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Resolução de conflitos e combinações: oportunidades para aprender a

4.3 APRENDIZAGENS QUE ULTRAPASSAM OS CONTEÚDOS ESCOLARES

4.3.1 Resolução de conflitos e combinações: oportunidades para aprender a

Basta transitar por escolas e conviver com professores para perceber, de imediato, que atualmente uma das maiores aflições do professor está relacionada aos diferentes conflitos que surgem durante as aulas. Conflitos esses que não estão previstos nos conteúdos ou objetivos elencados nos planos de estudo e que tampouco foram previstos no planejamento docente. Esses conflitos geram queixas de educadores e de profissionais da área da educação, que alegam que, antigamente, ensinar era diferente, ou seja, não havia tantos conflitos no ambiente escolar, ou ainda, que ser professor hoje é mais difícil do que era antigamente. Quando ouço essas afirmações, recordo-me de uma frase de Gadotti (2011, p. 23): “Ser professor hoje não é nem mais difícil nem mais fácil do que era há algumas décadas atrás. É

diferente”. E é com essa diferença que os professores precisam trabalhar. Diferença esta que

está principalmente relacionada ao comportamento dos alunos, gerada por questões relacionadas às novas tecnologias e à cultura letrada, que interferem na cultura e na educação

das crianças. Sobre a questão das tecnologias na sociedade letrada, Ferreiro (2012) comenta sobre uma questão que faz toda a diferença nesse estranhamento de muitos professores, quando sinaliza que os professores viram chegar a tecnologia, enquanto que os alunos que estão no ensino fundamental são crianças que nasceram com a tecnologia instalada na sociedade, como por exemplo, os computadores. O que, muitas vezes, pode ser origem de conflitos no ambiente da sala de aula, pois as tecnologias estão, cada vez mais, influenciando a educação das crianças, ocupando, muitas vezes, um espaço que seria (ou deveria ser) da família e da escola.

Situações de conflitos e ocasiões em que são realizadas combinações são comuns no ambiente escolar, sendo também oportunidades que o professor tem para trabalhar aprendizagens que não estavam previstas no planejamento e que, muitas vezes, tratam sobre questões relacionadas ao convívio familiar e social. Lidar com essas situações, no sentido de torná-las momentos de aprendizagens, é um aspecto importante da prática docente, algo evidenciado nas três turmas investigadas, conforme se pode constatar nos relatos retirados das observações registradas nos diários de aula, durante o período da pesquisa.

Quadro 22 - Situações de conflito e combinações ocorridas no espaço escolar

Data Turma Situações de conflitos e combinações

30/03/15 2º ano Durante a aula, ocorre um desentendimento entre dois alunos, a professora então chama os dois para uma conversa:

P2: “Nossa turma vive em harmonia, peçam desculpas um para o outro”.

Os alunos se olham e pedem desculpas um para o outro e retornam para as suas atividades.

02/04/15 2º ano Um aluno começa a cantarolar alto durante a aula e outro colega pergunta:

C: “Quem é o chato que está cantando?”.

A professora intervém:

P2: “Não é nenhum chato, pois na sala não existem chatos,

mas é alguém que está cantando e por este motivo não conseguirá prestar atenção na tarefa que está fazendo. Por isso, a prô acha melhor essa pessoa não cantar neste momento. Mas depois, no recreio, e em outros momentos, essa pessoa vai poder cantar bastante”.

Data Turma Situações de conflitos e combinações

17/04/15 2º ano No momento de ir ao refeitório, uma criança, ao passar pela outra, bate em seu braço.

A criança imediatamente se queixou com a professora, que chamou a criança que bateu e disse:

P2: “Tu bateu” na colega?

C: Sim, mas foi sem querer.

P2: Mesmo que tenha sido sem querer, o que devemos fazer numa situação como essa?

C: Ah, já sei, pedir desculpas.

P2: Isso mesmo, então aproveita e faz isso agora”.

A professora então chama a outra criança e o colega que bateu no braço e pediu desculpas:

C: “Desculpas”.

P2: Não, assim, não! É desculpa verdadeira, olhando para o rosto da coleguinha.

C: Desculpa por ter batido em ti.

P2: Isso, assim, sim. Desculpa verdadeira, de amigos. Agora vão lá, juntos ao refeitório”.

