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4.3 Identidades “linguajeiras”

4.3.1 O francês e as línguas africanas performando identidades

4.3.2.1 Antes do Celpe-Bras

Antes da realização do Celpe-Bras, foram feitas algumas perguntas aos aprendizes com o objetivo de captar características específicas de cada um e, a partir disso, elaborar retratos sobre as identidades em PL2.

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Novamente, o gênero como uma categoria conceitual se mostrou indispensável para o avanço das discussões sobre os processos de EALin.

Uma das questões levantadas estava relacionada aos lugares onde os aprendizes não se sentiam à vontade para falar o PL2. Como cada um tem experiências e interpretações diferentes sobre suas realidades, Dora e Marc apresentaram respostas diferentes para a mesma questão. Veja, no Excerto 74, a resposta de Marc para a pergunta: há algum lugar onde você não se sinta à vontade para falar PL2?:

“Ah... Acho que nenhum espaço. Porque eu sou, em Brasil… Eu tenho que falar o português, aprender o português não posso ficar calado. Tipo… Falar o português com as outras pessoas. Eu estou obrigado mesmo a praticar o português. Em todos os lugares, eu estou com vontade de falar o português. Seja errado, eu falo, eu falo.” (Marc – E1)

Marc se vê obrigado a praticar o PL2, o que indica como sua disposição em falar L-A está associada ao desejo de ingressar no PEC-G. O excerto anterior sugere como crença, identidade e investimento podem se inter-relacionar de forma harmônica.

No entanto, sobre aquela mesma pergunta, Dora posiciona-se de maneira distinta em relação a Marc. Veja a fala do Excerto 75 abaixo:

“No ônibus, na igreja… Eu sou católica. Tenho um amigo que ele me pediu de vir para só a igreja, para conversar mais com as pessoas. [...]E, depois do culto, só ele conversar as pessoas que eles conhece. Então, tô… eu me… sou tímida, então porque… Eu me disse: porque eles são assim? Lá na igreja não tem diferença. Todo vem para orar, agradecer deus, então, porque eles são assim? Não é meu opinião, não é para todo mundo. Eu me disse, por exemplo, eu sou… por que eu estou tímida… É a razão, é a razão.” (Dora - E2)

No excerto acima, Dora justifica a falta de prática do PL2 a partir de diferentes contextos sociais construídos no cotidiano. Segundo ela, geralmente, o ônibus e a igreja são espaços onde ela se sente intimidada ao falar a língua. Sua explicação para esse fato se pauta em dois aspectos diferentes: o primeiro é a sua própria timidez e o segundo é de abertura das pessoas. Segundo sua percepção, nem todos os brasileiros estão à disposição para interagir com estrangeiros. Mais uma vez, nota-se como as disposições e os investimentos sobre o PL2 se dão de modo diferente para Dora e Marc. Assim, se os pontos de partidas e os trajetos percorridos por ambos são diferentes, o que esperar sobre o lugar de chegada de cada um? No Capítulo V, apresentarei e discutirei o resultado do exame Celpe-Bras.

Em outro momento da entrevista, perguntei a Dora e Marc como eles se sentiam estudando PL2 no início do curso. Veja o que Marc respondeu no Excerto 76:

“Eu evolui muito, muito. E porque, quando eu tô olhando as formas passadas, eu fico rindo mesmo. Ah… Eu noto que existem erros que escrevi, as coisas que eu li… As minhas coisas. Mas, no início, não era uma coisa… não achava fácil e porque… Eu não sei nada, não sabia nada. Vou aprender tudo aqui. O português vai vir com o tempo. Vou aprender no dia a dia. Não tava com pressa de falar diretamente, direito mesmo. Sabia que o mês de julho, outubro e antes da prova, vou estar já pronto para passar a prova. Mas também eu tinha um forte vontade de falar, de aprender. Quando chegava numa loja para fazer compra, não falava nada, não falava nada. [...]Era muito, muito, muito difícil, muito, muito difícil.” (Marc – E1)

Conforme discutido em outra seção, Marc percebe sua evolução na aprendizagem do PL2, sendo inclusive capaz de enxergar erros antigos cometidos na língua. Em sua fala, destacam-se a características positivas, que marcam o processo de aprendizagem, como: tranquilidade e segurança.

Sobre o início dos estudos de PL2 no Brasil, Dora relembra questões implicantes em seu processo de aprendizagem como, por exemplo: a relação com a família, os problemas financeiros, a pouca prática do PL2 e a falta de amigos para apoiá-la, etc. Veja o que ela disse sobre tudo isso no Excerto 77:

“Quando eu cheguei foi legal… porque eu teve vontade de estudar… Mas, depois, quando eu vi Marc, as meninas… eu me disse: o que é o meu problema? [...]Porque ele fala bem a língua… Mas, eu achei que eu não tenho amigo com quem praticar. Ele tem. Ele sair todo o… Ele sair para festa, tudo isso. Eu ficou triste. Mesmo… e também eu tenho… pensando porque também, às vezes, minha família não me ligou… Eu ficou [...]Então, eu não quero demais estudar a língua. Porque eu me disse: ‘minha irmã mais jovem, agora, esse ano, ela vai fazer o segunda ano da universidade’. Então, eu me disse: [...]‘se eu estivesse no meu país teria terminado’. Então, vou estudar a língua para… fazer amizade com as pessoas para praticar. E tem também o exame… Eu tô com medo do exame porque se eu não… Vou voltar para meu país. Então, vou perder meu tempo. Tô pensando na minha família, tem muitos problemas para estudar aqui. Porque o meu debut? A minha chegada foi legal, mas depois com as problemas…” (Dora – E1)

Na fala apresentada acima, é importante notar que o processo de autopercepção de Dora como aprendiz é afetado pela comparação feita entre o seu desenvolvimento e o das/os colegas de sala. No excerto anterior, destaca-se também a importância dada à interação em PL2 promovida fora de sala de aula. Conforme Dora sugere, a principal característica que diferencia Marc e ela é a oportunidade que cada um tem para praticar a L-A. Nesse sentido, sua aprendizagem foi afetada, principalmente, pela falta de oportunidades de interação.

Em outro momento da investigação, perguntei a Dora se ela estava satisfeita com o resultado de sua aprendizagem. Veja o que ela disse no Excerto 58:

“Não, ainda não porque fa… é… conversar com as pessoas, eu tô com

vergonha, tô com medo. Por exemplo, para falar com minha professora, eu tô com medo, tô com vergonha porque eu me disse eu vou falar mal essa palavra… Então, ela vai ficar com raiva… Ela já explicar essa palavra. Eu tô com medo todo o dia… Como que… eu… que falar com ela. Não é para falar com outras pessoas, eu falo… Só vergonha, mas com ela… Eu me disse que… Ela aprender a pronunciar essa palavra, mas até agora eu não consegui aprender a falar.” (Dora - E1)

Tanto no processo de aprendizagem formal quanto informal, Dora se encontra sob a influência da vergonha e do medo. Para ela, isso é uma característica de sua personalidade e, por isso, seria difícil de ser mudada. Apesar disso, perguntei se ela se sentia capaz de falar PL2 em qualquer lugar. A resposta final foi (Excerto 78):

“Sim, acho que sim… igual se… tô falando com você… porque não falar com as pessoas…” (Dora - E1)

Apesar de contraditório, seu discurso indica que as identidades estão em constante construção e interação com o ambiente, sugerindo que as capacidades de agência e de investimento sobre a L-A estão vivas no sujeito.