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O uso de gêneros textuais no trabalho pedagógico de leitura e escrita

4.1 LEITURA E A ESCRITA NO CICLO DA ALFABETIZAÇÃO: DO ENSINO DAS

4.1.4 O uso de gêneros textuais no trabalho pedagógico de leitura e escrita

Ao iniciar essa subcategoria, impossível não recordar do projeto de qualificação da tese. Nele, o uso de gêneros textuais nas práticas pedagógicas do professor alfabetizador estava citado como tema central de pesquisa da Tese. No entanto, após as colocações da banca de qualificação do projeto, das novas leituras desenvolvidas para a construção do marco teórico da Tese e, principalmente, com o desenvolvimento da pesquisa de campo e os materiais obtidos dela, essa temática, embora de grande relevância para o desenvolvimento de práticas produtivas de leitura e de escrita, tornou-se um dos importantes elementos que emergiram da pesquisa, dada sua importância e sua aparição nas práticas desenvolvidas pelas professoras. Dessa forma, essa subcategoria pode ser justificada por dois motivos, o primeiro, por ter sido uma categoria escolhida a priori, ou seja, a partir das questões norteadoras do estudo, sendo que uma delas estava relacionada a esta questão: “Quais os gêneros textuais que embasam as práticas pedagógicas das professoras?”. O segundo por ter sido um evento recorrente nos materiais obtidos na pesquisa, tendo aparecido trinta e duas vezes durante o período de aplicação do método de análise dos dados (codificação), na perspectiva de Bardin (2011).

Pode-se dizer que o trabalho pedagógico de alfabetização que contempla o uso de diferentes tipos de textos está associado a práticas alfabetizadoras numa perspectiva de letramento. Nessa ótica, é importante que o aluno, no ambiente escolar, tenha contato com vários gêneros textuais para que compreenda seus diferentes usos. Para Bizzotto, Aroeira e Porto (2010, p. 60): “Essa vivência vai possibilitar o conhecimento de diversos textos e vai ajudá-lo a interagir com diferentes modelos. Além disso, essa interação possibilitará ao aluno se manifestar de uma forma variada ao produzir textos”. Com isso, as produções textuais se

qualificam quando o aluno conhece a estrutura do gênero que irá produzir, bem como, o tipo de texto que esse gênero geralmente contempla.

Os gêneros textuais vêm ganhando espaço nas práticas pedagógicas do professor alfabetizador e em publicações na área da educação e da linguagem de algumas décadas para cá. Drey e Silveira (2010) atribuíram a ênfase dada aos gêneros textuais nas últimas décadas à presença do tópico nos PCNs para o ensino fundamental. Quando os PCNs para o ensino fundamental, mais precisamente, o de língua portuguesa, na década de 1990, traziam uma

reflexão acerca do “texto como unidade de ensino”, apontavam a importância de ler, escrever

e compreender diferentes tipos de textos. A ênfase dada ao letramento também foi outro fator que contribuiu para o uso de diferentes gêneros textuais nas práticas pedagógicas, entre eles, os gêneros escolares e os gêneros do cotidiano. Por escolares compreendem-se os gêneros que são frequentemente encontrados e disponibilizados no ambiente escolar, como poema, fábula, mapa, dicionários. Como do cotidiano, definem-se os que geralmente são encontrados fora do ambiente escolar, como listas, receitas, manuais, bula, rótulos, isto é, são os gêneros que fazem parte do dia a dia, da rotina das pessoas.

Durante o período de desenvolvimento da pesquisa, as professoras das turmas investigadas utilizaram diferentes gêneros textuais, escolares e do cotidiano, apresentados no quadro síntese que segue. Para a organização do quadro, importante salientar que se procurou apresentar o gênero textual utilizado com o intuito de apresentar o tipo de gênero e não a quantidade de vezes que foi explorado no trabalho pedagógico das professoras. A quantidade de vezes que cada tipo de gênero foi trabalhado nas turmas variava de uma para outra, conforme as práticas desenvolvidas pelas professoras. As práticas pedagógicas foram listadas no mesmo quadro, tendo em vista que se referem a práticas pedagógicas que utilizaram os gêneros textuais no ciclo da alfabetização. Dessa forma, não serão separados os gêneros textuais e as práticas pedagógicas por ano/ciclo.

Quadro 19 - Gêneros textuais contemplados no ciclo da alfabetização

Gênero textual Práticas pedagógicas no ciclo da alfabetização

Música Ouvir música; cantar; acompanhar a letra, fazendo

a leitura; criar letra de música; utilizar palavras da música para trabalhar o sistema de escrita alfabética; ordenar as partes da música.

