• Nenhum resultado encontrado

4.1 Experiências linguísticas

4.1.1 O olhar geral e externo das professoras

4.1.1.4 As professoras falam sobre Dora e Marc

Nesta subseção, busquei evidenciar as falas das professoras dirigidas, especialmente, a Dora e Marc.

Com o objetivo de refinar o olhar investigativo sobre os caminhos traçados pelos estudantes, retomo a conversa com Helena sobre possíveis questões implicativas no processo de aprendizagem de PL2. Na opinião da professora, “há uma habilidade de

aprender línguas estrangeiras” e “alguns têm essa habilidade, outros não”. Apesar da

crença, Helena se apropria de questões sociais para justificar as especificidades na aprendizagem da L-A, ignorando as habilidades cognitivas individuais. Como exemplo disso, no Excerto 15, ela fala sobre a situação específica de Dora que, dentre os estudantes, é a que passou por maiores restrições econômicas:

“Porque eu acho que existe uma habilidade de aprender uma língua estrangeira. E, aí, alguns têm uma habilidade maior [...]e outros não. E, por exemplo, a Dora tem milhares de problemas familiares que criaram uma barreira. E ela não quer estar aqui. Porque ela saiu. E ela fazia o curso superior lá. E o irmão dela tava pagando. E ele disse para ela não vir. Aí, ela veio mesmo assim. E ela acreditava que ele iria continuar ajudando ela. Então, deles, ela é a única que não recebe nem um real da família. Então, ela vive da ajuda dos outros. Então, para ela, tá sendo muito difícil. Ela criou uma barreira de preguiça de estudar. Quando eu vou a casa deles, ela só vive deitada no canto, dormindo”. (Helena - E1)

Segundo Helena, a situação de Dora foi a mais marcante do grupo. Durante o período de aprendizagem do PL2, as experiências dela no Brasil não foram as melhores e isso parecia se refletir diretamente em seu desempenho escolar. Conforme constatação da docente, em casa, “ela só vive deitada no canto, dormindo”. Júlia endossou o relato sobre a frequência com que Dora sentia sono em suas aulas, fato que provocou desentendimentos entre as duas: “Eu botei a Dora para fora de sala porque ela tava de

cabeça baixa. [Dora diz:]-Professora, eu não sabia, eu não sabia” (Júlia - E1). Para

Rita, o sono que aluna sentia em suas aulas se tratava apenas de “preguiça”, o que afetou diretamente sua aprendizagem do PL2: “A Dora, se não fosse a preguiça na hora do

almoço, ela estaria bem melhor” (Rita - E1). Para as docentes, o sono representa

desinteresse pela aprendizagem da L-A. Conforme Helena, o desinteresse não é generalizado, mas é restrito há apenas duas alunas de todo o grupo: “Mas, sabe, eu só consigo ver falta de interesse na Dora e na M1, nos outros não” (Helena - E1).

Apesar da imagem criada pelas professoras a respeito de Dora (relacionada ao desinteresse e à preguiça), Rita enxerga desenvolvimento positivo na aluna que, ao longo do curso, apresentou crescimento gradual em sua competência linguística à medida que seu esforço também aumentou. Rita conclui que a participação no curso de extensão contribuiu muito para o desenvolvimento na L-A. Ao contrário das outras professoras, ela não via Dora como uma “aluna problema”, mas como uma “aluna com dificuldades, mas

que levava a sério o curso”. Veja o Excerto 16 apresentado abaixo:

“[Sobre o curso de extensão] Eu vi que ela teve um crescimento muito grande porque ela começou a se esforçar também, né. E, outra coisa, ela leva a sério, parece, entendeu. [...]Então, isso me faz pensar em atividades específicas, não para ela, mas para o nível dela”. (Rita - E1)

Segundo Rita, nota-se que a postura de Dora mudou a partir de seu ingresso na turma de extensão. A meu ver, essa mudança pode ter sido promovida pela imersão em grupo com nova estrutura organizacional e de poder, o que favoreceu o investimento na L-A.

