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4.1 Experiências linguísticas

4.1.2 A voz dos aprendizes

4.1.2.4 O PL2 em sala de aula

Esta seção se dedica à relação entre os estudantes e o PL2 em sala de aula. Para iniciá-la, ofereço o ponto de vista de Marc sobre a realidade linguística da turma de francófonos. Segundo ele, “não é bom os africanos chegam aqui estudar na mesma sala,

na mesma turma”, pois “quando a professora não está na sala, o grupo só fala francês”

(Excerto 32). Conforme veremos na seção sobre crenças, Marc acredita que seria melhor se os alunos de uma turma tivessem apenas o PL2 como língua de comunicação. Apesar

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disso, para o estudante, a experiência de aprendizagem formal tem sido muito boa. Ele afirma que tudo o que sabe se deve à escola. Conforme Excerto 33, Helena, Júlia e Rita são professoras boas, inteligentes e preocupadas em tirar as dúvidas dos alunos. Atentas às várias questões relativas ao Celpe-Bras, além da gramática, um dos aspectos trabalhados foi a importância da calma durante a realização do exame. Um exemplo disso foi o encontro do dia 15 de outubro de 2012. Na ocasião, Helena reuniu toda a turma para transmitir votos de tranquilidade para o dia do exame. Ao final do encontro, a professora pediu que uma estudante evangélica, um estudante católico e um estudante mulçumano fizessem orações direcionadas ao momento tão importante em suas vidas.

De modo geral, as impressões de Marc sobre sua relação com o PL2 são positivas. Ele se posiciona como aprendiz que se sente obrigado e tem vontade de falar a L-A o máximo possível, buscando potencializar a aprendizagem. A meu ver, as experiências diretas de Marc podem ser descritas pela tranquilidade e segurança na interação em português.

Quanto às experiências diretas de Dora, perguntei se ela estava satisfeita com o seu desenvolvimento em PL2. Sobre isso, veja, abaixo, sua resposta no Excerto 34, que descreve as sensações experimentadas pela aprendente ao falar a L-A em sala de aula:

“Não, ainda não porque… é… conversar com as pessoas, eu tô com vergonha, tô com medo. Por exemplo, para falar com minha professora, eu tô com medo, tô com vergonha porque eu me disse: “eu vou falar mal essa palavra… Então, ela vai ficar com raiva… Ela já explicar essa palavra”. Eu tô com medo todo o dia… (Dora - E1)

A partir do trecho acima, nota-se que a participação de Dora em sala de aula é afetada pela autopercepção no desenvolvimento da L-A. No contexto de aprendizagem direta, a estudante experimenta sensações variadas, como medo e vergonha. Essas sensações parecem remontar à experiência marcante narrada por Dora na subseção anterior. Por isso, a aprendente espera ser repreendida pela professora caso fale errado: “Então, ela vai ficar com raiva… Ela já explicar essa palavra” (Excerto 34).

As observações indicaram que, dentre todos da turma, Dora era a que menos participava das aulas por iniciativa própria. Assim, somando a observação ao Excerto 34, é possível inferir que os sentimentos de medo e vergonha tenham sido fatores implicantes no processo de aprendizagem de PL2, propiciando seu isolamento e silenciamento.

Para saber um pouco mais da relação entre Dora e a escola, perguntei a ela o que mais gostava ali. Segundo a aprendente, ela gosta de tudo e “está feliz porque aqui é

como uma família” (Excerto 35). Para ela, diferente do que acontece no Benin, as

professoras do Brasil são como amigas: “Lá no meu país quando os professores entre na

sala, eles ficam bravos com todo mundo” (Excerto 35). Essa percepção foi corroborada

pelas observações, nas quais se verificou o esforço das professoras em integrar os intercambistas à realidade brasiliense. Ao longo do curso, foram organizados passeios, festas e atividades diversas fora da sala de aula. Apesar disso, Dora ainda se sentia intimidada com a autoridade docente.

É importante destacar que o Excerto 35 foi preponderante para as interpretações feitas nesta análise. A fala de Dora sugere traço distintivo entre suas experiências e as de Marc, separando-as em duas esferas da vida: pública e privada62. No excerto, Dora afirma que a turma de PL2 “é como uma família”, pois foi organizada a partir de estrutura semelhante a familiar, estabelecendo laço de afetividade e responsabilidade entre todos. Seguindo essa proposta, a sala de aula seria o espaço privado do lar. Já as experiências indiretas (vividas fora da sala de aula) seriam experiências do âmbito público. Assim, ao longo da análise de dados, classifiquei as experiências dos estudantes a partir de dois contextos principais: dentro e fora de sala de aula. Essa divisão contribuiu para o ajustamento do olhar investigativo sobre as experiências em PL2 dos aprendizes.

Diferente de Dora, a participação nas aulas de PL2 não causa apreensão a Marc. Assim, enquanto o discurso sobre as experiências diretas do estudante está associado à sensação de tranquilidade e segurança, o discurso de Dora está marcado pela vergonha e pelo medo. Essa orientação do olhar sugere que as experiências dos aprendizes se diferenciaram em formas, frequências e qualidades, que produziram efeitos nos sentimentos e nas emoções experimentados. Os tipos de experiências vividas por Dora e Marc parecem reproduzir estereótipos de gênero63, que serão contestados ao longo da análise. Dessa forma, o estudo propõe repensar e questionar a naturalidade dos atributos que, com frequência, são associados à mulher ou ao homem, lançando luz sobre as historicidades envolvidas no processo de aprender PL2 e buscando perceber como cada um dos aprendizes se relaciona com a língua-alvo.

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Como esta investigação foi realizada com uma mulher e um homem com experiências na L-A radicalmente diferentes, o gênero como uma categoria conceitual se mostrou indispensável para o avanço das discussões sobre os processos de EALin.

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