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2.3 Crenças sobre ensino-aprendizagem de línguas

2.3.1 Paradigmas em torno das crenças

Na ciência, o conceito de crenças é bastante antigo, principalmente, na Filosofia, Sociologia e Psicologia (BARCELOS; VIEIRA-ABRAHÃO, 2006; SILVA, 2010). De modo geral, nas diversas áreas do saber, as discussões apresentam a noção de crenças como fontes de interpretação, utilizadas para organizar e dar sentido à realidade social.

Para o estudo desse conceito, há tantas perspectivas epistemológicas como terminologias. Woods, em 1996, já descrevia essa abundância teórica ao se referir à existência de uma verdadeira floresta terminológica em torno das crenças, também denominadas: conhecimentos, culturas, filosofias, ideias, mitos, pressupostos, opiniões, representações, teorias, etc (BARCELOS; VIEIRA-ABRAHÃO, 2006; SILVA, 2010)17.

No campo de investigação voltado aos processos de EALin, a noção de crenças é introduzida por Hosenfeld, em 1978, sob a designação de miniteorias de aprendizagem de línguas de alunos (BARCELOS, 2004). No entanto, o termo crenças sobre aprendizagem de línguas, propriamente dito, aparece, pela primeira vez na LA, por meio do BALLI (Beliefs

About Language Learning Inventory), inventário elaborado por Horwitz, em 1985, que tinha

como objetivo levantar as crenças de aprendizes de línguas estrangeiras. Os primeiros

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Sobre os termos mais utilizados em substituição a “crenças”, cf. Barcelos e Vieira-Abrahão (2006) ou Silva (2010).

trabalhos de Horwitz marcaram os estudos realizados em crenças (BARCELOS, 2001; 2004). Na década seguinte, no Brasil, Leffa (1991) investigou as concepções de língua e linguagem de aprendizes da 5ª série. Pouco tempo depois, Almeida Filho (1993) definiu o termo cultura de aprender, que corresponde às formas como o aluno estuda e se prepara para aprender a L-A. Para Almeida Filho (1993), essas formas de aprender são internalizadas de maneira natural e implícita, ao longo do tempo, por determinado grupo social. O termo cultura de aprender teve continuidade com o estudo de Barcelos (1995), que se ocupou das crenças de estudantes de graduação em Letras. Naquele momento, Barcelos (1995, p. 40) definiu cultura de aprender como o “conhecimento intuitivo implícito (ou explícito) dos aprendizes, constituído de crenças, mitos, pressupostos culturais e ideais sobre como aprender línguas”.

Nas quase três décadas de produção de conhecimento científico sobre crenças na LA, os estudos realizados foram orientados por diferentes pressupostos teóricos e preferências metodológicas que conformam abordagens de investigação. Barcelos (2001) identifica essas abordagens a partir de três modelos principais, a saber: a abordagem normativa, metacognitiva e contextual. Essas diferentes abordagens de investigação em crenças seguiram tendências relativas às discussões epistemológicas em torno do que é ciência e como se faz.

A primeira abordagem, chamada normativa, compreende crenças como algo estático, imutável e, às vezes, errôneo (BARCELOS, 2004). Nesse momento, as pesquisas estavam voltadas mais para o levantamento de crenças que para a investigação de sua funcionalidade na vida real. Essa abordagem estava fundada sobre o paradigma moderno que, iniciado no século XVI e consolidado no XIX, perdurou com muita força até ser questionado criticamente nos anos 60. O modo de pensar e produzir ciência, a partir do paradigma moderno, sustenta-se por alguns pilares epistemológicos, tais como: o princípio da determinação causal, o naturalismo, o essencialismo, o racionalismo, o pensamento dicotômico, o transcendentalismo, a ordem universal e o objetivismo (BANCHS, 2011). Além disso, o rigor da observação e da experimentação é garantido por meio dos instrumentos e, principalmente, da matemática, que permite a organização e a análise da natureza, pois se fundamenta nos princípios da quantificação e da redução da complexidade do mundo (BANCHS, 2011).

Já na abordagem metacognitiva, o construto cognição passa a ser difundido e associado a crenças. Contudo, a tendência prescritiva na investigação e na análise de dados é mantida, sob a influência do paradigma moderno. Para os estudos realizados nessa segunda abordagem, como Wenden (1987), Victori (1992), Victori & Lockhart, (1995) (apud BARCELOS, 2001), o conhecimento metacognitivo é definido como estável, declarável, abstrato, falível e situado dentro da mente dos aprendizes. Para Wenden (1986; 1987 apud

MICCOLI, 2010) as crenças têm sua origem nas experiências individuais dos aprendizes, podendo ser compreendidas a partir do conhecimento que os indivíduos têm a respeito de seus processos cognitivos. Apesar disso, para Barcelos (2001), as abordagens normativa e metacognitiva ainda apresentam certa fragilidade conceitual ao não considerarem a relação entre crenças e contexto.

A última abordagem de pesquisa em crenças, adotada neste estudo, é denominada contextual. Nesse novo momento, as crenças passam a ser estudadas a partir de sua funcionalidade. Além disso, são percebidas como dinâmicas e socialmente construídas a partir de contextos determinados. Essa abordagem é caracterizada por repensar o papel da linguagem e da língua nas relações sociais e nas construções das diversas maneiras de compreender o mundo e a nós mesmos. Com a ressignificação do papel da linguagem, a terceira abordagem de investigação das crenças passa a ponderar a influência de fatores externos no processo de EALin. A abordagem contextual é influenciada pelo paradigma qualitativo, que percebe a realidade como construção social e reconhece a subjetividade como parte da produção do conhecimento. Assim, teorias e conceitos sociais, históricos e culturais, tais como os apresentados por Vygotsky, Bakhtin e Dewey são muito presentes nessa abordagem (BARCELOS; VIEIRA-ABRAHÃO, 2006).

Para dar conta da realidade (tanto social como subjetiva), que conforma o sistema de crenças, tido como complexo, dinâmico e paradoxal (BARCELOS; VIEIRA-ABRAHÃO, 2006), a abordagem contextual se distingue pela pluralidade metodológica por meio do uso de instrumentos de pesquisa, tais como: entrevistas, diários, metáforas, narrativas, desenhos, observação de aulas. Nessa abordagem, são representativos, por exemplo, os estudos de Kalaya (1995) e Nunan (2000). A primeira pesquisadora compreende crenças como socialmente construídas e relacionadas ao contexto, admitindo, assim, a possibilidade de transformação. Já o segundo investigador destaca a importância de se considerar as experiências18 e as identidades19 dos aprendizes para a compreensão das crenças.

Nesta subseção, buscou-se evidenciar como transformações epistemológicas no interior da LA foram decisivas para a promoção de pesquisas em crenças realizadas a partir de diferentes abordagens teórico-metodologicas (BARCELOS, 2004a). Parte dessas mudanças está marcada por dois aspectos centrais, que dizem respeito ao surgimento de uma nova concepção de linguagem e à reconfiguração dos papeis de professores e alunos. Conforme Larsen-Freeman (1998, p. 207), “passamos a perceber o aprendiz como pessoas completas

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O conceito de experiências foi explicitado na seção 2.2 Experiências.

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com dimensões comportamentais, cognitivas, afetivas, sociais, experienciais, estratégicas e políticas”. Nesse sentido, a virada do paradigma em torno da linguagem e dos papeis dos atores envolvidos no processo de EALin foi decisiva para o desenvolvimento de estudos sobre CEAL ocupados em produzir arcabouço teórico com foco na aprendizagem de línguas para o uso na vida real.