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4.1 LEITURA E A ESCRITA NO CICLO DA ALFABETIZAÇÃO: DO ENSINO DAS

4.1.3 Práticas pedagógicas de produção de textos

4.1.3.1 Antes da produção de textos

registros referentes à produção de textos. Registros esses extraídos das trinta e oito aulas observadas, das entrevistas com as professoras e da análise dos planos de estudo. A escolha pela seleção do que será apresentado levou em consideração a opção por apresentar nesta tese as práticas que mais significaram para os alunos, ou seja, as que mais motivaram os alunos na perspectiva do olhar da observadora. E, para organizar a apresentação, optou-se por dividi-las em três sessões: a) antes da produção do texto; b) durante a produção do texto; c) depois da produção do texto; pois foram identificados esses três momentos nas práticas pedagógicas das professoras e também porque é considerável que toda a produção de texto que prima pela qualidade passa por esses três momentos.

4.1.3.1 Antes da produção de textos

Antes de iniciar a produção de textos, é importante trabalhar com os alunos algumas orientações que irão contribuir para a produção de textos com qualidade do ponto de vista do conteúdo e da forma. Por isso, tão importante quanto a escrita é o período que antecede a ela. Nas turmas investigadas, ocorreram práticas relacionadas com o antes do momento da produção de texto. Como exemplo, podem-se citar:

a) Conceito de produção textual

Como primeiro exemplo, apresenta-se a conversa da professora do segundo ano com seus alunos sobre o conceito de produção textual:

P2: Já copiaram a rotina? Hoje, uma das atividades é a produção textual.

C1: O que é isso, prô?

P2: Produção textual. Produzir um texto. Quer dizer escrever sobre um assunto, colocar as ideias no papel de forma clara, observando algumas regrinhas como o espaço entre as palavras, o ponto no final da frase e também usar de diferentes palavras para deixar o texto bonito. Entenderam?

Cs: Sim.

P2: Vocês já fizeram muitos textos bonitos, já fizeram produções textuais. Estão lembrados?

Cs: Sim, prô.

Na fala da professora, percebe-se que o conceito de produção textual é apresentado aos alunos com a ideia de uma escrita espontânea, não relacionada à cópia, mediante uma linguagem compreensível para os alunos. Também é possível perceber que há a orientação para uma escrita correta do ponto de vista ortográfico e gramatical, de forma que a criança construa um texto esteticamente “bonito” (apesar de a palavra bonito ser carregada de subjetividade), através da utilização do vocabulário. Efetivamente, a fala da professora foi importante para a turma na medida em que esclareceu a dúvida surgida acerca do conceito de produção textual, mas principalmente porque abordou elementos importantes para a escrita de um texto, entre eles, a clareza de linguagem, o vocabulário e a ortografia.

Sobre tais afirmações “texto bem escrito x ortografia correta”, há uma diferença significativa entre ambas, o que deve ser considerado pelo professor que trabalha com turmas de alfabetização. Para exemplificar a ideia, em uma mesma turma de anos iniciais, há crianças que produzem textos expressivos, com frases longas, porém, apresentando problemas relacionados à ortografia; enquanto outras que escrevem textos curtos, pouco expressivos, quase ou sem erros ortográficos. Nesse caso, qual seria o texto bem escrito? Essa questão remete à reflexão sobre a importância de se trabalhar os dois assuntos: produção escrita e ortografia, informando às crianças que ambas são importantes para a escrita de um texto, como fez a professora da turma de segundo ano.

b) Apresentar aos alunos as características do texto a ser produzido

É importante oferecer aos alunos diversos tipos de textos, de vários gêneros textuais, assim, ao se solicitar que produzam um texto de um determinado gênero, como a poesia, por exemplo, eles já conhecerão as características desse gênero. Por isso, é necessário que as práticas pedagógicas utilizem como recursos diferentes tipos de textos, como também contemplem a explicação das características peculiares de cada texto, como estilo e forma de linguagem. Essa preocupação foi observada durante o período da pesquisa, como se pode verificar:

P2: Vamos produzir uma história em quadrinhos. Esse tipo de história, de texto, geralmente apresenta falas em balões. Vocês já sabem disso porque leem muito história em quadrinhos aqui na sala, né?

Cs: Sim.

P2: E qual ou quais as histórias que vocês mais gostam? C1: Da Mônica.

C2: Do Cebolinha e do Cascão.

P2: E vocês já perceberam que há diferenças nos balões das falas? Eles não são todos iguais. Também tem diferença na forma como eles se expressam, na expressão facial, nos rostos.

C3: O que é isso?

P2: As expressões do rosto, assim: feliz, zangado, triste. Entenderam? Cs: Sim.

(Observação registrada no diário de aula, no dia 01/04/2015)

A professora, então, explicou para a turma que, em uma história em quadrinhos (HQ), há diferentes balões e que cada formato corresponde a um significado. Ela exemplificou através de balões desenhados no quadro e também falou sobre a expressão facial dos personagens, que também deve ser observada no momento de se produzir um texto (demonstrou representando com a face). Depois, solicitou que cada aluno pegasse um gibi no cantinho da leitura para observar os diferentes balões: o de fala, o de pensamento, o de sono, o formato que significa que alguém zangado etc. Nesse momento, todos os balões continuavam desenhados no quadro para que os alunos vissem. Na sala, havia gibis disponíveis para todos os alunos. Os alunos ficaram aproximadamente dez minutos, manuseando, lendo gibis, observando os balões e as expressões dos persnonagens. Na sequência, a pofessora retoma o assunto e fala sobre características de um texto de história em quadrinhos:

P2: Agora que vocês já sabem sobre os balões, tem outra coisa que eu quero explicar. Nos gibis, o que acontecia com os personagens? C1: Eles queriam achar o gatinho.