27/04/2015 2º ano No retorno do lanche:

C: “Pro, o ‘G’ jogou papéis no chão na hora do lanche.

P2: Vocês conversaram com ele? Sempre que acontece isso é muito importante vocês conversarem com o colega. Mostrar para ele, que ele não pode fazer aqui na escola o que ele não faz na casa dele. Um bom colega conversa com o outro e

orienta sobre o que ele faz de errado”.

29/04/2015 2º ano A professora inicia falando sobre a atitude da colega em entregar o balão para a professora, visto que a outra colega tem alergia a balões:

P2: “Vamos dar os parabéns para a ‘J’ que entregou o

balãozinho dela pra a prô, já que a colega tem alergia, não pode ter contato com balões.

C: Quem é a colega?

P2: A ‘M’. O que a ‘J’ fez é uma atitude de amizade e de

respeito, vamos dar os parabéns para ela porque ela teve uma

atitude muito bonita”.

Todos dão os parabéns, batendo palmas.

Data Turma Situações de conflitos e combinações

29/04/2015 2º ano Duas crianças saem dos seus lugares e vão até a lixeira para apontar seus lápis. Lá, começam a conversar, rir. A professora então diz:

P2: “Os compadres estão conversando aí na lixeira? Parece conversa de compadre, daqueles que não se veem há tempo”. 21/05/2015 1º ano Enquanto as crianças brincavam na praça, surge o diálogo:

C: “Prô, ontem ele tomou meu ‘refri’. P1: Mas ‘tu deu’ para ele.

C: Mas eu me arrependi.

P1: Mas é o que a professora sempre fala, tem que pensar nos nossos atos, porque depois não dá para se arrepender do que a gente já fez. Mas também ele só tomou um pouquinho!”.

Fonte: A autora (2016).

Estas foram algumas das situações evidenciadas durante o período das observações. Foram selecionadas para estar na tese porque ilustram a prática utilizada pelas professoras para trabalhar com os diferentes conflitos que surgiram no espaço escolar e que envolveram não apenas a aprendizagem dos conteúdos, mas também as relações interpessoais. Para resolver os conflitos que surgiam, as professoras optaram por trabalhar a partir de uma metodologia que valorizava o diálogo e a reflexão sobre as situações ocorridas. Outro ponto de destaque de suas práticas é que os conflitos eram resolvidos sempre no momento em que ocorriam, conforme se percebe por meio dos relatos presentes no quadro, como os que ocorreram na turma de segundo ano, quando as crianças eram chamadas pela professora para que se entendessem e se desculpassem. Como metodologia, todas as professoras lidaram com as situações através do diálogo com os alunos, apostando no relacionamento interpessoal para lidar com os conflitos ocorridos.

A professora do segundo ano era a que mais trabalhava com esses conflitos. Diariamente em sua turma, surgia alguma situação não relacionada ao planejamento docente na qual a professora necessitava intervir. Era de praxe a professora resolver a situação no momento em que ocorria, sempre através de uma prática que contemplou o diálogo e a reflexão por parte do aluno. Sobre a importância do diálogo nas relações, recorre-se ao mestre, Freire (1996), que dizia que, para ensinar, é preciso haver disponibilidade para o diálogo. Por conta do diálogo o professor transmite ao aluno a segurança sobre suas ações. Nesse sentido, o professor não deve (e nem pode) deixar passar as oportunidades de dialogar, discutir um tema, propor reflexões, expor posições, sempre através da oportunidade do diálogo entre as partes, oportunizando uma reflexão crítica, proveitosa e educativa.

Tenho conversado com colegas da escola na qual trabalho e com outros colegas do campo da educação sobre o quanto é necessário promover ações em sala de aula para

trabalhar diferentes situações que geram conflitos durantes as aulas. Estas ações, muitas vezes, são pensadas para ser desenvolvidas no planejamento, a partir de atividades, como desenvolvimento de projetos, combinações da turma, conversas coletivas, realização de atividades que possibilitam a reflexão. Embora sejam todas ações válidas e que podem gerar bons resultados, a melhor metodologia, no meu entendimento, é a que utiliza o diálogo e a reflexão e que, se necessário, possa também contar com o apoio da gestão e da família.