Cartaz dos aniversariantes Uso do cartaz para atividades relacionadas aos

nomes; atividades relacionadas à escrita alfabética.

Calendário Apresentação do gênero; trabalho com datas e dias

da semana; preenchimento.

Gênero textual Práticas pedagógicas no ciclo da alfabetização

Histórias / narrativas infantis Ouvir histórias; ler histórias, produzir narrativas;

atividades de interpretação; hora do conto; sacola de leitura; atividades relacionadas a outras áreas do conhecimento.

Charadinhas Adivinhação de diferentes charadinhas.

Texto didático Leitura de textos feita pela professora; feita pelos

alunos; atividades relacionadas às informações do texto; interpretação de texto; produção escrita a partir do texto: poesia, rimas.

Notícia Contar notícia; ler notícia; escrever notícia.

Rótulos Alfabeto de rótulos; leitura de rótulos; atividades

relacionadas às informações contidas em rótulos; atividade escrita: produção de rótulos.

Listas Leitura de listas; produção de listas.

Biografia Apresentação oral de biografia; produção escrita

de biografia.

Cantigas de roda Ouvir, cantar, produção escrita: texto lacunado36.

Bilhete Leitura de bilhetes; produção de bilhetes.

Poesia Leitura, produção escrita de poesias; texto

lacunado.

Mapa Apresentação de mapa; leitura de mapa.

Revistas Manuseio de revistas; leitura, atividades

relacionadas a palavras, imagens e textos contidos nas revistas.

História em quadrinhos Leitura; produção de história em quadrinhos.

Fábula Leitura; atividades de interpretação; produção

escrita a partir da fábula; atividades relacionadas a outras áreas do conhecimento.

Redação Produção escrita; leitura; atividades a partir de

jogos e de atividades lúdicas.

Cartaz Leitura de cartaz; produção de diferentes cartazes.

Fonte: A autora (2016).

Os gêneros elencados no quadro 19 foram os mais trabalhados durante o período da pesquisa. Neste período, outros gêneros também foram contemplados, porém, em menor destaque. Os livros didáticos da área de linguagem – língua portuguesa - adotados pelas turmas de 2º e 3º anos apresentavam diversos exemplos de gêneros textuais. O livro didático de língua portuguesa, utilizado na turma de segundo ano - “Conhecer e Crescer: Letramento e Alfabetização”37 - estava dividido em unidades, sendo cada uma delas divididas em diferentes sessões: “Lá vem leitura; Estudo da língua; Linguagem oral; A escrita das palavras; Mais uma leitura; Escrever: muito prazer”. No que tange à presença de modelos de gêneros textuais,

36 Retirar algumas palavras da cantiga original e substituir por outras, produzindo, assim, outras cantigas de roda. 37 Cristiane Buranello. Letramento e alfabetização 3. ed. São Paulo: Escala Educacional, 2011.

cada unidade do livro trabalha com diferentes gêneros. No livro, era possível encontrar os seguintes exemplos de gêneros textuais: bilhete, poema, história em quadrinhos (com e sem texto), música, texto explicativo, cantiga de roda, conto de fadas, tirinha, fábulas, notícia, piada, texto que expressa a opinião pessoal (texto opinativo), anúncio de TV, receita, trava- língua, embalagem, biografia, pesquisa, texto instrucional (manual) e resenha.

Figura 47 - Livro didático adotado na turma do segundo ano

Fonte: registro da pesquisadora (2015).

Ao se analisarem os livros didáticos de língua portuguesa publicados nas últimas décadas, percebe-se que houve uma mudança significativa na estrutura e no conteúdo. Essas mudanças estão relacionadas principalmente aos tipos de textos presentes nos livros e às atividades apresentadas neles. Os livros didáticos de língua portuguesa lançados na década de 1990, por exemplo, em sua maioria, apresentavam poucos exemplos de gêneros textuais, os mais presentes eram narrativas, poesias, bilhetes e história em quadrinhos. Na sequência, geralmente, apresentavam um exercício de interpretação, do tipo “estudo do texto”, gramática, ortografia e uma atividade de produção escrita, do estilo redação. O livro “Porta de Papel”, distribuído nas escolas Públicas pelo MEC – FAE (Fundação de Assistência ao Estudante), através do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), é um exemplo de livro que traz, em sua estrutura, essa organização e esses tipos de textos. Em contrapartida, ao se analisarem os livros didáticos de língua portuguesa que chegam às escolas atualmente para a avaliação de professores de anos iniciais e de gestores, observa-se que houve uma mudança significativa

quanto aos textos apresentados e também à forma de contemplar os conteúdos. Essa mudança é visível no que tange à produção de textos, que está relacionada também à produção de outros gêneros, não somente à redação/narrativa. Em verdade, os livros didáticos adotados pelas turmas investigadas ilustram essa mudança, pois apresentavam uma diversidade de textos, como também atividades que orientavam o trabalho para a produção escrita, como a produção de gêneros textuais presentes no meio social.