P2: Não, não é sobre o conteúdo da história. O que acontecia com os personagens da história, como eles se comunicavam?

C2: Pela boca.

P2: Sim, e se é pela boca eles estavam fazendo o quê? C2: Conversando.

P2: Sim. Então, na história em quadrinhos, vocês vão escrever um diálogo, uma conversa, ou só uma fala, quando é só um personagem. Os balões significam a fala de alguém. Não é para contar uma história, como vocês já fizeram em outras ocasiões, em outros tipos de textos. Neste tipo de texto é para escrever falas. Entendido?

Cs: Sim, prô.

P2: Mas nas falas tem que obervar o formato dos balões e a expressão do personagem tá? Lembrem dos gibis.

Cs: Tá, sim.

Na sequência, a professora entregou uma folha com uma história em quadrinhos do personagem Chico Bento, da Turma da Mônica, para os alunos completarem os balões com a fala do personagem.

Figura 33 - Material para Produção de texto: história em quadrinhos

Fonte: atividade entregue pela professora em aula (2015).

Sobre esta atividade, a oportunidade de conhecer as características do gênero textual história em quadrinhos contribuiu para a compreensão do que estava sendo solicitado. Foi observado que apenas duas crianças da turma não compreenderam que a produção de uma história em quadrinhos solicitava o registro de falas. Destas, uma fez o registro de uma narrativa e outra é uma criança que, geralmente, necessita de auxílio da professora para desenvolver as atividades de escrita. O que leva à conclusão de que as práticas pedagógicas que contemplam o uso de diferentes tipos de textos irão contribuir para as produções escritas dos alunos e que principalmente a preparação inicial para a atividade, apresentando as características do gênero a ser produzido, contribuiu para o desenvolvimento da atividade. Houve a necessidade de a professora retomar os balões da história, mas isso se devia ao fato de que, na atividade solicitada, os balões estavam com o formato parecido, o que causou dúvidas iniciais nas crianças, o que não aconteceu quanto às expressões faciais. Após o desenvolvimento da escrita da história, houve a leitura e foi possível verificar que a preparação para a atividade qualificou os escritos, porque as crianças compreenderam as características do gênero textual história em quadrinhos antes de reproduzi-lo.

Por conseguinte, isso remete à ideia de alfabetização numa perspectiva de letramento, de forma a apresentar aos alunos os conhecimentos dos diferentes tipos de textos e materiais escritos que circulam socialmente, para depois ensiná-los a reproduzi-los. Por esse motivo, quando um professor pedir para sua turma escrever um texto informativo sobre a acerola como importante fonte de vitamina C, por exemplo, ficará mais acessível a escrita para quem já viu, ou degustou, ou leu sobre a fruta. O mesmo pode ocorrer quando for solicitado que criem uma receita, visto que, possivelmente, ficará mais correta a escrita de quem já teve contato com este gênero textual, seja na escola ou no meio familiar e social.

c) Planejamento do que será escrito: produção de um roteiro

Decerto, orientar os alunos para fazer um roteiro ou planejamento do que será escrito (os personagens, local da história, acontecimento a ser narrado) também contribui para a produção de textos com qualidade, assim, eles elaboram um texto a partir de um roteiro já pensado, elaborado mentalmente. Essa orientação para o planejamento do que seria escrito foi possível de observar na conversa da professora do terceiro ano com seus alunos:

P3: Turma, agora vamos para a atividade de escrita de texto. Vocês receberam uma folha que contém três cenas. Observem as cenas. C: Só isso?

P3: Só isso por enquanto.

P3: Antes de começar a produzir o texto eu quero que vocês coloquem as cenas na ordem que vocês pensam ser a mais adequada, depois pensem sobre a história. Que nome têm essas crianças? Onde estão? O que aconteceu com elas? O que uma disse para a outra? O que aconteceu com os animais? Tudo isso antes de começar a escrever. Façam anotações sobre isso.

(Observação registrada no diário de aula, no dia 02/07/2015)

A fala da professora levou as crianças a fazerem um planejamento do que seria escrito. Na ocasião, algumas crianças fizeram breves anotações na folha, outras no caderno, de um roteiro sobre a história (outras não fizeram). No momento de registrar no caderno, a história já estava internalizada na memória, faltaria acrescentar os detalhes que viriam com a escrita. Neste dia, a professora explicou para a turma que a ideia de planejar antes era para que, na hora, não surgissem falas como: “não sei o que escrever, não tenho ideia”. Dessa forma, planejar o texto antes, criar um roteiro, daria as informações necessárias para a produção escrita. Corrobore-se, planejar o que se pretende escrever é algo que faz parte do que Rana e

Augusto (2011) chamam de “comportamento escritor” e que, conforme as autoras, com o

tempo, passa a ser interiorizado, ou seja, as crianças passam a criar roteiros apenas mentalmente. Após o roteiro, as crianças produziram seus textos, que foram lidos para os colegas. Nos textos, foi possível identificar o resultado do planejamento: quem eram os personagens, suas falas, o local, o acontecimento.

Figura 34 - As cenas entregues para as crianças

Fonte: registro da pesquisadora (2015).

Figura 35 - Texto produzido por aluna do 3º ano