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O anti-racismo no Brasil

CAPÍTULO II A Construção das Ações Afirmativas no Brasil

3.1 O anti-racismo no Brasil

A década de 1990 no Brasil foi marcada, na cena do debate público, pela emergência das discussões sobre as desigualdades raciais associada à implementação de ações dirigidas para sua reversão, chamadas de ação afirmativa. Tal emergência representa a publicização de questões que até pouco tempo atrás ficavam circunscritas aos círculos do movimento negro e de uma pequena fração de estudiosos do campo das relações raciais.

No caldo de discussões que se instauram, é evidente que o racismo, ao ser reconhecido como um problema presente no nosso país, tenha seu debate marcado pela necessidade de intervenções.

No Brasil, o seminário internacional “Estratégias e Políticas de Combate às Práticas Discriminatórias” ocorrido em novembro de 1995, em São Paulo, anunciava a abertura de um diálogo das políticas públicas anti- racistas a partir da troca mútua de experiências envolvendo intelectuais de outros países e pesquisadores nacionais com vistas a potencializar o alcance da compreensão e análise das ações afirmativas.

Nessa perspectiva, a década de 1990 simbolizou o início de um momento de reflexão em busca de algumas pistas para entender do que se tratavam as ações afirmativas e os seus desdobramentos nos países onde

se expressar publicamente a respeito da necessidade de enfrentar com responsabilidade o problema racial brasileiro19 (Munanga, 1996).

Como ilustrativo do crescente debate no Brasil acerca das ações afirmativas, o seminário internacional promovido pelo Ministério da Justiça, em julho de 1996, intitulado “Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos estados democráticos contemporâneos” contou com a participação de pesquisadores brasileiros, norte-americanos assim como um grande número de lideranças negras para promover o intercâmbio de experiências entre os países participantes e reivindicar uma postura mais ativa do poder público frente à questão racial brasileira (Guimarães, 1999).

O teor das discussões denunciava que a retórica e os discursos bem intencionados já não eram mais suficientes para romper as bases do racismo no Brasil e, portanto, era preciso reconsiderar as estratégias de combate à discriminação nos campos onde ela se manifesta concretamente, ou seja, no âmbito da educação, cultura, lazer, saúde, mercado de trabalho etc.

O breve olhar sobre a conjuntura em que emerge tais discussões no Brasil, nos leva a reconhecer a legitimidade que os movimentos sociais de combate ao racismo adquiriram em relação a essa temática. Munanga ao dissertar sobre as políticas anti-racistas no Brasil nos aponta que,

19 Nos círculos governamentais começou a cogitar-se a introdução de formas de ação afirmativa, como

podemos observar através do discurso do então ex-Vice-Presidente da República Marco Maciel. “Disse S. Exa: As formas ostensivas e disfarçadas de racismo que permeiam nossa sociedade há séculos, sob a complacência geral e a indiferença de quase todos, são parte dessa obra inacabada, inconclusa, de cujos efeitos somos responsáveis. A riqueza da diversidade cultural brasileira não serviu, em termos sociais, senão para deleite intelectual de alguns e demonstração de ufanismo de muitos. Terminamos escravos do preconceito, da marginalização, da exclusão social e da discriminação que caracterizam o dualismo social e econômico do Brasil. É chegada a hora de resgatarmos esse terrível débito que não se inscreve apenas no passivo da discriminação étnica, mas, sobretudo no da quimérica igualdade de oportunidades virtualmente asseguradas por nossas constituições aos brasileiros e aos estrangeiros que vivem em nosso território. (...) O Brasil terá de convencer-se de que os negros e seus descendentes deixarão de ser minoria no próximo século, pois já representam maioria em três das cinco” regiões brasileiras. (...) Vencer o preconceito que se generalizou e tornar evidente o débito de sucessivas gerações de brasileiros para com a herança da escravidão que se transformou em discriminação, são apenas parte do desafio. Se vamos consegui-lo com o sistema de quotas compulsória no mercado de trabalho e na universidade, como nos Estados Unidos, ou se vamos estabelecê-las também em relação à política, como acaba de fazer a lei eleitoral, com referência às mulheres, é uma incógnita que de antemão ninguém ousará responder. Não tenho dúvida de que se não tivesse havido discriminação econômica, não teria havido exclusão social. Sem uma e a outra a discriminação racial não teria encontrado o campo em que plantou raízes. O caminho da ascensão social, da igualdade jurídica, da participação política, terá de ser cimentado pela igualdade econômica que, em nosso caso, implica o fim da discriminação dos salários, maiores oportunidades de empregos e participação na vida pública(...)” (Maciel, 200,p.A-3 apud Gomes, 2002: 23).

“As lutas contra o racismo passam geralmente por duas formas de ação: uma discursiva e retórica, compreendendo os discursos produzidos pelos estudiosos engajados, militantes e políticos preocupados com as desigualdades raciais; outra prática, traduzida em leis, organizações e programas de intervenção cujas orientações são definidas pelos governos e poderes políticos constituídos. Mas nada impede os setores privados e as organizações-não-governamentais de desenvolver programas e atividades anti-racistas” (Munanga, 1996: 79).