Nas turmas em que ocorreu a pesquisa, o livro didático era utilizado como apoio para as práticas pedagógicas, ou seja, não era a base para que elas ocorressem, mas sim, um recurso a mais, utilizado pelas professoras para trabalhar os objetivos propostos. A turma que mais fez uso do livro didático foi a turma do segundo ano, embora tenha sido utilizado poucas vezes. Como apoio, eram utilizados somados a outros recursos, como gêneros textuais apresentados em suporte real e outros extraídos de outras fontes, como jornais, revistas e materiais impressos. Nesse sentido, o livro didático, quando bem utilizado, pode ser um ótimo apoio para as práticas pedagógicas do professor. Ressalte-se também que, em muitas escolas, principalmente as públicas, ele é o único recurso material - com exceção dos recursos encontrados nas bibliotecas - disponibilizados ao professor para a realização do trabalho pedagógico. Mas ele não é manual, e sim, fonte de pesquisa, estudo e materiais para o desenvolvimento de aulas. Nessa direção, deve ser utilizado somado a outros textos e a outros recursos.

Os planos de estudo das três turmas apresentavam objetivos relacionados para práticas pedagógicas que fizessem uso de diferentes tipologias textuais. No documento, encontra-se

como meta “ler e escrever textos com variadas tipologias”, o que vem ao encontro das falas

das professoras no que diz respeito aos textos que utilizam em sala de aula, como se pode conferir: “Vários, vários textos literários, desde poesias, poemas, também textos

informativos, convites, bilhetes, textos narrativos. Trabalho bastante com textos literários, mas com outros tipos de textos, inclusive dizendo para eles que tipo de gênero é aquele aí, claro que dentro do vocabulário, da faixa etária deles, né?”(P1). Com as observações, foi

possível identificar que, como argumenta a professora do primeiro ano, mesmo tendo sido utilizados diversos gêneros nas aulas, os gêneros literários eram utilizados com ênfase nas suas práticas pedagógicas, o que era identificado através das leituras e contações de histórias e da presença de poemas. A escolha do gênero, levando em consideração também o vocabulário e a faixa etária das crianças, era uma preocupação dessa professora para que fosse algo apropriado para o nível de conhecimento e para um público infantil, dessa forma, respeitando as características peculiares da infância. Carvalho (2004) valoriza o trabalho com gêneros

literários, mas destaca a importância de crianças, jovens e adultos estarem em contato também com outros gêneros. Conforme a autora (CARVALHO, 2004, p. 16):

A professora que lê para a turma “acorda” as histórias que dormem nos livros. Os

alunos recontam essas histórias, aprendendo a perceber as diferenças entre língua falada e língua escrita. Esse trabalho é importantíssimo para a formação de leitores. Mas as crianças, e muito menos os jovens e adultos, não devem ficar limitadas às narrativas literárias. Pela voz da professora, podem entrar em contato com notícias de jornal, cartas, cartões-postais, documentos, anúncios, enfim, os diversos tipos de impressos que circulam no meio em que vivem.

Questionada sobre os textos que utiliza no dia a dia em sala de aula (questão de entrevista feita com as professoras), a professora do segundo ano afirmou: Eu trabalho com

todos os tipos de textos, né? Todos. Desde as fábulas, as histórias, os contos de fadas, até o e- mail, o convite, o ingresso, todos os tipos de texto, né? Eles gostam muito dos poéticos, essa turma, desse ano, se identificou muito com os textos poéticos. Então, todos os tipos de textos, narrativos, poéticos, informativos, todos eles gostam. Nesta época do ano, eles identificam bem o que é um e outro. Eu sempre pergunto, quando eu trago um textinho novo eu pergunto: que tipo de texto é esse? Eles já dizem: informativo, ou então poético. Durante as

observações, foi percebido que a professora realmente utiliza uma diversidade de gêneros textuais, nas práticas pedagógicas. Esses gêneros pertencem a determinados tipos textuais. A professora citou que a turma apreciava principalmente os gêneros poéticos. Os poemas estiveram bem presentes nas aulas da turma, foram utilizados para momentos de leitura por deleite, como também para práticas pedagógicas relacionadas ao trabalho com a escrita e a leitura.