As características de Dora fizeram com que Rita refletisse mais sobre as atividades levadas à sala de aula. Apesar da preocupação, a professora acredita que atividades específicas devem ser pensadas a partir do nível de proficiência e não da própria biografia da aprendente: “isso me faz pensar em atividades específicas, não para

ela, mas para o nível dela”, o que sugere concepção de ensino de línguas alheia às

biografias das/os aprendentes.

De modo geral, as descrições de Marc são bastante positivas, sendo possível caracterizá-lo como um estudante bem relacionado, proativo e aventureiro. O relato de Helena sobre o passeio organizado ao Parque da Cidade representa bem o investimento dele na aprendizagem de PL2 e na interação com os brasileiros. Veja o Excerto 17:

“A gente foi para o parque para fazer um piquenique, né. Aí, de repente, o Marc e o H6 sumiram. E eles andam iguais. Tudo o que o Marc tem, ele divide. A mãe dele mandou um monte de coisa para ele: aqueles óculos que ele usa, que não tem grau nem nada, né; umas pulseiras. Todo, todo arrumado. Bem bonito. Daí, quando eu vi, cadê ele? [...]Eles estavam no calçadão. Todo mundo que passava, eles cumprimentavam para fazer amizade. ‘E, aí, cara! Eu sou o Marc. Quer vir comigo?’ Aí, eu: Marc, que isso? E eles gostam dos brasileiros, eles têm amigos brasileiros, amigos na igreja”. (Helena - E1)

Conforme Helena, quanto à proficiência, o estudante estaria na faixa da normalidade. Já em relação à interação em sala de aula, Marc estaria no grupo dos mais participativos. Júlia e Rita endossam a visão de Helena. Para Júlia, ele está entre o grupo de alunos que sempre participam “com vontade e felicidade” (Excerto 18). Já Rita afirma que o aprendiz é sempre muito participativo (Excerto 19).

Para encerrar esta subseção, discuto a visão das professoras sobre a possibilidade de aprovação dos estudantes no Celpe-Bras. A percepção docente sobre o tema será importante para a compreensão dos autorretratos dos aprendizes apresentados na seção de identidades. Sobre essa questão, veja o que Helena disse no Excerto 20:

“Por exemplo, a Dora e a M1 eu tenho as minhas dúvidas. Mas a Dora… Eu tenho muito medo de não conseguir, sabe. Mas eu não culpo tanto o nosso trabalho. Mas todos os problemas que envolveram os alunos nesse tempo todo.” (Helena - E1)

Novamente, Helena justifica a dificuldade de Dora na aprendizagem de PL2 com base em fatores sociais externos à sala, o que sugere contradição em relação ao discurso sobre habilidades e competências individuais como atributos imperativos para a aprendizagem da L-A. Apesar de Júlia não conhecer o formato do Celpe-Bras, para ela, quatro alunos correm o risco de não serem aprovados, são eles: “a Dora, a M1, o H3 e a

M3” (Excerto 21). É interessante notar que, dentre os quatro estudantes, três são

mulheres. Já Rita afirma ter pouco receio de que algum estudante seja reprovado. No entanto, ela cita alguns nomes que correm perigo: “a M3, o H4, a Dora, a M1” (Excerto 22). De modo geral, as professoras compartilham opinião sobre a dificuldade predominante das meninas e, principalmente, de Dora. No entanto, para Rita, há possibilidade da aprendente obter certificação no nível intermediário II. Em sua opinião, mesmo com algumas restrições, “ela consegue conversar bastante” (Excerto 23).

Nesta subseção, apresentei, primeiramente, o panorama geral da turma de intercambistas a partir da ótica das professoras. Em seguida, especifiquei as experiências das docentes com Dora e Marc, buscando reconstruir parte do contexto em que os aprendizes estavam inseridos. Ao final, apresentei as opiniões das docentes sobre a possibilidade de Dora e Marc serem aprovados no Celpe-Bras. Conforme exposto, enquanto Marc é descrito como um bom aluno, apenas Dora é motivo de preocupação. Contrastes como esse serão analisados ao longo da dissertação.

vividas no Brasil.