Segundo Munanga, as contradições e a falta de consenso sobre o racismo conjugadas com as escolhas ideológicas de especialistas e estudiosos apresentam as primeiras dificuldades no nível da retórica anti- racista,

“A respeito, sabemos que os intelectuais de direita e de esquerda de todos os países não se entendem e atribuem ao racismo um conteúdo diferente. Os de direita, ou melhor, os liberais, pensam hoje, considerando a extinção do racismo institucionalizado em todo o mundo, que a razão essencial da persistência das desigualdades raciais deve-se ao fato de que os negros sofrem de uma falta de cultura e instrução compatíveis com a economia pós-industrial. A razão maior, segundo esse tipo de raciocínio, não estaria mais no racismo da sociedade, mas essencialmente nas forças do mercado, indiferentes à raça (...) Na esquerda, persiste a visão radical de que o racismo é uma questão de classe, e os preconceitos raciais considerados como atitudes sociais propagadas pela classe dominante” (Munanga, 1996: 79; 80).

Munanga nos mostra que a ação militante negra, composta por posicionamentos políticos e partidários distintos dificulta as buscas de estratégias anti-racistas ao ignorar as diferenças fenotípicas e culturais, como um dos elementos fundamentais, estruturador e classificador dos problemas tidos apenas como de mercado e de instrução nas sociedades.

Nos países em que o racismo era explícito e institucionalizado, como nos EUA e na África do Sul, as formas de luta anti-racistas tomaram rumos diferentes em relação ao Brasil onde as manifestações racistas são

“No caso sui generis do Brasil, como se podia lutar oficialmente, mobilizando governos e poderes públicos instituídos contra um racismo silenciado pela ideologia da “democracia racial?” (...) O passado e o presente da população negra e seus descendentes mestiços no Brasil exigem algumas linhas descritivas, a partir das quais podemos especular sobre o futuro. E esse futuro depende em parte da implantação de algumas políticas públicas” (Munanga, 1996: 80; 81).

As ações no campo anti-racista agregam os indivíduos em torno de objetivos como participar da dinâmica da mobilidade social crescente, obter a reversão das desigualdades socioeconômicas, adquirir o reconhecimento do valor e da dignidade humana e promover uma imagem positiva dos negros na sociedade. Para Chinoy,

“A posse de traços físicos distintos ou de valores, crenças e costumes únicos, não raro proporciona um foco de lealdades comuns e a base de uma ação coletiva, particularmente quando o grupo é destacado por uma atenção discriminativa” (Chinoy, 1975: 301).

Orientados por esses aspectos, Silva nos indica que,

“O engajamento pessoal no anti-racismo refere-se a uma atividade que começa na juventude, atravessa a fase adulta, e, em alguns casos, se estende até a senectude (...), nesse sentido, o exame dos movimentos sociais, que formam o campo do anti-racismo, tem como referência, os processos de socialização dos atores sociais implicados nessas lutas” (Silva, 2000: 87).

A preocupação no interior das sociedades democráticas tem sido pensar políticas direcionadas à redução de obstáculos para ascensão social de grupos específicos o que pressupõe admitir políticas e programas que tenham por base o reconhecimento de diferenças étnico-raciais no momento de inserção no mercado de trabalho e no sistema educacional.

Para tanto, os agentes dos movimentos de combate ao racismo sugerem que se faça uma releitura acerca das desigualdades e injustiças cometidas contra a população negra ao longo da história do país. Nesse sentido, discute-se a necessidade da implantação da ação afirmativa para criar patamares mais equânimes e condições leais de concorrência,

considerando que existem duas formas de racismo que devem ser eliminadas: o institucional e o individual.

O primeiro refere-se ao conjunto de arranjos institucionais que bloqueiam a participação de determinados grupos, estabelecendo uma conduta mais rígida diante das populações discriminadas, Jones define a dimensão institucional do racismo como,

“As práticas, as leis e os costumes estabelecidos que sistematicamente refletem e provocam desigualdades raciais (...) O racismo institucional pode ser manifesto ou oculto e intencional ou não intencional. Usualmente, tanto as formas manifestas quanto as formas ocultas de racismo são intencionais. As formas não-intencionais de racismo ocorrem, muitas vezes, quando as complexas inter-relações entre as instituições da sociedade fazem com que os efeitos a longo prazo de uma prática institucional sejam negativos para os negros. Tais conseqüências podem não ser previstas nem desejáveis pela instituição responsável” (Jones, 1973: 117).

Já no caso do racismo individual, Jones define que,

“O indivíduo racista é aquele que considera que as pessoas negras, como um grupo, são inferiores aos brancos, e isso por causa dos traços físicos (genotípicos ou fenotípicos). Além disso, acredita que tais traços físicos são determinantes de comportamento social bem como de qualidades morais ou intelectuais e, em última análise, supõe que essa inferioridade é uma base legítima para tratamento social inferior de pessoas negras (...). Uma consideração muito importante é a de que todos os julgamentos de superioridade se baseiam em traços correspondentes de pessoas brancas, consideradas como normas de comparação” (Jones, 1973: 105).

Quando pensamos em fatores que podem dificultar e até mesmo impedir a implementação de um conjunto de políticas públicas em prol do combate ao racismo as suas duas formas devem ser consideradas. A realização de ações no campo anti-racista conjuga essas duas formas de racismo presentes nas relações cotidianas. Nesse sentido, qual as estratégias produzidas pelo movimento negro para reduzir os danos que o

respostas a esse questionamento, pois a sua discussão provoca a consciência do racismo e da igualdade de oportunidades, no entanto, as discussões encampadas atualmente são derivadas de momentos importantes da história que compõem o marco das discussões sobre as ações afirmativas no Brasil.