As crianças do segundo ano identificavam os gêneros pelas características, sabiam o tipo de texto que estavam trabalhando. Isso era possível porque a professora tinha o costume de falar sobre as características do gênero e porque havia a “árvore dos tipos de textos”, que servia de apoio para as explicações da professora. Sempre que apresentava um gênero textual, a professora apontava para a árvore e mostrava em qual tipo de texto o gênero estava associado. Durante conversa com a professora, ela comentou sobre a associação que as crianças faziam do gênero textual trabalhado, com os tipos de textos citados na árvore: “No

dia a dia eu trabalho com diversos textos, né? E eles rapidamente olham para a árvore para ver em qual tipo o texto que estão lendo se encaixa. Outro dia trabalhamos com um texto que trazia uma notícia, uma informação. E eles rapidinho identificaram como um texto

Figura 48 - Árvores de tipos de textos

Fonte: registro da pesquisadora (2015).

Na árvore dos tipos de textos, era possível encontrar três tipos de textos, poéticos (literários), narrativos e informativos, sendo que, em cada um deles, havia vários gêneros textuais citados. Nessa mesma direção, Silva (2012) apresenta a ideia de que, no ciclo da alfabetização, há cinco grupos de textos de grande relevância para o desenvolvimento de práticas pedagógicas, são eles: textos literários ficcionais, representados pelas narrativas do mundo imaginário, como fábulas, lendas e contos; textos do patrimônio oral, poemas e letras de música, aqui se encaixam trava-línguas, parlendas, quadrinhas, adivinhas e provérbios; textos que têm a finalidade de registrar e analisar ações humanas e contribuir para que experiências sejam guardadas, como as biografias e noticiários; textos com a finalidade de construir e de fazer circular o conhecimento escolar e científico, como verbetes de dicionários, textos didáticos; textos com a finalidade de debater temas, como artigos de opinião. Na escola investigada, durante o período da pesquisa, foi possível verificar a presença de exemplos de gêneros relacionados a esses grupos.

A professora do terceiro ano, durante o período do desenvolvimento da pesquisa, trabalhou mais com gêneros pertencentes ao primeiro e ao quinto grupo de textos - textos literários ficcionais e textos com a finalidade de construir e fazer circular o conhecimento escolar e científico. Durante a entrevista, na parte referente aos textos que utiliza em sala de

aula, a professora respondeu: “Os textos que eu mais uso são poesia e história em quadrinhos. Uso porque trabalho bastante com narrativas e porque as crianças gostam. Mas eu vou

à variedade de textos que foram utilizados em suas práticas, durante o período das observações. Quanto à escolha dos textos, é necessário ter em mente que essa escolha requer do professor critérios como os objetivos previstos para as aulas e as características e necessidades da turma.

No entanto, há outro aspecto que não se pode esquecer, algo que os PCNs lançados na década de 1990 já apontavam e que, décadas depois, continua sendo importante: a escola precisa garantir o acesso e a exploração de uma grande diversidade de gêneros textuais, contemplando, assim, os diferentes grupos de textos. Silva (2012, p. 08) retoma a importância

dessa ideia quando diz que “cada gênero pode proporcionar diferentes formas de mobilização das capacidades de linguagem e, logo, diferentes aprendizagens”. Por isso, ao planejar as

aulas, é importante o professor selecionar gêneros de diferentes tipos, pois transmitem informações e conhecimentos diferentes, porém, importantes para a formação dos alunos.

Além de se apresentarem os diferentes gêneros textuais utilizados pelas professoras que participaram da pesquisa, cabe refletir sobre sua utilização nas aulas que contemplam a leitura e a escrita, no ciclo da alfabetização. A grande ênfase dada ao letramento e à importância de inserir textos que circulam no meio social dentro da escola fizeram com que os gêneros textuais fossem trabalhados como conteúdo e funcionalidade, apresentando ao aluno características e estilos que os definem. Nessa perspectiva, por exemplo, o professor ensina a utilidade de um bilhete e que para escrevê-lo se fazem necessários alguns itens, como saudação inicial e despedida, só que isso não irá garantir que a criança consiga escrever um bilhete.

Por essa razão, o professor precisa ter o cuidado de não apresentar somente a funcionalidade e as características dos gêneros, o que também é importante, mas, além disso, fazer uso destes gêneros para trabalhar o ensino e a aprendizagem da língua escrita, para que ocorra efetivamente a alfabetização na perspectiva do letramento. Durante o período de observações, nem sempre os gêneros textuais foram associados à sua utilização no âmbito social, ou seja, nem sempre era explicada sua funcionalidade, embora as crianças reconhecessem os gêneros textuais por seu estilo e conteúdo. Porém, eram sempre utilizados para trabalhar o sistema de escrita, a leitura e outros conteúdos relacionados a outras áreas do conhecimento.