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4.1 LEITURA E A ESCRITA NO CICLO DA ALFABETIZAÇÃO: DO ENSINO DAS

4.1.2 Práticas de leitura e formação de leitores

4.1.2.1 Contação de histórias

Se havia pontos em comum nas turmas, como o canto da leitura, havia também pontos de divergência, como por exemplo, a intensidade lúdica para contar uma história. Curiosamente, isso era gradativo e decrescente nas turmas investigadas, ou seja, no primeiro ano, as histórias eram contadas, de forma bastante lúdica, quase que sempre utilizando recursos como fantoches, dedoches, com a professora imitando a voz dos personagens. Para a contação de histórias, a professora tinha o hábito de vestir um avental e utilizar diferentes recursos que deixavam a história ilustrada, lúdica e que passavam a ideia de que ler é divertido e que o momento da história é algo prazeroso.

P1: Eu vou falar sobre quem vem aí...

P1: Esse bicho é um mamífero. Aliás, mamífero faz o quê? C1: Eu sei, come folhas.

P1: Será?

C2: É quem toma “mamá”.

P1: “Mamá”?

C2: Leite, prô. P1: Isso!

P1: Outra pista. Ele mora na floresta. C2: A galinha!

P1: Será? Galinha toma leite? Mora na floresta? Cs: Não!

P1: Então o que galinha come? Cs: Milho, minhoca.

P1: Isso!

P1: Este animal é conhecido como o rei da floresta. Cs: Leão!

(Observação registrada no diário de aula, no dia 13/05/15)

Nesse dia, a partir desse diálogo, entrou na sala um aluno usando uma cabeça de leão, feita de espuma. As crianças aplaudiram, deram gritinhos de alegria e a professora anunciou

que iria contar uma história linda e interessante (adjetivos atribuídos pela professora), que tinha como personagem principal um leão. A professora mostrou o livro aos alunos, contou o nome da história: “A história do leão que não sabia escrever”, e falou quem era o autor (Martin Baltscheit), apontando para o nome que estava escrito na capa do livro.

Figura 21 e Figura 22 - Recursos utilizados para a contação de história - 1º ano

Fonte: registro da pesquisadora (2015).

Na sequência, houve a contação da história29 com a imitação da voz dos personagens, sendo que, para cada um deles, a professora emitiu um tom de voz. Durante a contação de história, também realizou pausas, ocasionando suspense e mostrou as imagens contidas na obra. As crianças permaneceram atentas e interessadas na sequência da narrativa. Em um canto da sala, era possível encontrar caixas e sacolas contendo diversos recursos e acessórios para momentos de leitura de obras da literatura infantil, como fantasias, fantoches, perucas e roupas. A utilização de recursos para a contação de histórias favorece a ludicidade do momento, sem com isso alterar o conteúdo do texto. Esses recursos podem estar relacionados com a história ou podem ser acessórios fixos utilizados pelo professor, como por exemplo, o avental para contação de histórias.

29 A obra traz a história de um leão que não sabia escrever e que se apaixonou por uma leoa que estava lendo um livro. O leão, então, resolveu escrever uma carta para a leoa, mas como não sabia escrever, procurou por animais da floresta para escrever a carta por ele. Escreveram cartas o macaco, o hipopótamo, o escaravelho, a girafa, o crocodilo e o abutre, cada um colocando suas vontades na carta. O leão não gostou de nenhuma das cartas, ficou furioso e rugiu alto todas as coisas maravilhosas que ele diria para a leoa se ele fosse capaz de escrever. A leoa ouviu, descobriu o segredo do leão: ele não sabia escrever. Então, a leoa decidiu ensinar o leão a escrever, começando pela letra A de ALEGRIA.

É possível encontrar a obra disponível em: http://pt.slideshare.net/beebgondomar/a-histria-do-leo-que-no-sabia- escrever.

Figura 23 - Caixas com materiais para momentos de contação de história – 1º ano

Fonte: registro da pesquisadora (2015).

Na turma do segundo ano, a contação de histórias era uma atividade que acontecia com menor frequência e, por vezes, tinha como propósito, na sequência, trabalhar conteúdos escolares. Porém, o momento da contação ou da leitura da história era algo lúdico e bastante apreciado pelas crianças. Nessa turma, foram contadas diferentes histórias, como narrativas, lendas, fábulas. Em determinadas ocasiões, a maneira como a leitura de um texto era desenvolvida acabava se transformando em uma história contada:

P2: Hoje a prô vai contar uma história bem legal, cheia de rimas. Vamos treinar um pouco as rimas antes?

Cs: Sim.

P2: Zero rima com?

Cs: Belo, caramelo, chinelo... P2: Um rima com? C1: Atum. P2: O que mais? C2: Algum. P3: Três rima com? ...

