pessoas surdas dentro da sala, eu e a aluna, era mais uma prova da necessidade de conhecer para atuar, porque não poderia jamais negar toda a boa vontade da professora. Assim o que vi não foi algo que possa atribuir à maldade, mas sim a

pura e simples falta de conhecimento sobre o que é ser surdo e sobre as deficiências. Nas palavras da própria professora, quanto a estar preparada para atuar com alunos com

deficiência:

Não. Não me sinto preparada para trabalhar. Assim, a gente trabalha porque na sala de aula tem um, tem dois... A gente vai aprendendo a lidar, buscando estratégias, fazendo pesquisas, mas ainda tenho muita dificuldade. (GISELE, ESCOLA RESPEITO, 2015, grifos meus)

De acordo com Perrenoud (2000) seriam necessárias ao professor novas competências, tais quais destaco: organizar e dirigir situações de aprendizagem; administrar a progressão de aprendizagem; trabalhar em equipe; enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão; e administrar sua própria formação continuada.

Assim, se torna evidente a necessidade de um trabalho em equipe, de uma multidisciplinaridade educativa para apoiar o professor e materializar a Educação Inclusiva conforme já é garantido na legislação brasileira.

Quando perguntada acerca de a escola regular estar preparada para receber os alunos com deficiência a professora afirmou que:

As escolas regulares não estão preparadas para receber a criança com deficiência, principalmente o professor. O professor não está preparado

porque ninguém dá subsídio ao professor, e como trabalhar com esse tipo de criança. A gente fica um pouco perdido como avaliar, de que forma lidar com essa criança e acaba fazendo um trabalho como criança normal e eles ficam sem a atenção devida. (GISELE, ESCOLA RESPEITO, 2015, grifos meus)

Reafirma em seguida quanto ao que julga necessário para um melhor aprendizado da pessoa com deficiência:

Eu acho que os professores deveriam ser melhores preparados para fazer esse tipo de trabalho com crianças especiais que necessitam tanto de estar na sala de aula com crianças normais. (GISELE, ESCOLA RESPEITO, 2015, grifos meus)

Um ponto que merece ser destacado é que apesar de estar prevista a atuação do fisioterapeuta nas mais diversas áreas e situações, inclusive na deficiência auditiva, ainda são parcos os estudos sobre a relação da audição e o controle motor, porém nos últimos anos tem aumentado o interesse sobre o tema e os efeitos da atividade física em indivíduos surdos. Vale destacar que um dos temas mais discutidos, no âmbito da Fisioterapia relacionada a surdez, é acerca da íntima relação entre o ouvido e o equilíbrio corporal, bem como o impacto destes na postura e controle motor da criança surda ou com deficiência auditiva.

Saliento que um dos pontos mais cruciais da importância de entendimento do que é a surdez e de seu impacto na vida de uma pessoa é, sobretudo, evitar a concepção de pré- conceitos como a catalogação de pessoas surdas ou com deficiência auditiva como pessoas com deficiência intelectual. Outro ponto reside no fato de acreditar que por ser uma deficiência a nível sensorial a mesma não afeta direta ou indiretamente o organismo, do ponto de vista motor. Tendo em vista que todos os sistemas corporais se inter-relacionam não seria prudente alimentar tal ideário de individualidade do sistema auditivo.

A professora Gisele se mostrou bastante positiva quanto a necessidade de modificação na formação docente para atuação com crianças com deficiência:

Acho sim que deveria ser modificada na formação docente. Ter uma matéria específica falando de exclusão, ensinado mesmo o professor como trabalhar com essas crianças. Porque a maioria dos colegas, professores que conversam, sente muita dificuldade de trabalhar, sente muito perdido como trabalhar com esse tipo de criança. (GISELE, ESCOLA RESPEITO, 2015, grifos meus)

No caso específico da professora Gisele, na sua atuação com alunos surdos ou com deficiência auditiva, inclusive no que concerne a comunicação mais efetiva, e da necessidade

de uma formação que prepare o docente para atuação na Educação Inclusiva, é necessária uma formação multidisciplinar, inclusive sobre a LIBRAS. Azevedo (2013) declara que:

A preocupação com a formação específica e continuada de professores refere-se ao fato de que a Libras é uma língua em evolução e seu aprendizado demanda esforços adicionais de aprendizes ouvintes. Para os professores ouvintes, além de horas de exposição formal à Libras, é muito importante o contato e a conversação direta com membros da comunidade em situações reais de uso da língua. (AZEVEDO, 2013, p. 209)

Assim, posso concluir que compreender as deficiências e encontrar meios de superar as dificuldades não se trata de um processo simples, o que corrobora com a ideia de uma formação multidisciplinar, com conhecimentos oriundos de áreas distintas com intuito de melhor capacitar tanto os docentes quanto outros profissionais, inclusive da área de saúde, para uma atuação mais eficiente na inclusão escolar e social de pessoas com deficiência.