(Observação registrada no diário de aula, no dia 23/04/2015)

Na sequência, a professora fez a leitura do poema “Os Dez Sacizinhos30”, de Tatiana Belinky, de forma lúdica, gesticulando e fazendo pausas, de forma que a leitura do poema se assemelhou a uma contação de histórias.

30 O poema de Tatiana Belinky, ilustrado por Sandra Bianchi, está disponível no livro Chão de Estrelas – Livro Gigante, do programa Alfa e Beto de Alfabetização. 7. ed. Instituto Alfa e Beto – Brasília – DF – 2008. (p. 28- 29).

Figura 24 - Texto para trabalhar leitura e rimas

Fonte: Registro da Pesquisadora (2015)/Belinky (2008).

A professora do segundo ano não utilizou recursos similares aos da professora do primeiro ano para contar suas histórias, utilizando como recursos para essas ocasiões gestos e diferentes tons de voz, porém, conseguia transformar a leitura de um poema em uma história narrada, com entonação de voz e algumas estratégias geralmente utilizadas na contação de histórias. Pude perceber que as crianças do segundo ano tinham internalizado o gosto por ouvir histórias ou leituras feitas pela professora. Sabiam ouvir, apreciar aquele momento. Vibravam quando a professora anunciava que naquele dia haveria história. A professora da turma falou sobre o incentivo que dá para a formação desse comportamento leitor: “Eles

gostam muito de ler, eu incentivo muito eles na questão da leitura, tanto que eu organizei na

nossa sala o cantinho da leitura, com vários livros, para que gostem de ler”(P2) (observação

registrada no diário de aula, no dia 10/04/2015).

Certamente, penso que a existência do canto da leitura, com diferentes tipos de textos é algo que contribuiu para que as crianças daquela turma se interessassem pela leitura, para que gostassem de ler. Porém, acredito que esse interesse pela leitura, ou melhor, esse gosto por ouvir histórias é algo que já veio trabalhado e construído de anos anteriores, em especial, do ano anterior, ou seja, no primeiro ano de escolarização. Na época em que a professora do segundo ano fez este relato, estávamos em abril, e a maioria das crianças - quase a totalidade - eram alunos da escola e foram, no ano anterior, alunos da professora da turma do primeiro ano, que participou da pesquisa. Com base nisso, considero que esse gosto por ouvir histórias

e por ler tenha sido despertado no ano anterior, na turma de primeiro ano, pelas práticas oportunizadas pela professora. Restava agora à professora do segundo ano dar continuidade.

Na ocasião do trabalho com o texto “Os Dez Sacizinhos”, além de uma atividade para apreciar um momento de leitura, a escolha do texto teve também o objetivo de retomar um conteúdo já trabalhado na turma: as rimas. Sobre isso, as crianças não apresentaram dificuldades para verbalizar diferentes rimas solicitadas pela professora. Pelo contrário, brincaram com as palavras e pronunciaram rimas com diferentes sílabas. Esse trabalho com o som das sílabas, possivelmente, também deve ter sido trabalhado no ano anterior, o que favoreceu a compreensão da atividade proposta.

No terceiro ano, durante o período de desenvolvimento da pesquisa, não ocorreu contação de histórias, mas sim, leitura de diferentes textos, como poesias, fábulas, narrativas, textos informativos, desenvolvida pela professora e pelos alunos. Nos registros escritos dos alunos, em suas produções de textos espontâneas, era possível identificar histórias criativas e bem desenvolvidas, possivelmente desencadeadas e influenciadas por momentos em que a leitura foi trabalhada nesse ano e em anos anteriores. A leitura era algo bastante presente nessa turma, visto que tudo que as crianças copiavam e recebiam era lido, todas as produções eram lidas, havia atividades permanentes de leitura no planejamento semanal, ou seja, a professora incentivava e promovia o desenvolvimento da leitura em suas práticas pedagógicas.

Minha experiência docente indica que a contação de histórias vem ganhando espaço dentro das práticas pedagógicas de professores que trabalham com o ciclo da alfabetização, principalmente nas turmas de primeiro e segundo ano, através de atividades como a hora do conto, sacola da leitura, reconto de histórias, projetos de leitura, com o intuito de promover a formação de leitores, mas também o incentivo à leitura. A partir do terceiro ano, porém, essa atividade perde a frequência, por vezes, até desaparece, dando lugar à leitura de textos, na melhor das intenções, de diferentes textos, que geralmente é seguida de atividade de interpretação, compreensão, ortografia e gramática. Parece que, quando se aprende a ler, não é mais necessário que alguém leia para nós, que alguém nos conte histórias. Agora já podemos fazer isso sozinhos. Entretanto, seguimos ouvindo de muitos professores relatos que as crianças, conforme vão avançando de ano, perdem o gosto pelas histórias, pelos livros. Consequentemente, tal contradição merece todo o nosso interesse e reflexão.